A 4 de Março de 2015 o FMI publicou um comunicado da sua missão anual a Cabo Verde ao abrigo do artigo IV. No comunicado ficou-se a saber que o Conselho de do FMI deveria em fins de Maio rever os resultados da consulta feita e dar a conhecer a sua posição final sobre a situação do país. Aparentemente a reunião do CA do FMI nunca aconteceu e até agora, como se pode constatar no site do FMI, nada foi publicada sobre os resultados da consulta ao abrigo do artigo IV referente a 2015. A impressão que se reteve em vários quadrantes foi que houve disputas entre o governo e o FMI quanto aos dados da dívida e que, na sequência, ou a apreciação do relatório não se verificou, ou então Cabo Verde não autorizou a sua publicação na Internet.
A existência de tensões ou falta de acerto quanto às posições do FMI em relação às políticas dos governos do PAICV não são de “ontem”. Aconteceram anteriormente designadamente em 2012 em que o relatório que alertava para os perigos do Programa Casa para Todos e da gestão da TACV também foi escondido e não foi publicado no site do FMI. Só agora, em 2016, é que com o novo governo se soube da sua existência. Cabo Verde era dos raros países no mundo em que os relatórios do FMI para serem publicados têm que ter autorização prévia das autoridades nacionais.
A relação de Cabo Verde com o FMI mudou desde Janeiro de 2012 quando foi completada a última avaliação do país no âmbito do PSI, “Policy Support Instrument”. Passou a ser feita na base anual da consulta ao abrigo do artigo IV e nessa qualidade a apreciação das políticas do país não tem a abrangência e a profundidade de um PSI. O governo de então quis assim apesar das reticências de instituições como o Banco de Cabo Verde e dos evidentes benefícios que esse mecanismo permite, designadamente no que se traduz em maior confiança de parceiros internacionais e de investidores. Provavelmente o governo queria ter as mãos mais livres para manter a política de ilusionismo enquanto a economia estagnava, e os níveis de emprego não baixavam significativamente e a dívida pública acelerava. A essa pretensão também não deverá estar alheio o conflito aberto que a Ministra de Finanças protagonizou com o Governador do Banco Central em Novembro de 2011 a propósito da reacção do BCV às políticas expansionistas do Governo.
O “regresso” do FMI em 2016 não augura nada de bom depois de todos esses anos de supervisão menos exigente. A dívida pública situa-se em 126% e são significativos os riscos fiscais contingenciais derivados da TACV e da IFH e também de outras empresas do Estado. Ainda se pode fazer o serviço da dívida porque, como diz o FMI, o crédito é concessional. Mas mantendo-se o crescimento baixo da economia, a verificar-se a concretização dos riscos orçamentais e a manter-se a alta do dólar não é de estranhar que mais cedo ou mais tarde se torne mais difícil cumprir com as exigências do serviço da dívida. Para afastar para longe esse cenário de dificuldades, o FMI, nas conclusões da sua última visita, aconselha cortar nas despesas do Estado, aumentar as receitas, lidar decisivamente com a TACV e a IFH e limitar-se apenas aos investimentos públicos que são notoriamente produtivos. Ou seja, aconselha um período de facto de contenção, de maior eficiência e eficácia estatal, de maiores sacrifícios sociais em ordem a se evitar o pior e a manter a esperança de que o investimento directo estrangeiro e a dinâmica empresarial dos operadores nacionais e estrangeiros irão colocar o país num caminho de crescimento económico, mais emprego e mais criação de riqueza.
Neste quadro, não se compreende muito bem porque o PAICV veio regozijar-se com as declarações do FMI. Parece que a liderança desse partido não se apercebe que por detrás da linguagem diplomática usada nos comunicados já há sugestão de medidas severas que podem vir a ser aplicadas em caso de evolução para o pior. Na pressa de se regozijar com o que supostamente é a confirmação das suas políticas não vê que, assim como no passado elas não resultaram, dificilmente a sua continuidade poderia trazer mais crescimento e mais emprego. Também que reverter a situação pode não ser imediata e se houver necessidade de programas especiais do FMI para lidar com a situação não será nada fácil para as pessoas e para o país. Aconteceu noutros países designadamente Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha que também tiveram a sua dose de políticas ilusionistas. Em troca de ajudas financeiras para fazer regressar equilíbrios macroeconómicos tiveram que se colocar sob o regime da troika.
Ninguém quer isso em Cabo Verde. Mas para o evitar é fundamental que se encare os problemas do país como eles são na realidade e no quadro democrático do governo e oposição se encontre o melhor caminho para colocar o país na senda do desenvolvimento. E isso não se faz enterrando a cabeça na areia ou delirando com pretensas glórias passadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário