quarta-feira, dezembro 12, 2012

Dignidade, Liberdade e Desenvolvimento



Nº 576 • 12 de Dezembro de 2012
Editorial: Dignidade, Liberdade e Desenvolvimento
No dia 10 de Dezembro comemorou-se o dia internacional dos direitos humanos. Passaram-se 62 anos desde a adopção do dia pela ONU e 223 anos da Declaração dos Direitos do Homem no auge da Revolução Francesa de 1789. O apelo vibrante ao reconhecimento que todos os seres humanos nascem iguais em dignidade e em direitos constituiu um marco civilizacional único. O desafio contido na proclamação da universalidade dos direitos humanos impulsionou movimentos poderosos em todo o mundo para os concretizar. As vagas de democratização, a corrida ao sufrágio universal e a contínua luta contra a discriminação das mulheres e contra a opressão de minorias étnicas, religiosas e outras são prova disso. Nem a ferocidade dos regimes autoritários e totalitários que marcaram o século XX conseguiu esmorecer o desejo intrínseco de cada indivíduo em fazer uma vida na dignidade e na liberdade. Há vinte anos, Cabo Verde atingiu esse marco com a Constituição de 1992. Direitos fundamentais como direito à vida e à integridade física, direito à liberdade e segurança pessoal e o exercício de liberdades como liberdade de expressão, de associação, liberdade de religiosa e de participação política são assegurados conjuntamente com direitos económicos e sociais. A partir do respeito pela dignidade humana procurou-se organizar poderes e erigir instituições que constituíssem os fundamentos de uma comunidade humana com paz, justiça e igualdade perante a lei e que, a todos, garantisse o direito à felicidade. Não mais se admitia viver em regimes em que conceitos de “tudo para o Estado e nada contra o Estado” e de “Partido força, luz e guia” justificavam o espezinhar da dignidade das pessoas e o sacrifício das liberdades. Hillary Clinton dizia, na semana passada, numa conferência na Universidade de Dublin que a Declaração Universal não é um simples catálogo de direitos. É um plano já testado pelo tempo e pela história para se construir sociedades bem sucedidas. Realmente, os pináculos do desenvolvimento nos domínios social, económico, cultural e de participação política encontram-se nos países que fizeram dos direitos humanos o pilar fundamental onde estão apoiados o regime democrático e a sua estrutura económica. A sociedade civil que resulta do exercício pleno desses direitos é fundamental para garantir que o Estado sirva as pessoas em vez de se servir delas. A liberdade pessoal e criativa e o direito à prosperidade constituem fortes impulsionadores da inovação tecnológica e de processos, que são condições necessárias para se manter o ritmo de crescimento económico e para se conseguir ganhos de produtividade e de competitividade. Em Cabo Verde, o Estado pesa sobre a vida das pessoas e nem sempre no bom sentido. A persistência das políticas de reciclagem da ajuda externa reproduz velhos hábitos de dependência e convida à criação de laços clientelares passíveis de serem explorados com objectivos político-partidários. A fragilidade do sector privado e da base produtiva nacional não favorece a emergência de uma sociedade civil autónoma e a concentração de recursos no Estado atrai iniciativas sociais e económicas para sua órbita. Operadores e activistas vêem-se na posição de basicamente serem cooptadas pelas entidades públicas. Assim não há sociedade civil que se aguente. E sem sociedade civil corre-se o risco da erosão dos direitos, de mais de abusos de poder e de maior autismo dos governantes. A discussão do OE 2013 foi paradigmático do que pode acontecer quando governantes não se sentem compelidos pela sociedade. Sindicatos, privados nacionais e operadores económicos estrangeiros, partidos da oposição e personalidades diversas foram unânimes na contestação de medidas arriscadas, potencialmente recessivas e não indutores de emprego constantes nas propostas de lei. O governo focalizado no seu objectivo de conseguir mais de 18% de aumento nas receitas a ninguém deu ouvidos. Para a criação dos dois novos impostos, imposto do turismo e taxa estatística, enveredou-se por um processo complicado, pouco transparente em que não obstante a proposta de lei do orçamento não os incluir, acabaram por aparecer na discussão na especialidade e, segundo certas opiniões, sem seguir os trâmites próprios, designadamente a aprovação em Conselho de Ministros e aprovação na generalidade no plenário da Assembleia Nacional. O risco real de se prejudicar o sector do turismo com os novos custos e com isso se travar o crescimento do sector e de causar mais desemprego não fez vacilar o governo nem por um segundo. Neste fim de ano 2012 alguns jornais e revistas de referência como o New York Times, o Financial Times e a Economist escolheram o livro “Why Nations Fail” como um dos melhores do ano. A tese central do livro é que casos de sucesso no crescimento e no emprego só foram conseguidos pelas comunidades e nações que souberam criar instituições inclusivas. Instituições que convidam ao pluralismo, garantem igualdade perante a lei e libertam as forças económicas com incentivos à criatividade e mecanismos de compensação para aqueles que com esforço, imaginação e ousadia elevam a sociedade e a economia para um outro patamar. Dá para pensar se esse é o caminho que estamos a trilhar: o caminho de mais pluralismo, de instituições mais inclusivas e de maior meritocracia.

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Ponto de viragem





 Nº 575 • 05 de Dezembro de 2012

Editorial: Ponto de viragem

 Finalmente por todos é sentido que o momento é de viragem. O Primeiro-ministro confessa que ainda não se chegou ao Cabo das Tormentas, o embaixador da União Europeia prontifica-se a ajudar Cabo Verde a ser menos dependente da ajuda externa e o FMI, prevendo crescimento a 4.1% em 2013, aconselha que se invista mais no capital humano e no ambiente de negócios. Os operadores económicos confrontados com o OGE 2013 e a baixa prioridade dada ao desenvolvimento do sector privado e da economia nacional reagem desiludidos às medidas nele consignadas. Os dois partidos do arco do poder, O MpD e o PAICV, desencadeiam o processo de renovação e substituição das respectivas lideranças numa pers­pectiva de adequação futura aos desafios crescentes da actualidade nacional e internacional.
A necessidade de viragem ficou clara com as dificuldades surgi­das com a quebra dos donativos e abrandamentos das remessas de emigrantes que revelaram os limites de modelo de desenvolvimento suportado no trinómio, Consumo – Ajuda – Importações. Não se criou a base económica dinâmica e diversificada que poderia gerar rendimentos às famílias e receitas ao Estado suficientes para, pro­gressivamente, substituir os fluxos vindos do exterior. A agenda de transformação propalada pelo governo há mais de dez anos até agora mostrou-se insuficiente para alterar o modelo de dependência. A realidade actual é a da persistência de elevado nível de desemprego acompanhado de crescente centralização do país e de perda de dinâmica das ilhas. Os rendimentos, o emprego e as expectativas das pessoas dependem cada vez mais dos caprichos e desígnios de quem está à frente do Estado e de outras entidades públicas.
Cabo Verde não devia estar nesta situação. A gigantesca movi­mentação popular que pôs fim ao regime de partido único a 13 de Janeiro de 1991 tinha como objectivo a liberdade, a democracia e o soltar das energias socioeconómicas do país. Construiu-se o edifício político-institucional para isso, a começar pela Constituição da Re­pública, e reformas económicas profundas foram introduzidas com a liberalização económica, as privatizações, os incentivos à iniciativa privada, a atracção de investimentos e a promoção de exportações de bens e serviços. Pretendia-se então pôr de lado o modelo de dependência do exterior a favor de outro modelo suportado na Produção – Inovação – Exportações.
O regresso do PAICV ao poder em 2001 não deu a esperada continuidade às reformas que deveriam manter viva a promessa de sustentabilidade futura do país. Extraiu as piores lições da der­rapagem de 2000. Em vez de acautelar o país em relação a choques externos com a dinamização de vários sectores económicos, deixou que a economia se afunilasse num turismo vulnerável à actuação de muito poucos operadores enquanto dormia à “sombra da bananeira” dos donativos. Paralelamente, permitiu que a situação financeira de empresas do sector público como a Electra, os TACV e agora a Enapor se degradasse, ameaçando fragilizar outras como a ASA, a Enacol e o INPS, com o peso das dívidas por pagar.
Com o endividamento externo dos últimos três anos adiaram-se os efeitos da diminuição dos donativos. Mas não se aproveitou a almofada criada para melhorar a competitividade do país e o ambiente de negócios e atrair investimento directo estrangeiro que substituísse a ajuda externa. Entretanto, ganharam-se eleições que garantiram o prosseguimento das políticas de sempre. Mas, segundo o FMI, do investimento público realizados com crédito externo ainda não se conhece a eficiência, a taxa de retorno das infra-estruturas nem outros parâmetros para se avaliar de forma fundamentada a sustentabilidade da dívida criada.
Neste ponto de viragem, o anúncio das saídas de liderança parti­dária do dr. Carlos Veiga, o homem das grandes reformas políticas e económicas, e do actual chefe do governo, dr. José Maria Neves, po­derá ter o efeito catalisador sobre os dois grandes partidos do arco do poder na procura de soluções de governação que façam o país ir além da reciclagem da ajuda externa. Para que isso aconteça é essencial que o debate político se vire para o futuro, deixe querelas primordiais e veja no Cabo Verde da democracia constitucional o esteio onde o país presente se revê e se situa e onde propostas alternativas de governação se contrapõem, se enriquecem e se experimentam.

quarta-feira, novembro 28, 2012

De professor de vigário a ajudante de missa?



Editorial Nº 574 • 28 de Novembro de 2012
De professor de vigário
a ajudante de missa?

O artigo do Dr. Carlos Burgo, no jornal a nação de 22 de Novembro, surpreendeu. Dias antes, o Banco Central tinha divulgado o relatório sobre a política monetária com projecções, para o ano 2013, diferentes das encontradas no relatório da proposta de Orçamento do Estado. Dias depois teria início na Assembleia Nacional a discussão do OE para o Ano 2013 precedida de amplos debates nos órgãos de comunicação social, nos quais o desagrado pelas medidas e propostas ficou patente. Em tal am­biente, o pronunciamento público do governador do BCV, pelo momen­to escolhido, pelo tema versado e pela forma de abordagem podia induzir as pessoas a pensar que a motivação foi política.
Discutir questões de eficiência do IVA quando operadores económi­cos e sindicatos lutam com o governo sobre as pretensões do mesmo em manipular o imposto para assacar mais receitas das pessoas e das empre­sas faz qualquer um estranhar e interrogar-se. A escolha infeliz de tratar o assunto do IVA conjuntamente com a questão da aplicação do IUP pela câmara municipal da Praia relembrou o padrão seguido no confronto político em Cabo Verde, em que a posições do governo são contrapos­tas as das câmaras dirigidas pelos partidos da oposição como se órgãos municipais e governo fossem entidades em pé de igualdade, tanto em responsabilidade, competência e escopo de actuação. O facto do Sr. Pri­meiro-ministro o citar em sede de discussão do orçamento, para suportar a posição do governo, não ajudou a desvanecer as dúvidas.
No ano passado, do governo para Carlos Burgo e para o Banco Cen­tral só vieram reprimendas aquando da apresentação do relatório da po­lítica monetária. A Ministra de Finanças foi peremptória em dizer que o BCV não devia pretender “ensinar a dar missa ao vigário”. Isso porque no relatório o BCV disputou as projecções de crescimento para o ano 2012, colocando a taxa no intervalo 4-5%, como aliás se veio a confirmar, em vez de 6-7% prometidos pelo governo. E também porque declarações posteriores do governador deram a entender que o orçamento era des­pesista e impunha-se uma certa contenção do Estado no endividamento interno para se evitar que o sector privado ficasse desprovido do crédito necessário para dinamizar a economia. Na sequência, o PM fez questão de rejeitar a austeridade que supostamente estaria a ser proposta pelo banco e pela oposição. Neste ano depois da apresentação do novo relató­rio do BCV, igualmente crítico das projecções do governo, tem-se o acto inédito do artigo prestimoso do governador. É caso para pensar se de “professor do vigário não se está a passar para ajudante de vigário”.
A relação do governo com quem dele discorda é sempre tumultuo­sa. O Banco de Cabo Verde não é excepção. O Governo cita bancos es­trangeiros para validar as suas posições e faz por ignorar o diagnóstico, os dados e as projecções do Banco Central. Mas é o BCV que por lei executa de forma autónoma a política monetária e cambial e é o conse­lheiro financeiro do Governo. Em todo o mundo cidadãos e operadores económicos, nacionais e estrangeiros, vêem as análises e projecções do Banco Central como tecnicamente superiores e fiáveis porque não são enviesados por ditames políticos e partidários. Em Cabo Verde, o gover­no mantém as distâncias, hostiliza como se viu atrás e não se coíbe de se omitir na renovação de mandatos do governador e de membros de con­selho de administração, num acto que pode configurar pressão ilegítima sobre a instituição.
A democracia pressupõe a existência de um ambiente institucional que garante funcionalidade e complexidade ao sistema para que o Poder e o seu exercício não estejam completamente nas mãos de maiorias con­junturais. A existência de uma sociedade civil suficientemente autónoma, para se fazer ouvir, e ousada, para agir a favor de valores como o primado da lei, é essencial para que as virtualidades da democracia se manifestem e enriqueçam a todos. Não é o que se tem actualmente em Cabo Verde.
Na sequência da reunião de concertação social viu-se primeiro o go­verno a dominar nos media, com a mensagem de que se chegou a um acordo de concertação, ao mesmo tempo que pretendia ignorar que os sindicatos e o patronato tinham chumbado o orçamento. Chegado ao parlamento com a lei de OE não mostrou qualquer disponibilidade em mudar uma vírgula para acomodar as preocupações de empresários e trabalhadores. A tendência autocrática de não negociar com ninguém e forçar todos a cederem na sua posição manifestou-se claramente. É a mesma atitude que se nota em relação às instituições públicas estatuta­riamente autónomas designadamente o BCV e as agências reguladoras. Neste sentido o país vai mal. Como disse Obama na sua visita recente ao Myanmar “democracia significa limites postos ao Poder”.
A Direcção


quarta-feira, novembro 21, 2012

Governo em contra corrente



Nº 573 • 21 de Novembro de 2012
Editorial: Governo em contra corrente
A proposta do Orçamento do Estado para 2013 está a merecer uma atenção inusitada de todos. É discutida na rua, em casa, com os amigos e na comunicação social. A preocupação central é o aumento da carga de impostos. Os sindicatos, os empresários e os partidos da oposição já revelaram a sua discordância total quanto às medidas propostas. Apontam o impacto negativo que terão no rendimento das famílias, na viabilidade e sustentabilidade das empresas e na competitividade do país. O Banco de Cabo Verde no seu relatório de política monetária de 15 de Novembro mostra o seu desconforto com as projecções do OE quanto ao comportamento da economia no ano do 2013. No mar de críticas que tem acompanhado a apresentação do OE só o governo se mantém em contra corrente insistindo na falácia dos subsídios cruzados e banhando-se nas declarações de conveniência de entidades estrangeiras. A dificuldade segundo o BCV centra-se na tentativa de consolidação das contas públicas pelo lado das receitas ao mesmo tempo que se deixa crescer as despesas a mais de 16%. Tentativa à partida gorada porque muito dificilmente a projecção feita de arrecadação das receitas de 18,5% será atingida. O BCV situa o aumento nas receitas em 7 - 9%. Provavelmente é o que irá acontecer: a base tributária é pequena e as medidas fiscais irão provocar o arrefecimento de muitas actividades económica e forçar a migração de outras para o sector informal. Em tal cenário o défice orçamental será superior ao projectado, 8,1% em vez de 7,4%, aumentando o risco do país e tornando o crédito ainda mais difícil e caro. Chegou-se a este ponto não por culpa da crise internacional como pretende passar o governo. A crise simplesmente revela e acentua as falhas já existentes na estrutura económica e social e deixa pouca margem para se continuar a iludir as populações. Mesmo assim há quem tente manter-se no poder lançando-se num jogo de antecipação em que por um lado repassa a outrem a responsabilidade pelas deficiências e por outro gere expectativas fazendo crer às pessoas que poderiam estar piores se não fosse pela sua “competência” ou “credibilidade”. No caso de Cabo Verde pretendeu-se primeiro ignorar os sinais da crise, depois sonhou-se com a blindagem e posteriormente viu-se no endividamento externo a forma de a contornar. Dessa odisseia pelo ilusório só podia resultar desequilíbrios macroeconómicos graves, fragilidade da base económica e impreparação do país para os novos desafios. Quando questionada sobre os clusters que deviam ser os pilares da economia caboverdiana, a ministra de finanças em entrevista recente classifica o do mar como o mais dinâmico porque exporta pescado, considera que o das TIC tem “dinamismo interessante” e constata que os outros dois, aero-negócios e praça financeira encontram-se num patamar mais atrasado. A ministra conclui que até que eles venham a ter o efeito de arrastamento da economia, o país terá que se suportar no turismo. Dez anos de uma “agenda de transformação”deram nisto: uma economia afunilada e dependente do turismo. E mesmo assim o governo continua a não ver a economia como prioridade. Parece não lhe custar muito pôr em perigo todo o sector turístico para conseguir recursos e minorar problemas de tesouraria. Com tais atitudes não espanta que as dificuldades do país venham da quebra de donativos e de outras transferências externas e não dos efeitos da contracção da procura mundial sobre a actividade económica local e as exportações, como acontece noutras paragens. A impreparação para os novos tempos é visível na gestão calamitosa do sector de energia e água. Também se nota na insegurança que grassa e coloca a ilha turística do Sal no segundo lugar de crescimento da criminalidade. E é cada vez mais evidente na educação de qualidade duvidosa e na estrutura de saúde pouca adequada às novas necessidades da população e às exigências de um país que quer receber centenas de milhares de turistas por ano. Mesmo no que respeita às novas infraestruturas construídas com endividamento externo é a própria ministra de finanças a reconhecer que o modelo de governação dos últimos dez anos e quinze anos não se adequa. Interessante será ver quando poderão gerar crescimento económico para, segundo a ministra, se poder dizer “se tomamos (ou não) uma má decisão”. Os caboverdianos esperam ver crescimento económico robusto, mais emprego de qualidade e oportunidades para o futuro. O governo entra em contra corrente com as necessidades da população quando a sua atenção está na atracção de donativos e outros fluxos externos que controla e não na construção da economia nacional. Pior ainda quando se mostra disposto a correr riscos com certos sectores simplesmente para arrecadar mais receitas.

