Discriminação positiva nos últimos tempos tornou-se a expressão preferida dos políticos e de grupos de interesses para justificar o encaminhamento de fundos públicos para as suas causas de momento. Pede-se ou promete-se discriminação positiva para ilhas, para municípios, para o turismo que não é “sol e mar” e até para o carnaval. Bem podia-se estar a falar de investimentos que se devia estar a fazer em sectores, em actividades ou certos pontos do território nacional na perspectiva de, entre outros objectivos, melhorar a produtividade e competitividade do país. Ou então da solidariedade que deve existir entre o Estado e o município e entre municípios de uma mesma região para colocar os mais pobres ou com maiores fragilidades num outro patamar na luta pelo desenvolvimento. Mas prefere-se falar de discriminação positiva porque tem provavelmente uma outra ressonância.
Por isso mesmo não vai tardar muito em que toda a gente desate a reivindicá-la para os seus projectos ou a torne numa exigência-chave da acção política. Já deu os primeiros sinais nas discussões do Orçamento do Estado e na determinação dos critérios de distribuição das receitas do fundo do ambiente e da taxa ecológica. Muitos não ficaram contentes com os resultados e abriu-se caminho para ressentimentos.
Compreende-se o rápido agarrar da expressão “discriminação positiva” se se tiver em conta que vai ao encontro de uma noção prevalecente na sociedade do igualitarismo de nivelar por baixo e também de um modelo de desenvolvimento que põe a redistribuição à frente da produção. Se juntar-se a isso a tendência em recorrer à vitimização para reclamar direitos, justificar reivindicações e ganhar influência em embates políticos e eleitorais o quadro fica completo. O grande problema é que, seguindo por aí, o mais provável é que não se consiga diminuir as desigualdades, mas entretanto aumente o fosso entre as várias comunidades, populações ou ilhas. É tanta a preocupação em procurar recursos em forma de ajuda que não sobra muito tempo e motivação para implementar uma estratégia própria de crescimento e emprego suportada numa estrutura produtiva endógena.
A história económica de vários países demonstra que viver de rendas, sejam elas derivadas de vendas de recursos naturais como o petróleo ou da ajuda externa posta à disposição, não resolve os problemas das desigualdades ou das assimetrias regionais. A prazo acaba mesmo por agravá-las porque, à medida que se tornam mais escassos, tendem a concentrar-se numa elite política e administrativa à volta do Estado e na capital do país enquanto cinturões de pobreza se instalam nas periferias das cidades e o mundo rural progressivamente colapsa. Os ganhos conseguidos inicialmente não se mostram sustentáveis porque os recursos ou dádivas utilizados numa lógica redistributiva dificilmente são incorporados numa estrutura produtiva capaz de gerar retornos permanentes. Por outro lado, ao criar relações de dependência e de rivalidade entre pessoas e comunidades no acesso a recursos acaba-se por diminuir consideravelmente a confiança e espírito de cooperação essenciais nas sociedades produtivas.
A enfase na redistribuição tende a ver o país numa perspectiva estática. Quer-se resolver os problemas das pessoas lá onde se encontram, melhorando mas reproduzindo a vida económica existente. O empobrecimento progressivo das zonas rurais e a perda de população de ilhas como Santo Antão, S. Nicolau, Fogo e Brava e também do interior da ilha de Santiago demonstram que é uma tarefa raramente bem-sucedida não obstante os muitos milhões investidos em infraestruturas e em apoio a iniciativas que dificilmente sobrevivem ao fim dos projectos que lhes deram o impulso inicial. Com o argumento da discriminação positiva está-se a contribuir para aprofundar a ideia de que a situação actual é fruto de atitudes discriminatórias no passado que agora têm que ser combatidas com acções afirmativas. Para além de dar azo à procura de razões para a discriminação, algo complicado numa população homogénea em termos étnico-linguísticos, religiosos e culturais mas espalhada por nove ilhas diferentes, desincentiva ainda a busca de uma nova economia propiciadora de mais rendimentos e maior qualidade de vida. Ficando por manobras tácticas para ganhar localmente mais uns tostões, perde-se visão estratégica de como fazer o país crescer e prosperar.
Cabo Verde, um arquipélago de nove ilhas com potencial e vocação diferentes, não pode dar-se ao luxo de tratar igual o que é diferente. Já tem custos enormes em reproduzir as mesmas infraestruturas em todas as ilhas. Não tem que os aumentar obrigando-se a uma rigidez de tratamento no investimento em nome da discriminação positiva que limita a capacidade do país no seu todo de ganhar com as vantagens oferecidas por uma ou outra ilha em agarrar oportunidades de negócios. Como a história bem demonstra, a prosperidade sustentada do país depende da relação dinâmica e vantajosa com o mundo. Nove ilhas são nove possíveis interfaces de relação, mas nem sempre todas vão em simultâneo funcionar como motor principal.
Ao governo compete arbitrar sobre os recursos existentes e manter claras as prioridades de modo a que o país cresça e enriqueça e ofereça emprego à sua gente onde, dentro do território nacional, há que concentrar mão-de-obra para que as oportunidades e a maximização dos investimentos sejam os mais profícuos para todos. Não se deve deixar enredar em malhas de exigências e ressentimentos que depois tolham os movimentos com prejuízos globais para o país. Muito menos deve activamente criá-las, abrindo a corrida para a busca de exemplos de discriminação. Isso iria apenas aumentar a rivalidade entre as ilhas e regiões, produzir reivindicações irrazoáveis e contribuir para manter as pessoas na postura de dependência e frustração que já mostrou ser prejudicial ao país.
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