Há uma semana atrás o governo anunciou o investimento do Banco Mundial no valor de 26 milhões de dólares no projecto de Capital Humano. Para o Vice-Primeiro-ministro o financiamento vem no momento crucial quando o país saído da pandemia precisa apostar na formação e na inclusão.
O foco do Banco Mundial é reduzir a extrema pobreza e aumentar a prosperidade partilhada. Daí o projecto ter uma componente habitacional e outra de protecção social para além do que especificamente apresenta no sector da educação em matéria de reforma curricular, formação de professores e desenvolvimento de competências para a empregabilidade. A sensação de déjà-vu que acompanha esse tipo de cerimoniais faz pensar que mais se está a administrar uma espécie de paliativos para a situação sócio-económica difícil do que a romper com o círculo vicioso que impede resultados no desenvolvimento do capital humano à altura dos investimentos feitos.
Em 2019, já se tinha avançado com um projecto também do Banco Mundial de 10 milhões de dólares para a melhoria do sector da educação e formação. Outros projectos de vários milhões financiados pela cooperação internacional têm sido implementados ao longo de décadas. Anualmente fatias apreciáveis do Orçamento do Estado atingindo somas de mais de 10 milhões de contos em 2021, cerca de um quinto do total do OE, têm sido aplicadas no sector. Não obstante todo esse esforço, os resultados não têm sido os melhores. Segundo estudos feitos pelo Banco Mundial em 2019, Cabo Verde quando comparado com os países vizinhos destaca-se pela falta de capital humano com as competências alinhadas com as necessidades do mercado. Também foi em Cabo Verde entre os países da CEDEAO que as empresas apontaram a falta de capital humano qualificado como o maior constrangimento ao crescimento da economia e ao desenvolvimento.
Curiosamente Cabo Verde destaca-se ainda pela negativa por pertencer a uma pequena lista de países que não tem dados internacionalmente comparáveis de resultados de aprendizagem. É dos poucos países do mundo que não aparece no Índice de Capital Humano produzido pelo Banco Mundial. De acordo com o referido estudo do BM, foi em 2019 que através do projecto de melhoria da educação e formação se implementou um dos primeiros sistemas de avaliação nacional do ensino para leitura e matemática no 2º e 6º do ensino básico. A grande questão que salta logo à vista é como é que o país se permitiu investir tanto no sector da educação, incluindo não só verbas do Estado como também a contribuição financeira das famílias e o esforço e a expectativa dos pais e alunos, sem que se tenha procurado avaliar o grau de eficiência, qualidade e de satisfação com que todos esses recursos e toda a energia dos envolvidos estavam a ser aplicados.
Hoje é geralmente assumido que os recursos humanos constituem a base da riqueza das nações. Países podem ter mais ou menos recursos naturais e até estratégicos, beneficiar ou não de outros factores como geolocalização privilegiada ou ter uma história que lhes dificulta ou facilita na relação com o resto do mundo, mas todos têm um potencial a explorar e a expandir nas suas gentes. A rapidez e o nível de prosperidade que conseguirem atingir irá depender do investimento feito nos recursos humanos, em particular na qualidade do sistema de ensino a todos os níveis e no sistema de formação profissional. É isso que lhes permite adquirir conhecimento, aumentar a competitividade e produtividade e inovar nos produtos, processos e tecnologias para se desenvolverem e serem bem-sucedidos num mundo em que a economia cada vez mais se baseia no conhecimento.
Países pequenos e de sucesso como Singapura e Estónia e vários outros sem grandes recursos naturais são exemplos de uma aposta forte e mundialmente reconhecida na qualificação dos seus recursos humanos. Para um país como Cabo Verde a escolha devia ser óbvia até porque praticamente não tem outros recursos. Infelizmente ficou-se por uma visão estreita que acabou por se fixar na massificação do ensino e por se preocupar fundamentalmente com o acesso, seja no básico, secundário e universitário. De acordo com o estudo do BM, ao nível secundário não se deu suficiente atenção aos resultados da aprendizagem nem às taxas de repetência e de abandono escolar. Ainda segundo o documento o sistema de formação profissional é fragmentado e funciona movido pela oferta, mas sem estar alinhado com as oportunidades de emprego e a procura do mercado. A exemplo de outros sistemas ligados aos recursos humanos pouca atenção é dada aos resultados em termos de qualidade e empregabilidade afectando directamente os muitos jovens que não terminam o ensino secundário e procuram outras alternativas. E sem uma parceria estreita com o sector privado a formação profissional fica na dependência de doadores para a sua sustentabilidade.
A prioridade de Cabo Verde devia ser a qualidade dos seus recursos humanos e nesse sentido primar pela excelência do seu sistema de ensino. Aliás, é o que se esperaria quando se escolhe como patrono do Dia do Professor o doutor Baltasar Lopes da Silva. Seguindo o seu exemplo em toda a gente e especialmente entre os jovens e os professores devia-se cultivar o gosto pelo estudo e pela procura de conhecimento. Este sábado, dia 23 de Abril, Baltasar Lopes completaria 115 anos e certamente que lá do alto gostaria de saber que os professores não só lutam pelos seus direitos e respeitabilidade da sua profissão como se posicionam na linha de frente do combate pela qualidade do ensino em Cabo Verde. Um combate que incentive a excelência, tanto na prestação do professor como do aluno, valorize o mérito e contribua para inverter a falta de qualidade no ensino que, segundo o estudo do Banco Mundial, também resulta de níveis baixos de qualificações dos professores.
Neste dia 23 de Abril, que é também dedicado ao Livro, devia-se renovar o esforço para acabar com a situação que vem de há mais de quatro décadas em que as crianças e jovens mal fazem uso de manuais e livros nos seus estudos. Aliás, várias gerações de professores passaram pelos mesmos constrangimentos e não é de estranhar que continuando a existir carências de manuais, livros e bibliotecas o gosto pela leitura esteja em queda livre. Urge quebrar esse círculo vicioso porque sem hábito de leitura e de estudo não há como o país realmente desenvolver-se e prosperar recorrendo ao único recurso que realmente tem que sãos os seus homens, mulheres, crianças e jovens. Para fazer isso, a vontade é apenas nossa assim como a responsabilidade de a não fazer. Projectos e milhões podem ajudar, mas só se existir vontade e perseverança para seguir esse caminho e um sentido de dignidade para não continuar na dependência dos outros.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1064 de 20 de Abril de 2022.
Sem comentários:
Enviar um comentário