quinta-feira, maio 26, 2011

Quem tem razão?''

As sondagens da Afrosondagem a colocar no mesmo nível de intenção de voto os dois candidatos provenientes do PAICV indiciam uma divisão clara do eleitorado do Paicv. O facto do candidato escolhido estar em pé de igualdade com o candidato rejeitado abre um caminho para se determinar a posteriori quem realmente tinha razão: se era a maioria do Conselho Nacional do Paicv e o seu presidente Dr. José Maria Neves ou os são apoiantes do Dr. Aristides Lima.

A muito provável 1ª volta das eleições presidenciais já se configura como arena para se saber quem aos olhos do “povo” do paicv e do seu eleitorado goza de mais apoio. Os resultados das eleições vão ter consequências mais profundas do que as previsíveis á partida. Quem ganhar, além de provar-se certo nas suas opções vai arcar com a tarefa de reunir os militantes e simpatizantes para se fazer eleger na segunda volta. E isso todo esse recrudescer de actividade politica não deixará de se repercutir não só nas próximas eleições autárquicas como também na eleição da nova liderança no próximo congresso em 2013.

A vitória do candidato do presidente do partido reforçará o peso político do Primeiro Ministro e a sua capacidade em decidir candidaturas para as eleições autárquicas. Uma derrota não teria provavelmente consequências somente na governação. O anúncio de fim de carreira como PM pelo próprio, por muitos considerado prematuro, introduziu um factor “complicante”. Líderes que se põem a prazo ficam sujeitos a quebras catastróficas de confiança que podem deixá-los sem qualquer espaço para continuar.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 25 de Maio de 2011

quarta-feira, maio 25, 2011

Cai o Pano

A renúncia de mandato da Dra. Isaura Gomes, Presidente da Câmara de S. Vicente, acabou por acontecer. Um desfecho de há muito esperado por adversários políticos. Repetidas suspeições, frequentes revelações bombásticas na imprensa e entrega a conta a gota de alegadas provas de corrupção acabaram por ter o seu efeito. Precipitaram um final após quebras prolongadas de saúde e ausências na liderança da câmara municipal.

As acções de desgaste tinham visivelmente mais natureza pessoal do que político. Para isso contribuiu a justiça sempre morosa em reunir os factos e em seguir o processo legal para encontrar culpados e ilibar inocentes. E em de vez de justiça assistiu-se a julgamentos na praça pública na sequência de operações policiais como o do cerco à câmara de S.Vicente e as muito publicitadas chamadas à PJ e ao Ministério Público para interrogatórios.

Na democracia espera-se que do confronto político e no jogo do contraditório alguns percam a confiança dos eleitores e espaço de manobra enquanto outros ganham capital político. A esfera pessoal dos que são chamados a servir nos cargos políticos não devia ser o alvo principal das investidas de adversários. Infelizmente, demasiadas vezes o é.

Para muitas mulheres essa é uma das razões para uma não participação política mais activa e mais competitiva. Mas o exemplo da dra. Isaura Gomes deve-se ver pela positiva. Sempre ousou. Por isso, o seu espírito combativo perdura na mente das pessoas e é um estímulo às jovens e menos jovens que procuram realizar-se em todas as esferas da vida pública e profissional.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 25 de Maio de 2011

quarta-feira, maio 18, 2011

Eleições presidenciais em tempo d´azágua

O presidente da república marcou as eleições presidenciais para o 7 de Agosto. A renovação do mandato dos titulares dos órgãos de soberania para actual quinquénio, iniciada com as eleições legislativas de 6 de Fevereiro ficará completa. O intervalo de 180 dias entre as duas eleições resulta da revisão constitucional de 2010. Com a separação entre as legislativas e as presidenciais pretendeu-se evitar o contágio entre uma eleição partidária e outra suprapartidária.

A entrada em vigor do novo texto constitucional em Maio de 2010 veio alterar o que até ao momento eram as expectativas quanto às datas para os certames eleitorais. Desde de 1991 que as eleições legislativas e presidenciais com a mesma periodicidade de cinco anos se verificam geralmente em Janeiro e Fevereiro respectivamente. A alteração das regras eleitorais por via da revisão constitucional, a menos dos dez meses previstos na Constituição de garantia de estabilidade da lei eleitoral, não foi completamente passiva. Para muitos a norma que separa temporalmente as duas eleições só deveria ser considerada nas eleições seguintes.

Entendeu-se diferente e a consequência imediata foi o prolongamento do mandato do presidente cessante. Prorrogação de mandatos de cargos políticos não é matéria tomada com ligeireza A legitimidade do exercício do poder em democracia implica a realização de eleições livres e plurais para cargos políticos cujos mandatos devem ser por “períodos certos, antecipadamente conhecidos”. Tentativas indevidas de prolongamentos de mandatos são condenadas, como alias já aconteceu em alguns países africanos e sul-americanos. Daí um certo desconforto em relação ao actual prolongamento. Não estava inicialmente previsto e parece demasiado longo. É o dobro do tempo que em regra a Constituição estipula para a realização de eleições em caso de vacatura e dissolução de órgãos políticos.

Os partidos políticos chamados pelo presidente da república para consulta manifestaram a preocupação com os constrangimentos que muitos eleitores no país e na diáspora poderão ter no seu exercício do direito do voto nos meses de Agosto e Setembro. Para os partidos o mês ideal seria Outubro. Findo o período de férias, potencialmente mais votantes iriam às urnas. Adiar para Outubro, porém, traria um custo suplementar em um prolongamento maior do mandato do presidente da república que poderia ir a quase oito meses.

Nas condições excepcionais para a realização das eleições criadas pela revisão de 2010 uma ponderação adequada teria que ser feita. Havia que conciliar a preocupação em criar todas condições para o exercício do direito voto com o princípio de mandato de tempo fixo. O presidente da república já no fim de dois termos e, provavelmente no fim de uma carreira política de várias décadas, não estará interessado em criar controvérsias de legitimidade com alongamento do mandato para além do prazo estabelecido.

A escolha que fez, 7 de de Agosto, parece ser a mais indicada para salvaguardar os direitos e princípios muitas vezes concorrentes que enformam a constituição da república. Em sede de revisão constitucional não se devia ter ignorado que ao estabelecer o período de separação de 180 dias as eleições presidenciais iriam necessariamente acontecer nos meses das águas, das férias e dos festivais de praia.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 18 de Maio de 2011

quarta-feira, maio 11, 2011

Hipocrisia na política

A interferência dos partidos nas eleições presidenciais suprapartidárias torna-se cada vez maior. A alteração constitucional que separou em seis meses as eleições legislativas e presidencias não teve o efeito esperado de evitar o contágio que a proximidade dos dois momentos eleitorais propiciava. Pelo contrário o intervalo criado, talvez por ser longo, tem servido por um novo protagonismo partidário: Acossar outros candidatos que não receberam o beneplácito do respectivo partido.

No MpD a pressa levou à impugnação e à posição dúbia do Conselho de Jurisdição. No Paicv os ataques ao candidato Aristides Lima ganham um outro vigor. Para atingir o candidato chegou-se ao ponto de abrir a discussão sobre nº2 do artigo 383 do código eleitoral.

Enquanto o alvo era o Carlos Veiga negou-se que essa norma ditava a suspensão automática de funções para os titulares de órgãos de soberana que anunciam publicamente a sua candidatura presidencial. Então dizia-se que o momento para a suspensão era o da apresentação formal da candidatura ao STJ, após a marcação das eleições pelo Presidente da República. Agora, mudam-se os argumentos. Fustiga-se Aristides Lopes por não fazer o que antes se condenara Carlos Veiga por ter feito. Conveniência reina, e a hipocrisia não menos.

Curioso neste reabrir da discussão é a disponibilidades de vários juristas em nela participar. Ao longo de anos e até há poucos dias atrás perseguiu-se o Dr. Carlos Veiga com acusações de abandono do Governo. Foi matéria forte dos debates de campanha eleitoral apesar desde de 2000 existir jurisprudência constitucional a clarificar a questão. Nunca se ouviram outras vozes autorizadas a pronunciarem ou para se mudar a lei ou a para a confirmar, pondo fim ao seu uso como arma de arremesso político.

O rompimento do silêncio porque se mostrou conveniente atacar Aristides Lima deixa perceber aspectos preocupantes. Primeiro: persiste a cultura política de que a lei pode ser instrumentalizada. E segundo, que o debate não é livre e cumplicidades se constroem, com a ajuda da comunicação social, para omitir ou favorecer certas matérias seguindo certas agendas políticas. Em consequência, há tensão permanente entre o princípio do primado da lei e os resquícios de cultura revolucionária existentes. Outrossim nota-se que ainda é forte a tentação de se manipular memórias, de se rescrever permanentemente a história e de se retirar objectividade aos factos e trata-los como partes de uma narrativa construída segundo as conveniências do momento.

