Editorial Nº 559 • 14 de Agosto de 2012
ditorial
Política com duas faces:
a marca da intolerância
Na semana passada fez-se a tomada
de posse dos órgãos municipais saídos das últimas eleições autárquicas. A nota
predominante nos discursos dos membros do governo presentes nas cerimónias foi
a de apaziguamento, de escancarar portas e de evitar bloqueios nas relações
entre o município e o Estado. Aparentemente com essa proposta de trégua terminam
as tensões extremas no relacionamento e prometem-se anos de trabalho
convergente para resolver os problemas das populações.
Um problema recorrente com essas
manifestações ostensivas de boa vontade é que são “sol de pouca dura”.
Parecem parte de um filme já visto e revisto que se inicia com cenas cheias de
sentimentalismos e poesia para logo a seguir descambar em choques, bloqueios e
acusações mútuas. Enquanto o descaso se verifica, não se utilizam recursos
públicos de forma eficiente, não há muita eficácia na acção e oportunidades
diversas perdem-se, com prejuízo geral para as populações.
Acontecimentos recentes mostram
como apelos de “junta mon”sucedem-se a manifestações de intransigência,
arrogância e de desresponsabilização, num ritual algo bizarro. Hoje fala-se de
cooperação, mas ontem assistia-se a ataques violentos aos municípios, ao desvio
das receitas da taxa ecológica e ao uso controverso de altos funcionários da
administração central e dos institutos públicos e de delegados dos serviços
desconcentrados como candidatos autárquicos do partido no governo. A insistência
em funcionar nos extremos - “apelo irrealista à cooperação” seguido de
“guerra sem quartel”- revela na realidade uma cultura política de
intolerância e de denegação do pluralismo.
Como não se tolera realmente o
outro, a tentação sempre que ele se manifesta é de o tornar irrelevante. Ou é
convidado a fazer parte do todo em nome dos interesses da nação ou move-se-lhe
uma guerra total com o objectivo de, se não de o aniquilar, de pelo menos
descredibilizá-lo completamente. A aceitação plena do pluralismo resultaria no
efeito contrário. Ter-se-ia como um dado fundamental do funcionamento do
sistema político a organização e a manifestação de ideias diferentes e
contrárias. A oposição seria respeitada e o governo sentir-se-ia responsável
perante a nação pelas suas opções, prioridades e resultados da governação. O
caminho negocial com base no respeito mútuo pelas posições respectivas
manter-se-ia sempre aberto como forma de engajar a sociedade e o maior número
de pessoas na materialização dos objectivos de desenvolvimento do país.
De facto, não se cria o melhor
ambiente político orquestrando actos provocatórios no Parlamento para melhor
se descredibilizar a instituição e os deputados da Nação. Nem tão pouco se
consolidam as instituições acusando sem fundamento o Presidente da República de
ser chefe da Oposição. Muito menos ainda com ataques ao poder judicial por
decisões tomadas em defesa dos direitos dos cidadãos e na verificação da
legalidade de todos os actos, nomeadamente os actos eleitorais.
O arrastar do processo democrático
cabo-verdiano, não obstante as várias eleições efectuadas, deve-se em boa
medida ao não enraizamento de uma cultura política liberal consentânea com a
Constituição da República adoptada em 1992, há vinte anos atrás. Passa-se
sub-repticiamente a ideia que o pluralismo é desperdício de tempo e meios, que
direitos dos cidadãos protegem os criminosos, que há legitimidade anterior e
superior à legitimidade popular e que a ética de intenções suplanta a ética de
responsabilidade exigida a todos os governantes. A diminuição da tensão
política e o retomar do caminho da consolidação institucional democrática
acontecerá quando não for mais tolerável o cinismo e hipocrisia na luta
política e houver a adesão plena ao pluralismo.
A Direcção