Há um ano atrás depois do aparecimento do primeiro caso de Covid-19 na ilha da Boa Vista a 19 de Março e de se ter detectado situações de transmissão local do coronavírus na Cidade da Praia a partir da segunda metade de Abril iniciava-se a curva ascendente da pandemia que em Cabo Verde já atingiu quase 23 mil pessoas e causou a morte de 208 infectados.
Os sucessivos estados de emergência que logo no início e entre 29 de Março e 29 de Maio foram decretados ajudaram a mitigar a progressão da doença e dar tempo ao sistema nacional de saúde de se preparar para responder ao aumento das solicitações do público. Com medidas enérgicas conseguiu-se suprimir surtos localizados como o da Boa Vista, mas infelizmente não se teve o mesmo nível de sucesso noutras situações e não foi possível travar o avanço do coronavírus. Os custos, porém, a todos os níveis foram enormes tendo a economia sofrido o seu maior baque de sempre com a queda de 14,8% do PIB.
À medida que passavam os meses, todas as ilhas acabaram por ser atingidas em maior ou menor grau e picos de transmissão verificaram-se em Julho e Outubro. Em finais de Dezembro apareceram sinais de que uma segunda vaga poderia estar a germinar. Hoje está-se a sentir o seu impacto e todos os sinais deixam transparecer que o seu ímpeto não tem diminuído. Os casos activos são os maiores de sempre e o número de mortes de Janeiro a Abril (98) aproxima-se do verificado durante o ano 2020 (113). O Director Nacional de Saúde disse esta segunda-feira que Cabo Verde “ainda está na fase ascendente da curva e que até meados deste mês vamos ter que ver como é que as coisas se vão portar”. Comparado com outros países, Cabo Verde está no nono lugar no mundo, segundo o jornal New York Times desta terça-feira, 27 de Abril, com 51 novos casos diários de infecção em 100 mil habitantes.
A situação da pandemia em Cabo Verde é claramente preocupante, mas não parece que pela seriedade das questões que coloca tenha realmente focalizado a atenção das pessoas. Perante o agravamento da situação, as autoridades têm-se limitado a repetir os apelos de sempre para as pessoas colaborarem e a aconselhar o uso de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos e de espaços circundantes. Há quem esperava a imposição de um estado de emergência logo depois do período eleitoral, mas tudo leva a crer que a dimensão dos estragos que causou na economia e a forma como afectou negativamente o rendimento das pessoas mais vulneráveis dissuadiram os decisores políticos de seguir por esse caminho. Aparentemente deixaram-se ficar por medidas de fiscalização mais enérgicas e chamadas de atenção à população e daí esperar até ver.
De facto, pelas intervenções públicas dos responsáveis não fica claro que se esteja a adoptar medidas mais compreensivas de testar, rastrear e isolar para controlar surtos da covid-19. Não se vêem sinais disso nem mesmo em ilhas como Sal e Boa Vista com pequenas populações, povoados dispersos e a necessidade premente de uma boa imagem sanitária para poder retomar o turismo em tempo de salvar o ano 2021. Mantém-se, porém, a tentação de responsabilizar a população pelo não cumprimento das normas, o que, vendo pela falta de resultados em persuadir as pessoas a comportarem-se adequadamente, também não traz qualquer ganho. Já visível é o efeito que tem em evitar que internamente se faça uma reavaliação da forma como a comunicação sanitária oficial se tem processado no sentido de a tornar mais eficaz.
Fundamental por exemplo é não deixar as pessoas perder a confiança nas autoridades passando a impressão de se está a proibir certas acções à generalidade das pessoas, enquanto são permitidas a outras. A comunicação perde eficácia e legitimam-se comportamentos que tendem a piorar a situação sanitária. Também é importante garantir que a informação passada tem suporte científico, acompanha os avanços feitos diariamente no conhecimento do vírus e é relevante na justificação dos constrangimentos impostos às pessoas. No caso presente de o país estar a passar por uma segunda vaga com sinais preocupantes de transmissibilidade e de letalidade do vírus é de todo interesse saber se se trata do efeito de uma variante e se tem um maior impacto sobre as crianças como é o caso da variante britânica.
Mesmo nas recomendações é preciso adequar a mensagem aos últimos dados científicos que, em matéria de transmissão do coronavírus e de acordo com CDC americana, minimizam o risco de contágio via superfícies e estabelecem outros procedimentos na higienização dos espaços. Tudo leva a crer que o Sars-cov-2 é um vírus de transmissão fundamentalmente aérea. É o que investigadores concluem num artigo da renomada revista científica The Lancet na edição de 19 de Abril. Acrescentam que, como o coronavírus espalha-se através de aerossóis, é preciso tomar medidas para evitar inalação de aerossóis infectados incluindo ventilação, filtração de ar, redução de ajuntamentos de pessoas e tempo no interior de edifícios, bares e restaurantes e também o promover uso de máscara em sítios fechados. Ou seja, é preciso rever as recomendações anteriores que assumindo contágio através de gotículas punham mais enfase na redução de contacto directo, limpeza de superfícies e uso de máscaras a pequena distância e não viam necessidade de distinguir entre estar dentro ou fora de edifícios.
Os dados da covid-19 das últimas semanas vieram demonstrar que Cabo Verde passa por um momento crítico na luta contra a pandemia. As infecções continuam a sua curva ascendente como confirma o director nacional da saúde e pode-se vir a estar em situação de o número de solicitações de cuidados hospitalares vir a sobrecarregar as estruturas de saúde particularmente nos principais centros urbanos. A vacinação ainda está longe de ter um efeito na contenção da transmissão do vírus na comunidade e há que a acelerar de alguma forma para abarcar mais segmentos da população. Para isso é evidente que o número de 108.000 doses disponibilizadas no quadro da COVAX, das quais só 24 mil chegaram ao país juntamente com 5.850 doses da vacina Pfizer, não é suficiente.
Cabo Verde precisa ser mais pró-activo e mais criativo na procura de vias para conseguir as mais de 700 mil doses que, segundo o ex-director nacional da saúde António Pedro Delgado, em entrevista à TCV, o país vai precisar. Canais bilaterais devem ser explorados para conseguir vacinas, designadamente as da AstraZeneca que vários países por várias razões que só se compreendem porque têm alternativa em outras vacinas, mantêm em stock enquanto são clarificados alguns efeitos colaterais raros encontrados depois de milhões de doses terem sido dadas. Não há tempo a perder. Há que, entretanto, renovar com maior vigor a comunicação com a população, mostrar a urgência do que \se tem a fazer para diminuir situações que favorecem a transmissão do vírus e ser efectivo em garantir que as exigências em termos comportamentais sejam cumpridas por todos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1013 de 28 de Abril de 2021.
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