Vários estudiosos chamam a atenção pela tensão permanente que existe entre os valores da república e os valores da democracia. Se a vontade da maioria for deixada livre para se exprimir sem se sentir obrigada pelas leis e contornando as instituições pode constituir-se em ameaça grave para os indivíduos e para as próprias instituições. As eleições presidenciais em cabo Verde estão a ser desvirtuadas precisamente porque maiorias dentro dos partidos não olham a meios no seu esforço de partidarizar um cargo cuja natureza suprapartidária é fundamental para os “checks and balances” das instituições da república.

Os ataques de hoje acontecem porque ontem muitos se calaram quando manifestações sem controlo de maiorias atropelaram direitos e instituições. Estar presente como protagonistas principais nos primórdios da construção da república e das instituições democrática é um privilégio histórico que traz com ele uma grande responsabilidade. O legado que se deixa às gerações seguintes depende muito da atitude, convicções e postura adoptado em todos os momentos. Deixar-se guiar pela conveniência e sacrificar valores não é certamente o caminho a seguir. O que se semeia hoje, colhe-se amanhã.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 11 de Maio de 2011

quarta-feira, maio 04, 2011

Para que o emprego deixe de ser uma miragem

Os últimos dados do INE retirados do Censo de 2010 põem o desemprego em Cabo Verde em 10,9%. O Governo regozija-se com a notícia. Afinal quase atingiu a meta prometida de um dígito no desemprego. Mas o cepticismo é geral. Trabalhadores, sindicatos e partidos de oposição dizem que os dados não coadunam com a realidade social vivida nas ilhas. De facto ninguém compreende como é que com o fraco crescimento dos últimos anos o desemprego caiu para esse nível histórico.

Cabo Verde sempre viveu com desemprego estrutural a taxas por todos aceites como sendo superiores 20%. Daí a pobreza das populações no meio rural e nas cinturas periféricas urbanas e a vontade de emigrar que leva para o estrangeiro muito da energia e capacidade dos mais jovens. A opção feita no Cabo Verde independente por uma economia de reciclagem da ajuda externa não permitiu a criação de um número suficiente de empregos capaz inverter a situação.

Exportar bens e serviços, a estratégia adoptada por outras pequenas economias, por exemplo as Maurícias, para a criação rápida de milhares de postos de trabalho nunca mereceu a devida atenção dos governantes. Quando se fez algo nesse sentido o desemprego caiu para valores mais baixos de sempre, 17% no ano 2000. Também a dinâmica de criação de postos de trabalho no turismo e da imobiliária turística, em consequência do influxo de capitais nos dois anos antes da Crise de 2008, serviu para demonstrar que a resposta para situação do desemprego no país são investimentos que o coloquem na posição de ser competitivo no fornecimento de bens e serviços a mercados globais.

A problemática do emprego ganha hoje nuances ainda mais complicadas. Por um lado, o fim do Sistema Geral de Preferências em 2005 e a ascensão da China como centro mundial de manufactura reduziram as oportunidades oferecidas anteriormente pelas indústrias de mão-de-obra intensiva deslocalizadas. Por outro, a generalização do ensino secundário e universitário trouxe o problema de emprego compatível com a formação adquirida e as expectativas criadas. Os jovens em particular ficam numa espécie de limbo. Não encontram o trabalho desejado e recusam o que existe.

O Governo no seu Programa propõe-se reunir o Estado, os sindicatos e o patronato num Pacto para o Emprego. Vem tarde. A convergência de vontades já devia existir há muito como aliás foi sugerida pela Oposição quando ainda eram reais as oportunidades oferecidas pelas indústrias voltadas para a exportação. Em 2013 Cabo Verde terá que assumir em pleno o estatuto de País de Rendimento Médio com perda de vantagens nos financiamentos concessionais e no acesso a mercados preferenciais. E não está preparado. Na vigência dessas vantagens não fez o suficiente para ultrapassar os obstáculos a um crescimento criador de emprego.

No sector de serviços poderá residir um grande potencial de criação de emprego. Irá depender muito da capacidade de se criar no país uma cultura de serviço com as competências certas para o mundo de hoje. O domínio de línguas é essencial. Uma aposta que certamente tem futuro é no sector de cuidados de saúde. Há uma procura global nessa área e localmente muito do turismo e da imobiliária ganharia com a existência de gente devidamente formada e certificada.

Para o sucesso em fazer crescer o país com emprego de qualidade há que se adoptar uma nova atitude. Das autoridades em especial espera-se que se inverta a política de aumentar a dependência em relação ao Estado e haja mais reconhecimento do mérito e mais compensação pelo esforço e iniciativa das pessoas.

