Em mais uma celebração do 1º de Maio, Dia do
Trabalhador, a atenção vai para a problemática do emprego no mundo de
hoje, para a dificuldade generalizada em inverter os dados do desemprego
e para o número crescente dos que desistem e se auto-excluem do mercado
de trabalho.
Há quase três décadas que a
economia mundial está a sofrer mudanças profundas sob o impacto da
globalização, da liberalização de capitais e de avanços nas tecnologias
de informação e comunicação. No processo, cadeias globais de valor
criadas aumentaram exponencialmente a riqueza disponível e retiraram da
pobreza centenas de milhões. Devido à dinâmica gerada, postos de
trabalho foram destruídos e outros novos surgiram deixando para trás um
grande número de perdedores mas abrindo oportunidades para muita gente
em todos os continentes. Hoje, para uns a grande questão é como
amortecer o choque negativo dessas mudanças designadamente no desemprego
e na perda de rendimento sem quebrar a dinâmica económica. Para outros é
como não ficar à margem de todo o processo de criação de riqueza e sem
possibilidade de agarrar o comboio da prosperidade.
Depois da crise financeira de 2007/2008 e da Grande Recessão que se lhe seguiu os efeitos negativos da globalização acentuaram-se no mundo desenvolvido. Ao mesmo tempo que empregos no sector industrial desapareciam com as novas cadeias de valor, empregos criados no sector de serviços mostravam-se incapazes de os substituir porque as pessoas ou não estavam habilitadas para os exercer ou se revelavam pouco atractivos e pagavam menos. O descontentamento aí gerado passou a ressentimento com a crescente percepção pública da excessiva concentração de riqueza e aumento da desigualdade social. Muito do populismo e do sentimento anti-imigrantes que se vê em crescendo nos Estados Unidos e na Europa tem aí o seu fundamento.
Já no mundo em desenvolvimento há que se referir a pelo menos dois casos distintos. Há o caso da China e de mais outros países asiáticos que são os grandes ganhadores do actual sistema e que assistiram à ascensão de milhões de pessoas à classe média e ao crescimento económico a taxas elevadas de mais de 8% ao ano durante décadas suportada por uma rápida industrialização voltada para as exportações. Há o outro caso de países em desenvolvimento que deixaram a sua economia ficar dependente da exportação de minérios, de petróleo e de produtos agropecuários sem se diversificarem realmente. Além de crescerem com taxas relativamente baixas falharam em criar empregos suficientes e de qualidade em número e rapidez que historicamente só foi possível com a industrialização. Nem a dinâmica dos serviços, nem as promessas da economia do conhecimento enquanto motores de criação de empregos mostram-se capazes de compensar essa lacuna no processo de desenvolvimento desses países. E é a constatação deste facto que crescentemente tem levado muitos deles a reverter as suas políticas.
O problema é que o mundo de hoje, particularmente desde que a China foi aceite na OMC e se tornou na grande base industrial do mundo, não é o mesmo de décadas em que no quadro de sistemas preferenciais e de cotas alguns países asiáticos fizeram a sua caminhada com sucesso via industrialização com base nas exportações. Agora o grande desafio é inserir-se nas cadeias globais de valor e sabe-se que para isso as exigências são múltiplas incluindo custos de contexto, custo de factores e nível de formação dos trabalhadores que devem estar a um nível de poder competir com os oferecidos por outros concorrentes. A ameaça de guerras comerciais, a tentação de adopção de políticas proteccionistas pelas grandes potências e a tensão geopolítica em vários pontos do globo prometem tornar a caminhada que ora se procura iniciar ainda mais difícil e imprevisível. Tanto no passado como no presente os países que conseguiram ganhar com a sua inserção na economia mundial tiveram primeiro de construir um grande consenso interno quanto aos objectivos e as vias de os atingir. Aprenderam a abster-se do populismo e da demagogia nas discussões de política e no exercício do contraditório no quadro democrático para que negociações em questões de fundo do país tivessem alguma chance de sucesso e houvesse confiança para celebrar pactos alargados e firmar acordos pontuais.
