Na semana passada foi apresentado ao público um
inquérito às empresas nacionais realizado pela Afrosondagem sobre os
efeitos da covid-19 na actividade empresarial e sobre sua satisfação em
relação às medidas adotadas pelo Governo para minimizar a crise
económica. Foi uma boa iniciativa. Devia-se dar continuidade com um
inquérito similar que recaísse sobre o universo das gentes nas ilhas
numa outra perspectiva. Seria para compreender o impacto que os estados
de emergência têm tido sobre as populações no aspecto económico,
familiar e até emocional.
Poderia
incluir também uma avaliação do sucesso da comunicação oficial na
percepção e atitude da população em relação à pandemia do SARS-19-2
assim como a contribuição dos média em trazer informação objectiva e o
papel representado pelas redes sociais como megafone e como espaço de
conforto e de solidariedade de grupo. Uma sondagem nesse sentido seria
de grande importância neste preciso momento em que está a chegar ao fim o
terceiro estado de emergência e que ponderações diversas – tendo como
pano de fundo a situação da covid- 19 na Praia e na ilha de Santiago –
estarão ser feitas sobre a continuidade ou não do estado de excepção.
Casos confirmados na capital do país continuam a verificar-se todos os dias e não há sinais de que o ritmo de contágio esteja a abrandar. Aparentemente não seria o melhor momento para se deixar o estado de emergência em Santiago. Por outro lado, é visível o cansaço da generalidade das pessoas e as dificuldades vividas por muitos no sector privado e na actividade informal. O país, com perda brutal de receitas e sem perspectivas a curto prazo de reactivar o turismo, terá que contar com ajuda externa, perdão da dívida e investimento público para garantir à população um mínimo de rendimento e procurar posicionar-se para o que será o mundo pós-covid. Entretanto, precisa reabrir a economia mas, nas condições actuais em que há ainda muitas incógnitas em relação à evolução da pandemia, corre-se o risco de se ver a covid-19 agravar-se na ilha de Santiago e até de, com o fim das restrições na circulação marítima de passageiros e o início da esperada inversão do fluxo migratório em direcção às ilhas de origem, vir a aparecer nas que até agora não tiveram casos positivos.
Para evitar isso especial cuidado se deverá ter na definição de estratégias e em escolher vias e meios a ser adotados no processo de reabertura da economia. Indispensável também será manter a sociedade mobilizada para aguentar as restrições que só paulatinamente poderão ser levantadas. Porém não há garantias disso. Pelo contrário, notam-se sinais de que em certas franjas da sociedade a covid-19 poderá não estar a ser levada suficientemente a sério. A razão talvez seja porque a pandemia até agora não assumiu contornos dramáticos como sucede noutros países que passam semanas e meses de agonia com milhares de óbitos e um número elevado de doentes nas unidades de cuidados intensivos. Com uma população relativamente jovem, a tendência em Cabo Verde é de nos casos positivos as pessoas serem ou assintomáticas ou terem sintomas ligeiros. A constatação desse facto provavelmente tem levado a um certo descaso em relação à doença com consequências que se podem notar no elevado contágio de pessoas entre 20 e 40 anos e na surpreendente contaminação de crianças e adolescentes na faixa 0-20 que já está em cerca de 15% (40 em 270 no 12 de Maio) dos casos confirmados.
Vê-se a anomalia quando se compara com a percentagem de crianças infectadas no global de casos confirmados na China, Itália e nos Estados Unidos que estariam à volta de 2% segundo a CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) americana citado pelo jornal Washington Post de 21 de Abril. Pode-se depreender disso que provavelmente a comunicação oficial sobre a covid-19 não estará a passar. De facto, quando pais jovens não protegem suficientemente as suas crianças porque parece que não reconhecem gravidade à doença, há mais do que motivo para preocupação. Se a comunicação não está a ser efectiva isso quererá dizer, primeiro, que a dinâmica de contágio não vai diminuir e só vai se acelerar com o fim das restrições. Segundo, que o número de infectados entre os idosos e os mais vulneráveis irá aumentar com as consequências que se conhecem. E finalmente, que a sociedade efectivamente falha em criar um obstáculo ao avanço da pandemia obrigando-se a manter períodos longos de confinamento se quiser enfrentar surtos sucessivos provocados pelo coronavírus.
O grande desafio que praticamente todos os países enfrentam na luta contra a covid-19 é como dar por fim o lockdown e reactivar a economia. Na Suécia, Singapura, Taiwan e Coreia do Sul não será tão difícil, porque, de facto, nunca chegaram a paralisar a economia para conter o coronavírus. Crucial para esses países foi a forte colaboração das pessoas que sem necessidade de declaração do estado de emergência souberam cumprir as regras básicas para conter o vírus. Por isso que em retrospectiva pode-se dizer que para eles foi fácil decidir pelo distanciamento social e pelo confinamento das pessoas às suas residências ao mesmo tempo que se levava à prática a opção de congelar a actividade económica com excepção da produção de bens fundamentais e de prestação de serviços essenciais. Noutros países tal tipo de civismo a par da enorme confiança nas autoridades não é assim tão perceptível. Compensa-se a falha com uma maior intervenção do Estado e um planeamento mais cuidadoso e meticuloso do processo da reactivação da economia.
Em Cabo Verde a crise do civismo, que vem de há muito e que não dá sinais de ter melhorado como seria desejável, sinaliza logo à partida que riscos apreciáveis existirão no processo de reabertura da economia. Como já tinha acontecido noutras emergências nacionais também não foi desta vez que a atenção de todos realmente se focalizou nas mudanças que terão de ser feitas para que se consiga diminuir a dependência do país e as vulnerabilidades da população. Continua a reinar a pequena política como se vê na questão da habitação, persistem as rivalidades institucionais que retiram eficácia a qualquer iniciativa governamental e insiste-se no discurso demagógico culpabilizante e vitimizador que afasta e bloqueia o debate necessário para se encontrar os melhores caminhos. Porém, mais cedo ou mais tarde, o reactivar da economia terá que ser feita. Seria de todo o interesse que a faixa etária hoje mais atingida pela covid-19 tomasse como desafio dar o combate sem tréguas ao vírus protegendo as crianças e os mais velhos e se tornasse no pivot do esforço nacional para libertar o país da dependência e vulnerabilidade que se vem alastrando por demasiado tempo. Não mais se vendo como vítima, a hora de afirmação desta geração finalmente terá chegado, professando um civismo e uma ética que a pandemia veio relembrar como fundamentais nesta encruzilhada em que a humanidade se encontra neste momento.
Casos confirmados na capital do país continuam a verificar-se todos os dias e não há sinais de que o ritmo de contágio esteja a abrandar. Aparentemente não seria o melhor momento para se deixar o estado de emergência em Santiago. Por outro lado, é visível o cansaço da generalidade das pessoas e as dificuldades vividas por muitos no sector privado e na actividade informal. O país, com perda brutal de receitas e sem perspectivas a curto prazo de reactivar o turismo, terá que contar com ajuda externa, perdão da dívida e investimento público para garantir à população um mínimo de rendimento e procurar posicionar-se para o que será o mundo pós-covid. Entretanto, precisa reabrir a economia mas, nas condições actuais em que há ainda muitas incógnitas em relação à evolução da pandemia, corre-se o risco de se ver a covid-19 agravar-se na ilha de Santiago e até de, com o fim das restrições na circulação marítima de passageiros e o início da esperada inversão do fluxo migratório em direcção às ilhas de origem, vir a aparecer nas que até agora não tiveram casos positivos.