Editorial do Jornal Expresso das ilhas de 4 de Maio de 2011

quinta-feira, abril 28, 2011

Democracia não rima com cheque em branco



A aprovação da moção de confiança na sequência da apresen­tação do programa do Governo inaugura formalmente o terceiro mandato do Paicv na condução dos destinos de Cabo Verde. O governo, há um mês empossado, deixa a sua condição de governo de gestão e inicia com plenos poderes a implementação das suas políticas com vista à realização dos objectivos e metas que propôs ao país.

A Constituição exige que no Programa do Governo fiquem claras as principais orientações políticas a seguir, as medidas a adoptar e as tarefas a realizar. Através do seu Programa, o governo explicita os termos do contrato de legislatura que, com a legitimida­de adquirida nas urnas, tem o direito de propor à Nação. No debate que se segue à apresentação do documento deve ter a oportunidade de, sem pressão de carácter eleitoralista, mostrar qual é a situação real do país, de estabelecer os parâmetros da sua governação e de explicar como irá atingir os objectivos.

Os partidos da Oposição representados no parlamento têm um papel fundamental neste momento inicial do mandato do Gover­no. A eles fica reservado o papel de esmiuçarem o Programa com questionamentos que iluminem para toda a Nação: as vias, os meios e os fins propostos. Com isso fixam-se os elementos que ao longo da legislatura permitirá a todos os cidadãos e à Oposição fazer o seguimento da governação e exigir responsabilidades pela forma e ritmo da execução das políticas e pelos resultados obtidos.

O debate do Programa do Governo que hoje terminou na Assembleia Nacional ficou aquém do que se desejava para total esclarecimento da Nação quanto às pretensões do Governo. Con­tribuiu fortemente para isso o facto de o documento ter ficado por fórmulas genéricas em vez de mostrar as medidas e tarefas para cada área governamental. A possibilidade de um debate profícuo que preenchesse as lacunas do programa ficou comprometida com a postura do governo em negar respostas directas aos pedidos de esclarecimento da Oposição e em socorrer-se de tácticas como “relembrar os anos 90”.

Também os desafios dirigidos à Oposição para apresentar pro­postas alternativas só serviram para desvirtuar o debate e desviá-lo dos seus propósitos. De facto, o Programa só pode ser apresentado pelo Governo e como não é sujeito à votação não pode ser alterado. A moção de confiança apresentada é que é votada e o seu propósito é firmar a solidariedade do Governo com a maioria parlamentar.

Do que todo o país pôde presenciar na Assembleia Nacional nos últimos três dias, pode-se chegar à conclusão que os anos da crispação política na democracia caboverdiana ainda não chegaram ao fim. Uma terceira vitória do Paicv nas eleições parece não lhe ter trazido tranquilidade suficiente para encarar a Oposição, enquanto entidade distinta, alternativa e adversária, como algo indispensável ao funcionamento da democracia. Quanto ao MpD, não é claro que já conseguiu retirar todas as lições das derrotas sofridas. O resultado é o enlace fatal em que ficam os dois grandes partidos caboverdianos com prejuízos óbvios para consolidação da demo­cracia e para a construção do futuro do país.

Mobilizar uma forte pressão cívica e institucional para que se cumpram as regras do jogo democrático poderá ser um factor de diminuição da tensão política. Para isso será fundamental a contribuição dos cidadãos individualmente, da sociedade civil e da comunicação social. Também essencial será o papel do Presidente da República e de instituições como o Provedor de Justiça, o Procurador-geral da República e os tribunais a começar pelo Tribunal Constitucional. No início desta terceira década de democracia é fundamental que todos os elementos do sistema desempenhem em pleno o seu papel para que as virtualidades do sistema democrático se manifestem e contribuam para a liberdade e a prosperidade de todos.

Editorial do jornal “Expresso das Ilhas” de 27 de Abril de 2011

terça-feira, abril 19, 2011

Chegou a hora de pagar

Por todo o mundo a ilusão que se podia viver indefinidamente acima dos recursos caiu por terra com o início da Grande Recessão em Setembro de 2008. Os tempos das vacas gordas anteriores à crise tinham convencido muitos de que riscos associados a transacções financeiras podiam ser diluídos de tal forma que para todos os efeitos deixavam de existir. E que reformas necessárias para adaptar aos novos tempos e manter competitividade no mundo cada vez mais global de hoje podiam ser sistematicamente adiadas.

Cabo Verde deixou-se também embalar na ilusão particularmente quando nos últimos três anos antes da crise beneficiou do influxo de capitais estrangeiros. Acreditou que as coisas só iriam melhorar a partir daí e adiou o aproveitamento cabal das oportunidades oferecidas. Com o início da crise levou um tempo desmedido para reconhecer a realidade da nova situação global marcada pela contracção do comércio internacional, a redução brusca do investimento directo estrangeiro e a diminuição das remessas dos emigrantes.

