segunda-feira, janeiro 24, 2022

Diversificar não é disparar para todos os lados

 

​O Banco Mundial no relatório sobre a Situação e Perspectivas Económicas Mundiais previu para Cabo Verde um crescimento económico de 4% do PIB para 2021 e 5,2% e 6,1 % para respectivamente 2022 e 2023.Se se considerar que em 2020, no ano de pandemia, houve uma recessão de 14,8 % deve-se imaginar que ainda vai levar algum tempo para o país se recuperar da violenta contracção da economia e retomar a partir do que já tinha atingido em 2019.

Qualquer previsão está condicionada por incertezas várias que incluem as resultantes de tensões internacionais, estrangulamentos nas cadeias de abastecimento e o ressurgimento da inflação. Outrossim, a dependência actual do turismo enquanto motor da economia torna uma retoma económica do país mais complicada. É o sector mais afectado pelas incertezas derivadas da pandemia e condiciona directamente os sectores de viagens e de hotelaria que comandam milhares de postos de trabalho e têm um forte efeito de arrastamento de outros sectores importantes da economia nacional.

Essa situação já de si mesma preocupante é agravada pelos condicionalismos macroeconómicos e macro fiscais colocados pela dívida pública de 160,9% do PIB segundo o BCV e pelos défices orçamentais impostos pelas despesas extraordinárias necessárias para financiar o sistema de saúde e conter o impacto da pandemia da covid-19 no rendimento das pessoas e na actividade das empresas. Sem o turismo e sem o crescimento de uma procura externa de bens e serviços fica difícil gerar um fluxo de receitas suficiente para fazer face ao serviço da dívida externa e realizar os investimentos que vão sendo necessários para combater o vírus e os investimentos indispensáveis para a retoma.

A tentação de aumentar os impostos também não é o melhor caminho mesmo que traga algum alívio para o Estado. No fim do dia, sempre acaba por prejudicar as empresas e também os consumidores. Um esforço maior podia ser posto na atracção do investimento externo, mas tirando o sector do turismo à base de sol e mar aparentemente o país não tem muito a oferecer. Não melhorou como devia a sua competitividade, não valorizou adequadamente o seu capital humano e não fez as reformas da administração pública que seriam necessárias para o Estado ser visto como facilitador da actividade económica e não como um factor de ineficiência contribuindo significativamente para os custos de contexto.

Na encruzilhada difícil que se vive não faltam vozes nacionais, internacionais e institucionais que clamam pela diversificação da economia como solução para os males do país. Aparentemente esquece-se que esse clamor vem de longe e no passado recente tomou várias formas em projectos de milhões que propuseram clusters, hubs e plataformas em vários sectores designadamente financeiro, transportes aéreos, transbordo, agronegócios, energias renováveis e tecnologias de informação e comunicação.

Alguns não resultaram, outros ficaram aquém dos objectivos traçados, mas todos contribuíram para aumentar a dívida externa e deixaram na sua esteira frustrações e ressentimentos. O estranho é que sem se deter para uma análise compreensiva do que correu mal nas tentativas anteriores ainda se quer continuar a fazer as mesmas apostas. A diferença é que aparecem com outros invólucros como economia azul e economia verde e no quadro de políticas de contenção dos efeitos das alterações climáticas e de aumento da capacidade de resiliências a choques externos. É aí que estão agora os milhões.

Duvidoso é se desta vez, a incorrer em custos como os de 20 mil contos em cursos de coding com a duração de 14 semanas para 22 jovens (post no facebook do Vice PM) se vai conseguir que o digital chegue a 25% do PIB como prometeu o Primeiro-Ministro em discurso recente. Os falhanços anteriores com muitos outros projectos deviam convidar a uma serenidade e ponderação no que se deveria fazer para não repetir erros do passado e para aumentar as chances de sucesso de forma a assegurar sustentabilidade dos projectos para além do seu tempo de implementação. O que se vê mais nessa procura de diversificar a economia parece mais um exercício de “disparar para todos os lados” sem uma definição de prioridades, sem o encadeamento das acções, sem a mobilização e adequação do capital humano e sem uma preocupação central em identificar nichos de mercado, avaliar o seu potencial e traçar estratégias de exploração e desenvolvimento.

Quer-se, por exemplo, que a produção nacional capture uma fatia significativa do que em produtos agropecuários se consomem nos hotéis nas ilhas turísticas do Sal e da Boa Vista. É de se perguntar se durante o período de crise pandémica se investiu para qualificar potenciais fornecedores de acordo com os standards de qualidade exigidos. Se quem já investiu nisso, como incentivo, foi ressarcido do que já gastou, no que se pode considerar uma actividade de exportação. Aliás, nessa linha de ideias devia haver um pacote de incentivos para exportar “cá dentro” considerando que a procura é realmente externa, tende a expandir-se, criando mais emprego local, e resulta num saldo positivo de divisas. Diversificar a economia devia passar por criar linhas de conexão entre várias actividades empresariais num esforço de estruturação da economia nacional, de unificação de mercado e de identificação e atracção de investimento externo que, para além de capital e know how, também trouxesse mercado.

Como as duas últimas décadas demonstram, não é indo atrás de projectos propostos por outros ou de financiamentos aparentemente concessionais que se vai conseguir diversificar a economia e tornar o país sustentável e mais resiliente aos choques externos. O que se vê hoje, na dependência excessiva do turismo, nas persistentes vulnerabilidades das populações e no peso crescente da dívida pública, é o resultado do país não encarar devidamente os seus problemas fundamentais, não debater democraticamente soluções apresentadas e não mobilizar as vontades para dar os passos difíceis, mas essenciais para se construir a prosperidade. Prefere-se ir atrás dos projectos e dos milhões anunciados quase todos os dias na rádio e na televisão. Dão para anunciar com pompa e circunstância, mas não parece que o aproveitamento que deles foi feito tenha trazido maiores certezas para o futuro. Qualquer ilusão a esse respeito foi desfeita pela pandemia.

Governar não deve significar alimentar ilusões mesmo que tragam milhões. Nem também reproduzir mitos de salvação do povo que andam à volta da chuva, da emigração ou mesmo do dinheiro de Angola da canção “Oi Teresinha”. Pior ainda, induzir sentimentos de vitimização a partir de afirmações como “a escravatura é vivência fundante dos cabo-verdianos” que se supõe só podem servir para tentar conseguir alguns milhões de compensação por atrocidades passadas. Governar para se chegar à diversificação da economia que o país precisa deve, pelo contrário, primar-se pelo realismo que descarta mitos e ideologias ultrapassadas, pelo pragmatismo que funciona com resultados concretos e sustentáveis e pela procura do interesse colectivo que reforça o sentido da cidadania, a auto-estima e a confiança no futuro. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1051 de 19 de Janeiro de 2022.

Sem comentários: