quarta-feira, agosto 08, 2012

O estranho caso da Guiné-Bissau



Nº 558 • 8 de Agosto de 2012
Editorial: O estranho caso da Guiné-Bissau
Na semana passada, reuniu-se na Praia o Comité África da Internacional Socialista. Uma das matérias tratadas foi a situação da Guiné-Bissau. A presença do primeiro-ministro deposto Carlos Gomes Júnior nos trabalhos deixou logo à partida claro qual seria o posicionamento dos socialistas. Exigiu-se a restauração da ordem constitucional e o regresso do ex-PM ao seu posto. Na prática mantém-se o braço de ferro com a CEDEAO que, em Maio último, instalou um governo de transição e definiu um “roadmap” que culminará em eleições livres em Novembro de 2012. Guiné-Bissau continua prisioneira dessas duas posições sofrendo as consequências do corte efectivo da ajuda pública ao desenvolvimento provinda da União Europeia. A ONU preferiu passar à organização regional, a CEDEAO, à resolução do problema criado pelo golpe de estado. A CPLP e, em particular, Angola, Portugal e Cabo Verde não se conformaram e insistiram no retorno das autoridades depostas pelo golpe de estado. Essas posições tiveram eco em Bruxelas levando a sanções contra os autores do golpe e diminuição significativa da cooperação. A CEDEAO não tem meios financeiros para preencher o vácuo deixado pelos principais doadores. È curioso que não se vislumbre uma saída para o impasse, mesmo em face do sofrimento do povo da Guiné-Bissau. Fica-se com a impressão que o interesse maior de muita movimentação política é simplesmente o regresso do primeiro-ministro deposto. Guiné- Bissau já teve vários golpes de estado e muitos assassinatos de figuras políticas proeminentes, entre as quais a do próprio Presidente Nino Vieira e do Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, Tagme Na Wai. A comunidade internacional nunca optou por aplicar sanções. Não são claras as razões pela diferença de tratamento neste caso. Até porque, pesando as coisas, o golpe de Abril de 2012 foi talvez o menos violento na história do país. Os militares revoltosos preferiram depor e exilar o PR e o PM. Cabo Verde, nas primeiras reacções ao golpe mostrou extrema rigidez perante uma situação cujos contornos não eram muito claros. Não teve em devida conta as sensibilidades regionais designadamente do Senegal, da Nigéria e da Costa do Marfim quanto à presença de tropas angolanas em Bissau. Também mostrou não compreender o clima de desconfiança que grassa entre a elite política guineense fruto dos vários crimes cometidos ao longo dos anos contra políticos e militares que ficaram até agora por resolver. Em consequência, excluiu-se do papel de mediador que outrora tivera nos problemas guineenses. Quando chegou o momento da CEDEAO decidir como agir Cabo Verde ficou isolado dos seus parceiros regionais. A percepção em certos meios é que a Cabo Verde e a alguns outros países só interessa o regresso de Carlos Gomes Júnior. Pergunta-se se a insistência exclusiva nesse ponto resulta da defesa dos interesses de Cabo Verde ou se trata fundamentalmente de solidariedade partidá- ria para com o PAIGC e os seus dirigentes. Ou seja, se o governo está a confundir política externa do Estado de Cabo Verde com relações de solidariedade entre os ex-movimentos de libertação. A questão coloca-se porque o regresso de Cadogo é algo provavelmente impraticável. Vários combatentes históricos do PAIGC numa carta dirigida à Internacional Socialista acusam-no de ter encabeçado “um regime despótico, tirânico, criminoso e sanguinário”. O próprio Carlos Gomes Júnior, numa reunião na Praia, teve que se defender de novas acusações concernentes ao desaparecimento e possível morte do deputado Roberto Cacheu. Pergunta-se se não seria melhor seguir o caminho já traçado pela organização regional, que é, de facto, a organização económica, monetária e de segurança a que a Guiné- Bissau pertence, e assegurar que todos pudessem participar nas eleições gerais previstas após o período de transição. O país não teria de passar por tantas privações com consequências terríveis para as pessoas e não ficaria ainda mais vulnerável ao tráfico de droga ao terrorismo e a outras mazelas que ameaçam a região.

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