Assim foi porque tudo se fez para manter a ilusão de que tudo estava bem pelo menos até às eleições legislativas e a renovação do mandato do partido no governo. Repetiu-se vezes sem conta que o país estava blindado contra a crise, endividou-se externamente o país para manter uma aparência de dinâmica e acusou-se a oposição de ser profeta da desgraça. Entretanto reformas ficavam por fazer, não se incentiva a nação a adoptar uma outra atitude perante os novos tempos, os défices orçamental e de contas correntes agravavam-se e a dívida pública aproximava-se perigosamente dos limites da insustentabilidade.

Antes da crise já havia sinais claros de que os preços dos cereais, do petróleo e de matérias-primas em geral estavam num processo de subida em consequência da forte procura de economias dinâmicas de países como Brasil, Rússia, Índia e China, os BRICs. A crise provocou a queda dos preços mas sabia-se que a retoma da subida verificar-se-ia assim que a economia mundial iniciasse a recuperação. Para um país como Cabo Verde era fundamental que particularmente na área de energia e água o país se preparasse para a alta dos preços de combustíveis que com certeza viria.

Mas a gestão da Electra continuou altamente politizada. Também não se fez uma ofensiva séria para envolver a sociedade na luta pela eficiência energética. E os investimentos nas energias renováveis, na ausência de uma estratégia própria, ficaram ao sabor das imposições de quem estendia as linhas de crédito. O resultado é que quando chegou o aumento dos preços dos combustíveis não havia como segurar as tarifas de água e energia. O Estado a braços com um défice orçamental de dois dígitos não tem condições de continuar a subsidiar.

As novas tarifas de água e energia certamente vão afectar a generalidade dos preços. O impacto no custo de vida das populações particularmente dos mais pobres e vulneráveis será significativo. E isso numa conjuntura actual de desemprego e pouca dinâmica económica que o Governo não está em condições de vir em socorro e a ajuda externa é cada vez menor. Tempos difíceis vêem ai, consequência de não se enfrentar os desafios no tempo próprio.

Editorial do Jornal Expresso das ilhas de 13 de Abril de 2011

segunda-feira, abril 18, 2011

Queda mágica do desemprego



O Primeiro Ministro em declarações aos jornalistas sobre o desemprego no dia 5 de Abril disse: “Vejam que os dados do Censo 2010 apontam para uma taxa de desemprego de 10,7 por cento. Quando, em todo o mundo, o desemprego está a aumentar (20 por cento em Espanha, 12 por cento em Portugal) Cabo Verde tem hoje uma taxa de desemprego de 10,7 por cento. É um ganho extraordinário”. Mais do que extraordinário parece ser um acto de magia extrair da cartola desemprego a cair para um dígito em cima de uma conjuntura internacional de crise e conjuntura nacional de mais de dois anos de crescimento anémico. Não validam também tal cenário de diminuição de desemprego os dados do INE publicados ontem, dia 11 de Abril. Os indicadores de conjuntura de sectores potencialmente criadores de postos de trabalho designadamente da indústria transformadora, turismo e construção civil, apontam para estagnação ou que­da, como se pode ver dos gráficos. Uma constatação em sintonia perfeita com o sentimento da população que as coisas não estão bem e que a vida está difícil. O estranho em todo isto é o Sr. Primeiro Ministro, mesmo depois de ter ganho as eleições, persistir em manter o país na ilusão de que se pode baixar o desempre­go sem crescimento acima do potencial e sem aumento expressivo da exportação de bens e serviços. Portugal devia servir-nos de exemplo do que acontece quando o ilusionismo dos governos impede que se tomem as medidas necessárias em tempo próprio. Aliás, o aumento do custo de vida em resultado da subida geral dos preços é já uma primeira mostra do que vai acontecer. Como nos outros países, serão os mais pobres e vulneráveis que irão pagar pelos défices orçamentais exa­gerados, pelo desequilíbrio persistente das contas correntes e pela incapacidade dos governos em fazer as reformas ne­cessárias no momento certo.

domingo, abril 17, 2011

Partidocracia?

