Por outro, questiona-se se o timing
escolhido para a sua apresentação e aprovação foi intencional para privilegiar
interesses perfeitamente iden-tificáveis e se é legítimo fazer isso mesmo na
ausência de potenciais conflitos de interesses. O assunto é particularmente
delicado porque, à partida, sabe-se que os consumidores vão perder com os
preços elevados dos produtos habituais e não há certezas que serão compensados
pelos novos produtos tanto no custo como na qualidade.
Apoio tarifário de governos à indústria
nacional sempre foi rodeado de controvérsia em todos os países. Tende a
privilegiar uns e a prejudicar outros e a afectar negativamente o comércio
internacional. Com as quebras no volume
de trocas todos os países acabam por arcar com as consequências, seja na
diminuição da capacidade de criação de riqueza, no número de empregos e nos preços pagos pelos
consumidores. Um exemplo recente é o anúncio feito pelo presidente Trump de
aumentar as tarifas para o aço e o alumínio importados e que foi logo seguido
de uma avalanche de reacções. A medida, pelas suas eventuais consequências,
designadamente no valor do dólar, na taxa de juro e no custo de produtos
estrangeiros incorporados impacto nas
exportações, não reúne consenso e é altamente contestada em certos círculos.
Não espanta que iniciativas do género sejam vistas com desconfiança e se
procure activamente investigar se resultam de lobbies, se são actos de
favorecimento de grupos económicos ou de indivíduos ou se são produto de
políticas bem-intencionadas dos governos. A percepção que se tem é que os
efeitos são globalmente negativos, mesmo quando a curto prazo apresentem sinais
positivos em matéria de emprego, de diminuição do défice da balança comercial e
de aumento das receitas alfandegárias.
Décadas atrás a protecção das indústrias nacionais
pela via de barreiras tarifárias em países como o Brasil, Argentina e vários
outros da América Latina foi uma peça fundamental do chamado modelo de
desenvolvimento com base na substituição de importações. Em retrospectiva
constata-se que perderam anos de desenvolvimento a procurar industrializarem-se
seguindo esse modelo. Já os países do Sudeste asiático, os chamados Tigres da
Ásia, as Maurícias e posteriormente a China, com uma opção oposta, rapidamente
atingiram patamares de desenvolvimento elevados ao mesmo tempo que desenvolviam
um sector privado nacional forte, orientando a sua economia para exportação. Assim, enquanto uns se fechavam
no mercado interno, sacrificando a criação de emprego, o poder de compra dos
consumidores e a produtividade do país, outros esforçaram-se por atrair
investimento externo, por incentivar as empresas a se tornarem competitivas e
por dar boa qualificação à mão-de-obra nacional com o objectivo de conquistar
mercados externos e de assegurar níveis elevados de emprego e aumento
sustentado de rendimento das pessoas. Até recentemente pensava-se que as
medidas proteccionistas preconizadas por esse modelo estariam completamente
desacreditadas mas algo mudou após a crise financeira de 2008. Com a
globalização a ser posta novamente em causa e com a progressiva ansiedade nos
países desenvolvidos quanto à capacidade futura de criar empregos, assiste-se
hoje a tentativas de recuperação de políticas proteccionistas que conjuntamente
com as dirigidas contra a imigração supostamente estancariam a hemorragia de
empregos em direcção aos países emergentes.
Em Cabo Verde foi seguida durante vários anos
a via de desenvolvimento com base na substituição de importações. Era parte do
pacote económico do regime de partido único. Teve consequências desastrosas.
Muito do comércio informal que ainda existe nas confecções e calçado deve-se à
protecção em forma de tarifas que se criaram na época para proteger as fábricas
Morabeza e Socal. Também é evidente que da experiência não resultou qualquer sector
privado com capacidade e motivação para se lançar na conquista de mercados
externos nem dinâmica económica para ultrapassar a estagnação económica dos
últimos anos do regime. Em meados de 1988 já era evidente para o governo do
PAICV que o modelo tinha falhado completamente e que se impunha fazer uma “extroversão
da economia cabo-verdiana”e ligar o desenvolvimento industrial à
possibilidade de exportar. Em 1990, quando o MpD emergiu como força
política foi peremptório em afirmar a sua ruptura completa com a tradicional
política de industrialização pela via de substituição de importações.
Face à experiência vivida, estranha que mais
de 25 anos depois reapareça uma espécie de unanimismo das forças políticas em
matéria de protecção da indústria nacional pela via de tarifas e que se volte a
pôr na ordem do dia as velhas políticas de substituição de importações. A
votação quase unânime do artigo 27º da lei do Orçamento de Estado para 2018 que
alterou a pauta aduaneira nos sumos, lacticínios e água engarrafada, não
obstante as objecções essencialmente éticas que surgiram posteriormente, poderá
estar a indiciar a presença de um sentimento de “virar-se para dentro”
que estaria a manifestar-se tanto no seio da classe política como na sociedade
cabo-verdiana. Um sentimento marcado por elemento identitário que, a exemplo do
que se passa em outras paragens estaria a afectar a actuação política e outras
interacções na esfera pública, e nem sempre de forma positiva. A política
crispada, o foco na capacidade redistributiva do Estado e certa forma de ver a
regionalização a par com sentimentos de hostilidade em relação ao turismo e à
aproximação económica com a Europa seriam algumas das suas manifestações.
A verdade, porém, é que Cabo Verde não pode
dar-se ao luxo de se virar mais uma vez para dentro. Como bem se sabe da
experiência anterior, tal opção não beneficia a indústria nacional, não põe de
pé um sector privado dinâmico e não assegura o desenvolvimento que todos
almejam.
Face à experiência vivida, estranha que mais
de 25 anos depois reapareça uma espécie de unanimismo das forças políticas em
matéria de protecção da indústria nacional pela via de tarifas e que se volte a
pôr na ordem do dia as velhas políticas de substituição de importações. A
votação quase unânime do artigo 27º da lei do Orçamento de Estado para 2018 que
alterou a pauta aduaneira nos sumos, lacticínios e água engarrafada, não
obstante as objecções essencialmente éticas que surgiram posteriormente, poderá
estar a indiciar a presença de um sentimento de “virar-se para dentro”
que estaria a manifestar-se tanto no seio da classe política como na sociedade
cabo-verdiana. Um sentimento marcado por elemento identitário que, a exemplo do
que se passa em outras paragens estaria a afectar a actuação política e outras
interacções na esfera pública, e nem sempre de forma positiva. A política
crispada, o foco na capacidade redistributiva do Estado e certa forma de ver a
regionalização a par com sentimentos de hostilidade em relação ao turismo e à
aproximação económica com a Europa seriam algumas das suas manifestações.
A verdade, porém, é que Cabo Verde não pode
dar-se ao luxo de se virar mais uma vez para dentro. Como bem se sabe da
experiência anterior, tal opção não beneficia a indústria nacional, não põe de
pé um sector privado dinâmico e não assegura o desenvolvimento que todos
almejam.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição
impressa do Expresso das Ilhas nº 849 de 07 de Março
de 2018.