Para evitar isso especial cuidado se deverá ter na definição de estratégias e em escolher vias e meios a ser adotados no processo de reabertura da economia. Indispensável também será manter a sociedade mobilizada para aguentar as restrições que só paulatinamente poderão ser levantadas. Porém não há garantias disso. Pelo contrário, notam-se sinais de que em certas franjas da sociedade a covid-19 poderá não estar a ser levada suficientemente a sério. A razão talvez seja porque a pandemia até agora não assumiu contornos dramáticos como sucede noutros países que passam semanas e meses de agonia com milhares de óbitos e um número elevado de doentes nas unidades de cuidados intensivos. Com uma população relativamente jovem, a tendência em Cabo Verde é de nos casos positivos as pessoas serem ou assintomáticas ou terem sintomas ligeiros. A constatação desse facto provavelmente tem levado a um certo descaso em relação à doença com consequências que se podem notar no elevado contágio de pessoas entre 20 e 40 anos e na surpreendente contaminação de crianças e adolescentes na faixa 0-20 que já está em cerca de 15% (40 em 270 no 12 de Maio) dos casos confirmados.
Vê-se a anomalia quando se compara com a percentagem de crianças infectadas no global de casos confirmados na China, Itália e nos Estados Unidos que estariam à volta de 2% segundo a CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) americana citado pelo jornal Washington Post de 21 de Abril. Pode-se depreender disso que provavelmente a comunicação oficial sobre a covid-19 não estará a passar. De facto, quando pais jovens não protegem suficientemente as suas crianças porque parece que não reconhecem gravidade à doença, há mais do que motivo para preocupação. Se a comunicação não está a ser efectiva isso quererá dizer, primeiro, que a dinâmica de contágio não vai diminuir e só vai se acelerar com o fim das restrições. Segundo, que o número de infectados entre os idosos e os mais vulneráveis irá aumentar com as consequências que se conhecem. E finalmente, que a sociedade efectivamente falha em criar um obstáculo ao avanço da pandemia obrigando-se a manter períodos longos de confinamento se quiser enfrentar surtos sucessivos provocados pelo coronavírus.
O grande desafio que praticamente todos os países enfrentam na luta contra a covid-19 é como dar por fim o lockdown e reactivar a economia. Na Suécia, Singapura, Taiwan e Coreia do Sul não será tão difícil, porque, de facto, nunca chegaram a paralisar a economia para conter o coronavírus. Crucial para esses países foi a forte colaboração das pessoas que sem necessidade de declaração do estado de emergência souberam cumprir as regras básicas para conter o vírus. Por isso que em retrospectiva pode-se dizer que para eles foi fácil decidir pelo distanciamento social e pelo confinamento das pessoas às suas residências ao mesmo tempo que se levava à prática a opção de congelar a actividade económica com excepção da produção de bens fundamentais e de prestação de serviços essenciais. Noutros países tal tipo de civismo a par da enorme confiança nas autoridades não é assim tão perceptível. Compensa-se a falha com uma maior intervenção do Estado e um planeamento mais cuidadoso e meticuloso do processo da reactivação da economia.
Em Cabo Verde a crise do civismo, que vem de há muito e que não dá sinais de ter melhorado como seria desejável, sinaliza logo à partida que riscos apreciáveis existirão no processo de reabertura da economia. Como já tinha acontecido noutras emergências nacionais também não foi desta vez que a atenção de todos realmente se focalizou nas mudanças que terão de ser feitas para que se consiga diminuir a dependência do país e as vulnerabilidades da população. Continua a reinar a pequena política como se vê na questão da habitação, persistem as rivalidades institucionais que retiram eficácia a qualquer iniciativa governamental e insiste-se no discurso demagógico culpabilizante e vitimizador que afasta e bloqueia o debate necessário para se encontrar os melhores caminhos. Porém, mais cedo ou mais tarde, o reactivar da economia terá que ser feita. Seria de todo o interesse que a faixa etária hoje mais atingida pela covid-19 tomasse como desafio dar o combate sem tréguas ao vírus protegendo as crianças e os mais velhos e se tornasse no pivot do esforço nacional para libertar o país da dependência e vulnerabilidade que se vem alastrando por demasiado tempo. Não mais se vendo como vítima, a hora de afirmação desta geração finalmente terá chegado, professando um civismo e uma ética que a pandemia veio relembrar como fundamentais nesta encruzilhada em que a humanidade se encontra neste momento.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 963 de 13 de Maio de 2020.