Está a causar efeitos perversos nos partidos políticos o facto novo dos candi­datos ao cargo de presidente da república não condicionarem a continuidade da candidatura ao apoio explícito do parti­do. Nas declarações de vários dirigentes e nos comentários histriónicos online vê-se qual foi o impacto da decisão do Dr. Aristides Lima em manter-se na cor­rida presidencial no PAICV. A máquina partidária, seguindo as instruções da li­derança, está a mover-se agressivamente para disciplinar o voto dos militantes, condicionando fortemente as escolhas dos cidadãos numa matéria que ultrapassa os partidos. Eleições presidenciais são suprapartidárias e os candidatos não têm programas de governação. Por isso, para um militante, simpatizante ou eleitor de um partido, a partir do momento em que um candidato se situa num quadrante político de seu agrado, o que realmente passa a contar são os aspectos do currí­culo, do carácter e do temperamento da pessoa. Naturalmente que os partidos enquanto organizações têm o direito de dar aval a este ou aquele candidato. Mas é de se lembrar que a decisão do aval é fundamentalmente da direcção conjuntural do partido. Não resulta de um escrutínio interno próprio através de “primárias” em que cada membro do partido se expressaria através do seu voto. E assim é porque, apesar da importância do cargo de presidente da república, a eleição de um ou outro candidato não é vital para a actuação do partido, esteja o partido no governo ou na oposição. Só nos sistemas presidenciais ou semi-pre­sidências do tipo francês é que o cargo é partidário e aí, de facto, os procedimentos são outros e a atitude esperada dos mi­litantes alinha-se pela do partido. Não sendo o caso, mostra-se abusivo tratar os candidatos sem o aval do partido e os seus apoiantes como dissidentes merecedores de oposição sistemática, se não mesmo, de ostracismo. Partidocracia não é o que se quer. A natureza suprapartidária do cargo do PR deve ser perservada. Do presidente da república não se espera que seja conivente com o governo ou que faça ou lidere a Oposição. Para evitar cair-se na tentação de desvirtuar as competên­cias do cargo num sentido ou noutro, os partidos devem ser contidos no apoio a dar aos candidatos e absterem-se de mo­nopolizar o discurso político e polarizar segundo linhas partidárias as eleições presidenciais.

sábado, abril 16, 2011

Tempo para corrigir anomalias

Notícias postas em circulação dão conta que o Conselho de Administração da Assembleia Nacional já decidiu trilhar o caminho da austeridade. Do Governo deve ter recebido dados e indicações do orçamento do “aperto do cinto” em preparação e, sem delongas, adiou um conjunto de investimentos para o ano 2012. A preocupação com os custos não impede porém que se insista em ter um terceiro Secretário e que a Mesa goze de regalias não instituídas em sede do estatuto remuneratório de titulares de cargos políticos. O parlamento tem dois grupos parlamentares, cada um com o seu vice-presidente e seu secretário. Como a Constituição só prevê dois vice-presidentes, em existindo um terceiro ou quarto grupo parlamentar a presença deles na Mesa seria assegurada pelo 3º e 4º secretários. As regras de proporcionalidade não garantem um 3º ao Paicv e só a prepotência da maioria é que o justifica. Os custos inerentes em carro, motorista, secretária, gabinete e subsídios ultrapassam os dois mil contos anuais. E assim é porque a A N resolveu interpretar uma lei de 1986 referente aos estatutos da então Assembleia Nacional Popular que equiparava regalias de membro de Governo às dos membros da Mesa. O resultado foram custos excessivos em vários milhares de contos que colocam a remuneração dos membros da mesa muito acima dos restantes deputados. Em 2008 chegou-se ao desplante de se aumentar os subsídios de renda de casa em conformidade com um decreto-lei do governo que os estipulava para os membros do governo. Uma medida aliás de duvidosa constitucionalidade porque nela o governo altera o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, matéria de competência absolutamente reservada da A N. Entretanto recusa-se a pagar aos deputados residentes fora da Praia despesas de transporte e correspondentes ajudas de custo para ter presença efectiva no Plenário e nas reuniões das comissões especializadas. Continua-se indevidamente com a pressão para os deputados passarem a residir na Capital, sacrificando no processo a diversidade de experiência e de vivências que os deputados vindos das ilhas e do interior de Santiago trariam ao parlamento na ponderação de todos os aspectos da vida da nação. Sem falar nos custos vários impostos aos deputados e seus familiares directos. Para a redução das despesas certamente que, em querendo, muitas outras formas poderão ser encontradas. Mas não é sacrificando a razão de existência do parlamento que é o trabalho do deputado feito em condições de liberdade e total disponibilidade que se consegue isso. Muito pelo contrário. A instituição tende nas circunstâncias a murchar e a tornar-se uma simples câmara de eco do governo: muda, cega e surda e só livre para bater palmas a quem tem o Poder.

