Já nos últimos dias antes das eleições percebe-se que a campanha falhou em ser o esperado palco do grande debate sobre políticas alternativas para os próximos cinco anos. O discurso de campanha derivou demasiado para os ataques à credibilidade de uns e outros. A preocupação em comparar décadas passadas de governação não deixou muito espaço para se interrogar sobre o futuro.
As eleições legislativas acontecem num momento crítico da economia global. Dois anos após a Grande Recessão ainda não são claros os contornos do que será o mundo pós crise. Para um pequeno país como Cabo Verde saber orientar-se para melhor situar-se no quadro das relações económicas emergentes é vital. E isso só pode ser feito através de políticas inteligentes para cuja discussão pública e triagem as campanhas eleitorais deveriam contribuir.
Actualmente, nas democracias com eleições à porta, a questão central e urgente é como adequar-se aos novos tempos com sucesso. Nos países com regimes autoritários essa urgência também existe e na falta de um escape democrático manifesta-se da forma como está a fazer na Tunísia e no Egipto. Só em Cabo Verde é que aparentemente a classe política não se sente obrigada pela sociedade civil em expor e debater aprofundadamente o que tem para oferecer ao país nestes tempos difíceis.
O comportamento típico do Governo de responder acusando, sempre que confrontado com falta de resultados e omissões de política, viciou o diálogo democrático entre situação e oposição, entre governantes e cidadãos e entre o Estado e a sociedade. Dez anos depois, ainda o Governo culpa a governação anterior pelas dificuldades do presente. Procura bodes expiatórios para o que vai mal e duvida das motivações e intenções dos críticos.
Na campanha em curso quer-se comparar momentos históricos irrepetíveis e contextos político-económico internacionais diferentes. Procura-se abater o mensageiro para que a atenção não se fixe na mensagem. Centra-se na questão de credibilidade de pessoas e partidos para fugir à responsabilidade pelos resultados presentes e à discussão aprofundada das propostas de governação para o futuro. Mas, como bem disse o Primeiro Ministro da Palestina, Salam Fayyad, a propósito da insurreição no Egipto contra Mubarak "hoje a legitimidade do Poder está baseada nos resultados produzidos para as pessoas. Terminaram os tempos em que simplesmente se podia dizer: Lidem comigo porque com os outros será muito pior".
O perigo de se descambar para a violência está associado à insistência em mobilizar paixões de multidões e em estigmatizar o outro para atingir fins eleitoralistas. Os incidentes repetidos que se vêm verificando nos últimos dias, com cenas de teatro como apontar o dedo a "sabotadores" na Electra e entregar a guarda das centrais eléctricas às forças militares, são ilustrativos.
É de extrema hipocrisia fazer-se apelo à não-violência nas eleições e depois forçar o embate eleitoral num caminho que inevitavelmente leva a insultos, a atentados graves à imagem dos candidatos e a acções intimidatórias dos eleitores. É evidente que há que mudar este estado de coisas para que o país ganhe com todas as virtualidades do jogo democrático.
Editorial do Jornal "Expresso das Ilhas" de 2 de Fevereiro de 2011