Na campanha para as legislativas de Março de 2016 os dois grandes partidos correctamente identificaram o emprego como principal preocupação do povo cabo-verdiano. No debate político a candidatura de Ulisses Correia e Silva prometeu crescimento económico de cerca de 7% ao ano e 45 mil postos de trabalho enquanto a candidatura de Janira Hopffer Almada prometeu 15 a 20 mil empregos por ano. Interessante notar que o facto de todos concordarem ser o emprego o maior desejo das pessoas não leva depois a uma aproximação de posições para que condições sejam criadas e o objectivo de gerar mais postos de trabalho e fazer crescer com vigor e sustentabilidade a economia nacional seja materializado. Prefere-se ficar pela política que faz do adversário um inimigo e um potencial sabotador na realização dos interesses do país. E lida-se com a população tornando-se enquanto deputado da situação ou da oposição em porta-voz das reivindicações que, como disse o líder da UCID durante o debate sobre “Habitação e Habitabilidade”, as pessoas não fariam se tivessem um emprego decente.
O foco portanto devia estar em encontrar as melhores vias e fazer reformas que se impõem para criar empregos seguros e de qualidade e pela via do emprego melhorar a situação de todos. É evidente que alguns irão sempre precisar de ajuda directa e solidária do Estado que estará em melhor posição se tiver uma economia a crescer com vigor redobrado e a criar número significativo de postos de trabalho. Tornar o país mais produtivo e mais competitivo particularmente nesta fase de crescente dificuldade nas relações internacionais exigirá esforços redobrados, novos métodos de actuação dos actores políticos e mais abertura para se fazer as negociações e chegar aos acordos necessários em sectores-chave do país designadamente em matéria de administração pública, segurança, educação e política económica no seu todo.
Governar e fazer oposição já não devia passar pelo número de visitas, auscultações e socializações feitas às populações com a frequência e intensidade que ainda hoje se regista. Para além dos custos inerentes parecem ser actos permanentes de campanha eleitoral disfarçados de contacto com as populações. Fica no ar se os dignos representantes têm tempo depois do frenesim correndo pelas ilhas para estudar e reflectir sobre as questões, para encontrar as vias para as resolver e implementá-las no quadro de políticas devidamente ponderadas. A persistente precariedade e vulnerabilidade das populações põem sérias dúvidas quanto a isso. O mesmo faz o desemprego ainda elevado mesmo em face de maior crescimento económico. Há que mudar na forma de actuação da classe política e dos governantes para se poder lidar efectivamente com os constrangimentos ao desenvolvimento e posicionar melhor o país para aproveitar as oportunidades. Celebrar o 1º de Maio deveria significar a renovação do comprometimento para com a criação de condições para se ter mais empregos e propiciar maior empregabilidade a todos os cabo-verdianos.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 909 de 01 de Maio de 2019.
Depois da crise financeira de 2007/2008 e da Grande Recessão que se lhe seguiu os efeitos negativos da globalização acentuaram-se no mundo desenvolvido. Ao mesmo tempo que empregos no sector industrial desapareciam com as novas cadeias de valor, empregos criados no sector de serviços mostravam-se incapazes de os substituir porque as pessoas ou não estavam habilitadas para os exercer ou se revelavam pouco atractivos e pagavam menos. O descontentamento aí gerado passou a ressentimento com a crescente percepção pública da excessiva concentração de riqueza e aumento da desigualdade social. Muito do populismo e do sentimento anti-imigrantes que se vê em crescendo nos Estados Unidos e na Europa tem aí o seu fundamento.
Já no mundo em desenvolvimento há que se referir a pelo menos dois casos distintos. Há o caso da China e de mais outros países asiáticos que são os grandes ganhadores do actual sistema e que assistiram à ascensão de milhões de pessoas à classe média e ao crescimento económico a taxas elevadas de mais de 8% ao ano durante décadas suportada por uma rápida industrialização voltada para as exportações. Há o outro caso de países em desenvolvimento que deixaram a sua economia ficar dependente da exportação de minérios, de petróleo e de produtos agropecuários sem se diversificarem realmente. Além de crescerem com taxas relativamente baixas falharam em criar empregos suficientes e de qualidade em número e rapidez que historicamente só foi possível com a industrialização. Nem a dinâmica dos serviços, nem as promessas da economia do conhecimento enquanto motores de criação de empregos mostram-se capazes de compensar essa lacuna no processo de desenvolvimento desses países. E é a constatação deste facto que crescentemente tem levado muitos deles a reverter as suas políticas.