quarta-feira, novembro 14, 2012



Editorial Nº 572 • 14 de Novembro de 2012
Dar o dito por não dito

A promessa do 13º mês várias vezes repetida antes das eleições legislativas foi considerada anteontem pelo Primeiro-ministro Dr. José Maria Neves “de todo impossível” de ser cumprida. A Ministra de Finanças, em entrevista, também dá a questão do 13º mês como ultrapassada. Mas enquanto o PM culpa a crise internacional, fazen­do por ignorar que ela já vem de 2008, a Ministra é peremptória: “a única maneira do Governo considerar essa possibilidade seria se o país crescesse acima dos 15%”.Como nunca o País atingiu essa taxa e quando se fez a promessa já se sabia que o governo não iria atingir a meta dos dois dígitos na legislatura, fica evidente que à partida não havia intenção de a cumprir.
Governar é cada vez mais “prometer” do que “realizar”. A ênfase é colocado nas intenções iniciais e também nos meios mobilizados enquanto os resultados das políticas e da actuação governamental são esquecidos ou preteridos. No processo o princípio fundamental da democracia, que é responsabilização e prestação de contas dos governantes à nação e aos seus órgãos representativos, fica altamente beliscado. Sucedem-se situações várias de “dar o dito por não dito” num jogo de gato e rato que exausta e fragiliza as instituições, aliena os cidadãos e favorece o cinismo na vida política.
O Orçamento de 2013 foi apresentado e dele todos esperam um maior peso dos impostos. O próprio Governo conta com aumentos de quase seis milhões de contos nas receitas. Isso parece não impedir a ministra de finanças de afirmar que não há aumentos no IVA mas sim convergência para os 15% com o fim da majoração da gasolina e do gasóleo e da minoração da electricidade, água, telecomunicações e transportes. Implícito no raciocínio estaria que todo o exercício não resultaria em mais carga fiscal. A realidade que ela própria relata é que a electricidade produzida vai ficar 5% mais cara e água 8%. Os consumidores ainda acrescentam aos novos preços mais 15% do IVA. A coroar o “bolo” vem a taxa de iluminação pública. Não estranha pois que mesmo em período de crescimento raso de 4,3 e 4,4 % o governo tenha a expectativa de aumentar as receitas cobradas em 18,5%.
O jogo de palavras para confundir os contribuintes não fica por aí. Todos os pretextos parecem ser bons para o Estado adiar a restituição do IUR e do IVA. Entre as desculpas figuram detecção de casos de evasão e fraude, soluções informáticas de devolução directa, que le­vam um ano e meio a ser encontradas, e repartições de finanças cada uma a interpretar a lei fiscal à sua maneira. Tudo em nome da justiça tributária, como assegura a ministra. Entretanto como o próprio rela­tório do OE 2013 confirma (pg 55) o Estado durante estes anos todos continua a financiar-se de forma gratuita à custa particularmente dos contribuintes dos dois escalões mais baixos.
A opção do governo na procura do equilíbrio das contas é pelo aumento das receitas. O corte nas despesas verifica-se essencialmente no orçamento de investimento porque não há vontade política para se mexer significativamente nas despesas de funcionamento. Face a isso e na falta de uma base tributária maior, porque o emprego não aumen­tou e o sector privado nacional não prosperou apesar das centenas de milhões de euros investidos nas infra-estruturas, resta “espremer” o que já existe: os trabalhadores e empresas do sector formal.
Focalizado na procura de mais receitas o governo parece não se preocupar muito se, com as vias utilizadas (aumento do IVA, cria­ção de outras taxas, administração pública obtusa) sectores como o turismo perdem competitividade, empresas tornam-se inviáveis e muitos trabalhadores perdem o emprego. Reina uma visão de curto prazo. Fica-se com a impressão que se está aguentar até que apareça mais um cheque de Bruxelas ou de outro sítio em resposta à política de “país útil” que se quer vender à comunidade internacional.
A antecipar as dificuldades do próximo ano a ministra de Finanças procura desmentir que alguma vez proclamou que Cabo Verde estaria blindado à crise internacional. Mas essa é a percepção geral e não surge do nada. Segundo a Lusa, em Maio de 2009 em Dakar, declarou que Cabo verde “está pronto” para enfrentar a crise internacional e os usos sucessivos do termo blindado em relação à crise serviram para consolidar a ideia. O PAICV beneficiou dessa imagem. Não se pode agora dar o dito por não dito porque se tornou evidente que era de facto uma ilusão, como aliás tantas outras promessas.
A Direcção