Tráfico de armas parece que já é uma realidade em Cabo Verde. Informações vindas a público nas últimas semanas deram conta da existência de um comércio activo de compra e venda de armas de guerra envolvendo nacionais e estrangeiros. Duas constatações feitas nas operações de recuperação das armas emprestaram especial gravidade à questão: Ficou-se a saber que parte das armas no tráfico resultam de roubos feitos nos paióis da Forças Armadas. E que o Governo estava praticamente às escuras quanto à dimensão do problema.
Segundo a Inforpress as Forças Armadas conseguiram recuperar “70 pistolas makarov de calibre 9 mm, 17 metralhadoras AKM de calibre 7,62 mm, mais de duas mil munições reais, munições de pistolas Makarov, carregadores de AKM e cordão detonador utilizado para accionar explosivos”. Fontes militares confirmaram que “ainda falta muito material por recuperar”. Nas operações foram apreendidas armas diversas entre as quais 15 espingardas automáticas AKM que não constavam do arsenal das FA.
De todo este imbróglio várias questões se colocam. Uma é se o governo garante que as forças armadas têm os recursos materiais, humanos e institucionais para não só cumprir a sua missão de defesa nacional como também para impedir que as suas armas munições e explosivos caem nas mãos erradas alimentando o tráfico e fazendo escalar o nível de violência no país. Outra questão é em que medida a insistência em manter demasiado porosa a fronteira nacional tem inexoravelmente trazido para as ilhas os problemas graves de tráfico de droga, de armas e de pessoas que assolam os países da costa africana, a mais de 500km distante. Uma outra questão ainda é se os meios utilizados na investigação dos desvios de armas, no combate ao tráfico e na recuperação das armas trazem mais segurança para o país e para os cidadãos.
Notícias vindas a público revelam que as operações de recuperação das armas foram realizadas pelas forças armadas. Autoridades militares convidadas a fazer declarações para imprensa declinaram dizendo que as operações eram “secretas”. Informações citadas por órgãos de comunicação social dão conta que as FA teriam cercado bairros e feito buscas
domiciliárias. Em todos os relatos sobre a matéria não houve referência à presença da polícia nacional e nem se falou da polícia judiciária envolvida na investigação dos crimes. Da procuradoria-geral da república também não se ouviu nada, mesmo quando surgiram indícios que medidas coerção (sevícias e torturas) estariam a ser utilizadas nas investigações. Tudo isso é muito estranho e foge ao que se espera do normal funcionamento da república
O Governo tende a contornar a responsabilidade central do Estado em matéria de segurança sempre que é confrontado com as exigências dos cidadãos perante a violência urbana e outros crimes. Insiste na ideia “segurança partilhada”. E isso tem tido consequências. Diminui o nível de alerta das instituições de segurança perante as ameaças emergentes. Expõe as forças policiais a perigos inesperados como o de confrontar-se com elementos criminais munidos de armas de guerra. Sobrecarrega o tesouro público com pedidos de mais meios de armamento ou de unidades policiais especiais para fazer face a situações que só se tornaram graves porque não identificadas a tempo e inteligentemente confrontadas. E acaba por provocar a erosão dos direitos fundamentais dos cidadãos porque com a escalada de violência aumentam as possibilidades de abuso policial como aliás tem sido denunciado por entidades nacionais e internacionais.
Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 22 de Junho de 2011