segunda-feira, abril 26, 2021

Estabilidade para combater a pandemia

 

As eleições legislativas de 18 de Abril saldaram-se pela vitória do MpD que obteve maioria absoluta dos deputados na Assembleia Nacional de Cabo Verde.

A configuração das forças políticas no parlamento não se alterou muito em relação ao que tinha saído das eleições de Março de 2016. O MpD perdeu dois deputados, um que foi aumentar o número de deputados do PAICV para 30 e outro que foi juntar-se aos três anteriores da UCID perfazendo quatro deputado. As outras três forças políticas que concorreram não conseguiram lugares no parlamento e em alguns casos mostraram não ter suficiente representatividade, número de apoiantes e uma organização democraticamente funcional que rigorosamente os qualificasse como partidos políticos. Com estas eleições, inicia-se um novo ciclo governativo sob o signo da estabilidade suportada por uma maioria parlamentar que mesmo mais estreita é suficiente para garantir governo nos próximos cinco anos. Goradas ficaram as expectativas dos pequenos partidos e de alguns segmentos de opinião de conseguir maiorias relativas que obrigassem a mais diálogo entre as diferentes forças.

A opção clara do eleitorado cabo-verdiano foi de garantir estabilidade e continuidade governativa. Vê-se isso nos resultados eleitorais que mostram o partido no governo a ganhar em todos círculos eleitorais com excepção da ilha do Fogo e dos círculos das Américas, da Europa e da África. Nota-se na inversão surpreendentemente cedo no sentido de voto em círculos eleitorais que incluem municípios como a Cidade da Praia onde em Outubro último o PAICV tinha ganho as autárquicas. Também é impressão que se tem quando a população faz orelhas moucas aos múltiplos apelos para acabar com a bipartidarização e continua a dar os votos aos dois grandes partidos e a confinar a UCID a S.Vicente.

Na origem dessa posição do eleitorado estará provavelmente a situação de pandemia que se vive no país e que se tornou pior com o aproximar da data das eleições. Quando aumentam as incertezas e a precariedade da vida se torna mais evidente, a atitude das pessoas não é de aventurar com alternativas de governação e com lideranças não testadas. O slogan da campanha do MpD “Cabo Verde no caminho seguro” procurou traduzir e reforçar esse sentimento das pessoas. No mesmo sentido foi a estratégia de personalização da campanha no primeiro-ministro e de contrapor a sua figura enquanto homem de Estado à da líder de oposição, convidando o eleitorado a escolher quem lhe oferecia mais segurança. O facto da presidente do PAICV ter aceite o repto e ter centrado muito na sua pessoa não terá ajudado a posição do seu partido enquanto alternativa ao governo.

Para o país esse foco nas personalidades não constituiu ganho algum e, pelo contrário, foi oportunidade perdida ter a campanha eleitoral das legislativas focada nos líderes dos dois grandes partidos. Não se deu tempo suficiente para se debater a situação real do país e as políticas que poderiam diminuir as vulnerabilidades, enfrentar a precariedade progressiva de vários sectores e preparar o país para o futuro incerto criado pela pandemia da covid-19 e pelos seus efeitos nos diferentes sectores da vida política, económica, social e cultural. Privilegiou-se no discurso o desfilar de promessas na linha do que se vinha fazendo antes da pandemia e assumindo sem talvez o dizer que o “pós” será uma simples continuidade do “antes”. As críticas atiradas nos dois sentidos mais parecem ajuste de contas com os legados de governações passadas do que uma procura de vias para resolver os problemas do país.

Em retrospectiva, pode-se constatar que a meio de todo esse “ruído” acabou-se por sobrepor o sentimento generalizado das pessoas de que era preciso manter a governação actual e não deixar-se levar por apelos patéticos para se fazer experimentação com “gerigonças” e maiorias relativas. Vencida a tentação de ir por outros caminhos, é fundamental que se tire todas as ilações da opção feita: primeiro deve-se ter em conta que a garantia dada de uma maioria estável nos próximos cinco anos não é para ser tomada simplesmente como selo de aprovação de políticas passadas. Na prática, trata-se de um ambiente criado para com tranquilidade e serenidade se encontrar novas vias para os problemas que o país enfrenta tanto internamente como na relação com o mundo.

Também há que procurar ver na pequena diferença entre a maioria e as forças da oposição que saiu das eleições um convite para mais diálogo e mais convergência entre as forças políticas na procura de soluções duradoiras para o país nestes tempos de incertezas. Por outro lado, o facto de os pequenos partidos terem conseguido expressão mesmo que pouco significativa em quase todos os círculos eleitorais não deixa de ser um aviso. Se as principais forças políticas não encontrarem forma de conjuntamente trabalhar e encontrar solução para os problemas do país outras propostas mais complicadas poderão ganhar terreno alimentadas pela vitimização, ressentimento e sentimento de marginalização.

A grande dificuldade em se tomar as eleições como uma oportunidade para um novo começo normalmente tem a ver com a tentação de se manter o espírito de campanha mesmo quando ela cessa e é preciso governar. A maioria eufórica com a vitória sente-se confiante e legitimado com tudo o que disse e fez e não tem muita disposição para relembrar o que o velho político dizia: campanha faz-se com poesia, mas governa-se com prosa. Resultado, continua-se muitas vezes a bater na oposição como se as eleições já não tivessem sido ganhas e perde-se a oportunidade de avançar com reformas profundas, quando ainda o espírito de mudança está no ar e as resistências abaladas com o choque do novo ainda não se entrincheiraram. Já a minoria muitas vezes ressentida tende a confundir o papel de oposição como o de uma força de bloqueio. Estando a maioria saída das eleições com a responsabilidade pela governação do país cabe-lhe fazer um esforço maior de ultrapassar a crispação pós-eleitoral e fazer convergir as vontades com vista à consecução do interesse geral.

Essa responsabilidade em momentos únicos como os que se está a viver com a pandemia da covid-19 ganha uma dimensão extraordinária. Há que assumi-la em peso e com urgência. Da parte da oposição normalmente a demissão do líder após a derrota abre as portas para uma nova abordagem das políticas e pode levar à revitalização do partido, preparando-o para os desafios do futuro. O pior que pode acontecer é fazer o partido refém do líder derrotado e não deixar campo nem para revitalizar o partido, nem para conseguir dialogar e negociar com o partido no governo medidas de política de grande alcance e impactantes para o futuro do país.

A história da alternância política em Cabo Verde não tem sido pródiga em gerar amplos consensos que permitam ao país dar saltos no seu desenvolvimento e na sua competitividade. As eleições de 18 de Abril foram especiais nesse sentido e convidam a uma outra atitude e um outro foco na resolução dos problemas do país. Que o convite dirigido seja aceite é expectativa geral de todas as partes. Que assim seja!!

Humberto Cardoso

 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1012 de 21 de Abril de 2021.

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