O problema é que o mundo de hoje, particularmente desde que a China foi aceite na OMC e se tornou na grande base industrial do mundo, não é o mesmo de décadas em que no quadro de sistemas preferenciais e de cotas alguns países asiáticos fizeram a sua caminhada com sucesso via industrialização com base nas exportações. Agora o grande desafio é inserir-se nas cadeias globais de valor e sabe-se que para isso as exigências são múltiplas incluindo custos de contexto, custo de factores e nível de formação dos trabalhadores que devem estar a um nível de poder competir com os oferecidos por outros concorrentes. A ameaça de guerras comerciais, a tentação de adopção de políticas proteccionistas pelas grandes potências e a tensão geopolítica em vários pontos do globo prometem tornar a caminhada que ora se procura iniciar ainda mais difícil e imprevisível. Tanto no passado como no presente os países que conseguiram ganhar com a sua inserção na economia mundial tiveram primeiro de construir um grande consenso interno quanto aos objectivos e as vias de os atingir. Aprenderam a abster-se do populismo e da demagogia nas discussões de política e no exercício do contraditório no quadro democrático para que negociações em questões de fundo do país tivessem alguma chance de sucesso e houvesse confiança para celebrar pactos alargados e firmar acordos pontuais.
Na campanha para as legislativas de Março de 2016 os dois grandes partidos correctamente identificaram o emprego como principal preocupação do povo cabo-verdiano. No debate político a candidatura de Ulisses Correia e Silva prometeu crescimento económico de cerca de 7% ao ano e 45 mil postos de trabalho enquanto a candidatura de Janira Hopffer Almada prometeu 15 a 20 mil empregos por ano. Interessante notar que o facto de todos concordarem ser o emprego o maior desejo das pessoas não leva depois a uma aproximação de posições para que condições sejam criadas e o objectivo de gerar mais postos de trabalho e fazer crescer com vigor e sustentabilidade a economia nacional seja materializado. Prefere-se ficar pela política que faz do adversário um inimigo e um potencial sabotador na realização dos interesses do país. E lida-se com a população tornando-se enquanto deputado da situação ou da oposição em porta-voz das reivindicações que, como disse o líder da UCID durante o debate sobre “Habitação e Habitabilidade”, as pessoas não fariam se tivessem um emprego decente.
O foco portanto devia estar em encontrar as melhores vias e fazer reformas que se impõem para criar empregos seguros e de qualidade e pela via do emprego melhorar a situação de todos. É evidente que alguns irão sempre precisar de ajuda directa e solidária do Estado que estará em melhor posição se tiver uma economia a crescer com vigor redobrado e a criar número significativo de postos de trabalho. Tornar o país mais produtivo e mais competitivo particularmente nesta fase de crescente dificuldade nas relações internacionais exigirá esforços redobrados, novos métodos de actuação dos actores políticos e mais abertura para se fazer as negociações e chegar aos acordos necessários em sectores-chave do país designadamente em matéria de administração pública, segurança, educação e política económica no seu todo.
Governar e fazer oposição já não devia passar pelo número de visitas, auscultações e socializações feitas às populações com a frequência e intensidade que ainda hoje se regista. Para além dos custos inerentes parecem ser actos permanentes de campanha eleitoral disfarçados de contacto com as populações. Fica no ar se os dignos representantes têm tempo depois do frenesim correndo pelas ilhas para estudar e reflectir sobre as questões, para encontrar as vias para as resolver e implementá-las no quadro de políticas devidamente ponderadas. A persistente precariedade e vulnerabilidade das populações põem sérias dúvidas quanto a isso. O mesmo faz o desemprego ainda elevado mesmo em face de maior crescimento económico. Há que mudar na forma de actuação da classe política e dos governantes para se poder lidar efectivamente com os constrangimentos ao desenvolvimento e posicionar melhor o país para aproveitar as oportunidades. Celebrar o 1º de Maio deveria significar a renovação do comprometimento para com a criação de condições para se ter mais empregos e propiciar maior empregabilidade a todos os cabo-verdianos.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 909 de 01 de Maio de 2019.
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