segunda-feira, agosto 30, 2021

Combater a insegurança

 

Já no segundo semestre de 2021 em todo o mundo as in­certezas em relação aos próxi­mos meses não diminuíram sig­nificativamente como esperado.

Em vários países da Europa e também nos Estados Unidos, Brasil, África do Sul, Indonésia e outros países asiáticos a varian­te Delta do vírus Sars2-coV-19 veio outra vez baralhar as cartas alterando completamente as ex­pectativas da retoma económi­ca e do regresso à normalidade previstos para o fim do Verão. A grande esperança deposita­da nas vacinas não se realizou por completo. Diminuíram as hospitalizações e as mortes por Covid-19, mas ficou mais difícil alcançar a imunidade de grupo. Em vez dos 70% de vacinados, fala-se agora em 85% ou até em mais de 90%. Complicando ain­da as coisas, já há quem assume que poderá ser necessário uma terceira dose da vacina para manter o sistema imunitário realmente efectivo contra as novas variantes do coronavírus.

Em Cabo Verde, a oferta de centenas de milhares de doses de vacinas no âmbito do projec­to Covax e no quadro das rela­ções bilaterais com países ami­gos, aliada ao trabalho efectivo e meritório das equipas de vaci­nação em todas as ilhas, têm-se conseguido um nível elevado de vacinação. O governo apon­ta para finais do ano atingir os 85% da população elegível para as vacinas. Com a resolução n.º 82 de 23 de Agosto deram­-se passos importante para, na prática, tornar obrigatória a va­cinação em vários grupos pro­fissionais entre os quais, os pro­fessores, profissionais de saúde, empregados de hotelaria e res­taurantes e outros prestadores de serviço que fazem atendi­mento público. A confirmação semanas atrás da presença no país da variante Delta do coro­navírus deve reforçar o sentido da urgência em vacinar o maior número de pessoas e mover-se agressivamente para proteger os jovens e as crianças da in­fecção particularmente quando já se está a poucas semanas da abertura das aulas.

Vendo o impacto causado por surtos da variante Delta em países com percentagens eleva­das de população vacinada não se pode, de facto, ser compla­cente com a situação actual em que se forjam resistências à va­cinação e se dá guarida a com­portamentos de risco. Não é por acaso que a resolução refe­rida, no seu preambulo, chama a atenção para o facto de apesar de todos os esforços envida­dos, as taxas de contaminação mantêm-se num nível acima do desejado. Agora que se está a lidar com uma variante do vírus várias vezes mais contagiosa do que a variante Alfa que aumen­tou exponencialmente os casos de covid-19 em Abril/Maio há que transmitir a urgência em melhorar os níveis de vacinação e principalmente em invocar o sentido de dever de todos em se vacinarem para o seu bem, dos mais próximos e para o bem de toda a comunidade.

Como está a ficar cada vez mais claro que a imunidade de grupo provavelmente será um objectivo impossível de atingir é da maior importância que se dê ênfase a outras formas de minimização das possibilidades de contágio. Curiosamente nos cuidados a ter com o corona­vírus ainda se insiste nas reco­mendações anteriores de lim­peza das mãos e das superfícies. Não se põe o foco devido no uso das máscaras, na ventilação dos espaços e nas regras de funcio­namento em recintos fechados que o conhecimento científico mais recente da forma como o vírus se transmite de uma pes­soa para outra recomenda. E isso agora é da maior impor­tância porque, como já se sabe, as pessoas vacinadas mesmo com duas doses não estão livres de serem infectadas por no­vas variantes do coronavírus e, tratando-se da variante Delta, de serem contagiosas, ou seja, de poderem passar o vírus para outras pessoas mesmo que se­jam assintomáticas ou tenham sintomas leves da doença.

Manter a confiança é um ele­mento chave de combate contra a crise pandémica e a crise eco­nómico e social que a acompa­nha. Informações incompletas ou pouco rigorosas passadas às pessoas podem miná-la e na sequência comprometer o engajamento e o contributo de pessoas, empresas e sociedade para a eficácia das medidas de política dirigidas para mitigar os efeitos das crises e preparar as condições de retoma. A pro­messa das vacinas era que con­seguida a imunidade de grupo praticamente tudo voltaria ao normal. Os cientistas hoje di­zem que perante a capacidade demonstrada de mutação do co­ronavírus provavelmente não é possível pelo menos por algum tempo conseguir imunidade de grupo independentemente da percentagem da população que se vier a vacinar. Recomendam, porém, que mesmo sem esse resultado é importante conti­nuar a vacinar para diminuir as chances do vírus ter mutações circulando por gente não vaci­nada.

Imagine-se que não é fácil para as autoridades insistir na vacinação e até dar passos para a tornar obrigatória quando em simultâneo não podem prome­ter que tudo voltará ao normal mesmo se todos estiverem vaci­nados. Também não é fácil de­pois de mais de um ano e meio de pandemia dizer às pessoas que se deverá continuar a usar máscaras em certas situações e que o acesso a certos lugares e serviços e a participação em actividades colectivas poderão ainda ficar sujeitos a determi­nadas restrições. Navegar nes­te ambiente de incertezas, sem que se agravem ao nível do in­divíduo e da sociedade as con­sequências do distanciamento social, de perda real de rendi­mentos e de oportunidade de carreira ou de realização pes­soal e profissional, exige mais do que nunca que a postura de Estado seja honesta, sábia e pragmática e também compe­tente e segura no momento de execução.

O pior que pode acontecer é que com todas as incertezas quanto ao futuro e as dificulda­des de viver no momento pre­sente com menos rendimentos e sem muitas outras opções de vida se venha ainda acrescentar a insegurança e a violência no quotidiano das pessoas. Vê-se isso nalguns países onde existe uma cultura de violência asso­ciada à posse de armas de fogo. O estranho é algo similar tam­bém se verificar em Cabo Verde, mas sem que se assuma que há uma cultura de violência e que aparentemente o acesso a ar­mas de fogo em particular pelos jovens é fácil como parece fácil para alguns deles usá-las contra pessoas ao menor pretexto. A deterioração económico-social e até psicológica por causa da crise claramente que é propí­cia à erupção de situações que podem evoluir para a violência e aumentar o sentimento de in­segurança.

Impedir que se entre numa espiral de violência é funda­mental para que o Estado pos­sa manter a sua autoridade e a confiança das pessoas e aplicar a sua estratégia de saída da cri­se. Nesse sentido, não oferecem qualquer conforto reacções de autoridades que explicam a violência presente com erup­ções cíclicas sem oferecer mais explicação dos fenómenos so­ciais atrás do crime. Também mostra-se insensibilidade quanto à existência em algum grau de uma cultura que propi­cia a violência na resolução de problemas quando se recorre a apelos descontextualizados de “Homi faca, Mudjer matchadu, Mininus tudu ta djunta pedra” para retoricamente responder a algum desentendimento na esfera pública. O que é preciso é mais serenidade, mais soli­dariedade e mais coragem para identificar as causas e os meios da violência e efectivamente os neutralizar e ao mesmo tempo restaurar a esperança de outras saídas para a crise e para uma vida digna.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1030 de 25 de Agosto de 2021.

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