sexta-feira, abril 15, 2011

Má governação



Na sexta-feira o sr. Primeiro Ministro presidiu a uma cerimónia de entrega de botes a cinco pescadores da zona do Brasil na Achada de Santo António. Um milhão e setecentos mil escudos do dinheiro do Estado foram aplicados na compra dos botes e de material de pesca. A doação do Estado foi feita à associação dos pescadores do Brasil na pessoa do seu presidente, que por sinal é deputado do PAICV à Assembleia Nacional. Ele, em declarações à RTC não teve rebuços em dizer que os pescadores contemplados foram escolhidos a dedo. Talvez por isso que, nas imagens da cerimónia, via-se que todos os botes ostentavam a sua estrela negra a confirmar a militância de quem recebia dádiva do Estado. E certamente que todo o aparato ali montado visava passar uma lição a todos: os que alinham com o PAICV serão escolhidos a dedo para receber benesses do Estado. Os outros ficam na situação de cidadãos de segunda classe até se converterem. A presença do PM em cerimónia dessas sanciona tais práticas despudoradas de subordinação das populações mais pobres a interesses partidários. A cobertura pelos meios de comunicação estatais ao torná-la acontecimento nacional assegura que a lição é assimilada e transportada a todos os pontos do país.

quarta-feira, abril 13, 2011

Partidarização das presidencias

O cargo de presidente da república na constituição de Cabo Verde é supra partidário. Eleito por sufrágio directo e universal o presidente da república é a par com a Assembleia Nacional os dois órgãos de soberania que gozam de legitimidade directa do povo. Mas o presidente não governa. A governação é sempre partidária e emana directamente do parlamento que o fiscaliza e controla e perante o qual é politicamente responsável. Ao PR é reservado o papel de árbitro e moderador do sistema político e o cumprimento desse papel juntamente com o de defensor da ordem constitucional exige um postura não condicionada pelas as acções, posicionamentos e opções políticas do governo. O PR não deve ser um apêndice do Governo nem também deve constituir-se em oposição. A partidarização do cargo traz consigo a tentação do PR se colocar num ou noutra posição. Se provém do mesmo quadrante político tende a acomodar-se ou a alinhar com as medidas do governo. Vindo de quadrante diferente a pressão para intervir é maior particularmente se o governo depara-se com problemas políticos graves designadamente de perda de maioria parlamentar. Na última revisão constitucional houve a preocupação de separar por período de seis meses as eleições presidenciais e legislativas, precisamente para evitar o efeito de contágio das eleições partidárias sobre as não partidárias. A opção dos agora chamados pré-candidatos em esperar pelo apoio explícito do partido para avançarem, ou seja deixarem-se seleccionar pelo partido, curto-circuitou completamente as alterações feitas na Constituição em 2010. Mais do que nunca as eleições presidenciais vão ser partidarizadas. Do lado do PAICV o objectivo de se instituir um triunvirato que concretize a “colaboração governo, parlamento e presidência” proposta no programa do Governo é por demais evidente. A pressa desconcertante do MpD em escolher um candidato sugere dinâmicas internas que certamente esperam sair beneficiadas em caso de vitória. O engajamento dos partidos nas eleições geralmente conduz a cumplicidades com o PR eleito que num momento ou outro afectam a sua relação com o Governo. A ampla maioria ganha pelo presidente Mascarenhas Monteiro e o facto de não ter surgido das fileiras do MpD deu-lhe mais espaço de manobra para ser árbitro e moderador. Mesmo assim não ficou imune às tensões internas do MpD particularmente nos momentos de enfraquecimento da maioria parlamentar. O Presidente Pedro Pires iniciou a sua magistratura com legitimidade enfraquecida pelos 12 votos de vantagem que posteriormente vieram a ser considerados como fraudulentos pelos tribunais. Só no segundo mandato é que veio a exercer o poder do veto e a solicitar fiscalização preventiva da constitucionalidade de diplomas do governo. No início da terceira década da democracia caboverdiana ainda está-se por dar conteúdo constitucional completo ao cargo de Presidente da República. O peso dos partidos em determinar os protagonistas e em definir o quadro de campanha não deixa muito espaço para se afirmar uma candidatura que realmente realize na totalidade a figura constitucional de presidente da república. Mas a procissão ainda está no adro. A ver vamos.

terça-feira, abril 12, 2011

Ponto de partida

Flashes do Programa do Governo

Desfocagem

“Dados do INE relativos a 2008 indicam que a taxa de desemprego entre a camada com educação liceal e universitária é superior à média nacional”.

Quem semeia ventos…

“Os Cabo-verdianos esperam mais do governo agora”. “(…)Isto tornase num desafio num ambiente de recursos limitados do governo e da iminente possibilidade de redução das ajudas públicas ao desenvolvimento”

Surpresa?

“Ao invés do esperado crescimento acima dos 10 por cento, devido ao orçamento de investimento, o desempenho do crescimento projectado para 2009 e 2010 foram de aproximadamente 4 e 5.5 por cento, respectivamente”.

Economia de renda

“Juntos as remessas e ajuda ao desenvolvimento representam mais do que um terço do PIB e uma parte significativa dos esforços de desenvolvimento”

Cair no real!

“O facto é que sem se construir uma economia dinâmica e inovadora nada mais pode ser conseguido realisticamente”.

Confissão I

“A redução da dependência na ajuda e os fluxos externos em general apenas será possível se pudermos expandir a base produtiva da nossa economia, aumentar a produtividade e melhorar a competitividade”.

Confissão II

“O crescimento económico criou empregos mas não em número suficiente. Na verdade, um dos desafios chave que a economia enfrenta é a capacidade de criação de empregos com salários de níveis médio a alto”

Confissão III

“Mas não poderemos fazer isso com um sistema de ensino de segunda categoria. Não poderemos ter sucesso com um sistema educativo ou uma sociedade que promove a mediocridade”.

Improvisos

“O único recurso que possuímos, e possuímos em abundância é o mar. “(…) Pretendemos igualmente construir uma economia do conhecimento em torno do cluster do mar”.

segunda-feira, abril 11, 2011

Poder e Responsabilidade

Foi entregue, ontem, dia 5 de Abril, na Assembleia Nacional o Programa do Governo para a Legislatura. Os deputados têm 15 dias para o discutir e aprovar com maioria absoluta a moção de confiança que irá permitir ao Governo começar de facto a governar. O voto da maioria dos deputados sela o compromisso que o Governo escolheu assinar com a Nação quanto aos objectivos e metas a atingir até o fim da legislatura.

No programa do Governo consta a avaliação que faz da situação do país e do meio envolvente internacional, há a identificação dos principais constrangimentos e a definição do que o governo se propõe atingir. Define-se a estratégia a seguir e descrevem-se as principais medidas de política que irão assegurar que o prometido será cumprido. A matriz do programa do governo, como bem o diz o Sr. Primeiro Ministro, é a plataforma eleitoral do PAICV sufragada nas urnas.

A clarificação de onde vem o programa, quem o apresenta e quem o vota favoravelmente é fundamental para se saber a quem exigir responsabilidade por eventuais falhas ou incumprimentos. Na legislatura passada a promessa dos dois dígitos no crescimento do PIB e de desemprego abaixo de dois dígitos não foi cumprida e quem de direito não quis responsabilizar-se por isso. Na semana passada, foi notícia, quando finalmente o governo de Cabo Verde aceitou que tinha falhado.

A ética de responsabilidade não deixa que se fique pelas intenções. São os resultados que realmente contam. O exercício do Poder em democracia pressupõe prestação de contas aos governados e assunção de responsabilidades. O programa do Governo tem que ter elementos que permitem que a implementação do mesmo seja avaliado em termos qualitativos e quantitativos. Não cola a declaração do Primeiro Ministro ao programa que "não vale a pena fixar números". O programa do Governo não é um cheque em branco. Tem que ser um instrumento útil de fiscalização e de responsabilização da acção do governo ao longo de toda a legislatura.

O programa do governo não pode ser de co-responsabilidade do governo e da sociedade civil como se pretende sugerir. É o instrumento de responsabilização de um governo em particular. O exercício mediático de convidar contribuições avulsas de cidadãos não retira ao governo a responsabilidade única pelo programa apresentado nem faz dos participantes co-responsáveis pela sua execução, não execução ou execução defeituosa.

A apologia de consensos não deve ser pretexto para se diluir responsabilidades. Consensos sob a batuta de uma matriz programática única brigam com o pluralismo, esvaziam dinâmicas criativas e inovadoras e adiam o surgimento de alternativas de pensamento e acção.

A democracia parece cara e ineficiente porque discute-se, confronta-se e exploram-se alternativas diversas. A História, porém, prova que dispendiosos são, de facto, os regimes únicos, os consensos impostos e as utopias sedutoras. Uma lição que a vaga de democracia no mundo árabe nos relembra neste preciso momento. Hoje, como todos, eles querem também escolher os seus governantes e exigir responsabilidades pelos resultados da governação.

Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 6 de Abril de 2011