quarta-feira, março 14, 2012

Ganhos para todos



Nº 537 • 14 de Março de 2012
Editorial: 
O acesso à habitação condigna é um dos direitos sociais dos caboverdianos consagrados na Constituição. A criação dos meios necessários para a realização desse direito destaca-se como uma das tarefas mais importantes de qualquer governo. Ter casa com condições adequadas mostra-se essencial para a criação de um ambiente familiar estável que facilite a criação dos filhos e possibilite o descanso e a tranquilidade depois de horas de trabalho. Também contribui para a auto-estima e sentido de pertença das pessoas, ingredientes indispensáveis para a construção da boa vizinhança e desenvolvimento do espírito de comunidade. A ideia de aquisição de casa própria incita atitudes positivas nas pessoas e leva a decisões que favorecem a poupança em relação ao consumo com consequências importantes para a economia nacional. A postura do Governo numa matéria tão importante como a habitação não pode ficar pelo simples jogo político exacerbado nos seus conflitos e promessas em vésperas de eleições. A perspectiva de aquisição de habitação põe em marcha mecanismos de poupanças que, por sua vez, vão financiar construções e actividades económicas conexas, todas elas geradoras de emprego e factores de crescimento da economia. Considerando as implicações referidas, é evidente que a abordagem governamental em matéria habitacional não deve resumir-se a conseguir linhas de crédito e a lançamentos de primeira pedra e inaugurações. Os reparos do Bastonário da Ordem dos Arquitectos em relação às opções feitas, aos custos e à sustentabilidade do projecto “Casa para Todos” ecoa muitas críticas que se ouviram na sociedade caboverdiana na sequência do seu anúncio e lançamento. A linha de crédito negociada com Portugal sendo, de facto, um subsídio às exportações portuguesas naturalmente que iria favorecer soluções que optimizariam o recurso a bens e serviços de empresas portuguesas. A prazo, é muito provável que os supostos ganhos nas bonificações de juro não compensem os custos acrescidos tanto nas obras em si como também na perda de oportunidades para as empresas caboverdianas e consequente impacto negativo no emprego e na criação de riqueza nacional. A população desloca-se cada vez mais do meio rural para os centros urbanos e de uma ilha para as outras, atraída pelo turismo, pelos investimentos públicos e pela actividade estatal concentrada. A ausência de uma política habitacional que respondesse à necessidade crescente de casas nas ilhas de destino e fosse facilitadora da movimentação das pessoas, agravou extraordinariamente o problema nas cinturas periféricas dos centros urbanos e está na origem das barracas das ilhas da Boa Vista e Sal. Só a falta de vontade ou de visão pode justificar que não se tomassem medidas atempadas para amortecer nas ilhas de diminuta população o impacto do investimento de milhões em estruturas hoteleiras projectadas para receber muitos milhares de turistas. O governo acusa as câmaras municipais de bloqueio e apresenta tardiamente o programa de “Casa para Todos” como solução. Mas isso não é sério. As câmaras nunca podiam ter os meios e a responsabilidade de alojar milhares de pessoas no seu território municipal vindas em resposta à estratégia nacional de fazer do turismo o motor da economia. Quanto à implementação da política habitacional cabe ao governo da república assegurar a colaboração de todas as entidades. Evidentemente que para isso é de maior importância que não instrumentalize o programa para fins eleitorais como se viu acontecer nas eleições legislativas e se constata outra vez a poucos meses das eleições autárquicas. Importava bastante que o governo em vez de jogos políticos se concentrasse em conjugar a política habitacional com a promoção da indústria de construção nacional, assegurando benefícios gerais na economia e no emprego. Como aliás procuram fazer os governos em todo o mundo.

quarta-feira, março 07, 2012

Poder Local: escolhas por fazer



Nº 536 • 07 de Março de 2012
Editorial:
As eleições autárquicas já se aproximam e os partidos políticos finalizam o processo complexo de seleccionar o candidato ao cargo de presidente da câmara. Depois virão a constituição das listas, o traçar das estratégias eleitorais e a mobilização da máquina partidária para suportar o candidato. Curioso é que, depois de poucos meses atrás se ter insistido numa ideia de cidadania que não se esgota nos partidos políticos, a grande oportunidade de grupos de cidadãos participarem na gestão autárquica não esteja a ser aproveitada. As autárquicas de 2012 serão a sexta eleição desde a restauração do municipalismo cabo-verdiano. Após as primeiras eleições realizadas em 1991, muitas esperanças foram colocadas no poder local. Pensou-se que podia ser o cadinho onde a experiência democrática seria mais imediata, mais efectiva e mais gratificante. Tais esperanças não viriam a realizar-se em pleno. A experimentação autárquica, primeiro em 14 municípios e actualmente em 22, não deixou porém de ser rica e de trazer ganhos significativos para a organização do espaço municipal, para a prestação de serviços indispensáveis e para o bem-estar geral e auto estima dos munícipes. O reviver da autoridade local não conseguiu pôr travões suficientes ao abandono e degradação das questões municipais dos primeiros quinze anos da independência. Vê-se isso na forma caótica, quase por inércia, que os principais centros urbanos do país continuaram a crescer, na evidente falta de civismo e na persistência de uma administração ainda pouco prestável e facilitadora. Talvez os desafios colocados pelo crescimento rápido da economia nos anos seguintes não deixou muita margem aos novos autarcas para se debruçarem sobre os graves problemas herdados. Em consequência, desenvolveu-se um estilo de actuação em que “fazer” sobrepunha-se ao “planear” e a centralização de poderes era a tentação óbvia. Falhas outras, designadamente no aproveitamento das oportunidades e no desenvolvimento das potencialidades locais, devem-se ao facto de se terem transformado as autarquias num campo de disputa entre o governo e a câmara municipal. A cooperação entre os serviços desconcentrados do estado e os municípios foi prejudicada e no terreno surgiram organizações sociais financiadas pelo governo a rivalizar com as câmaras na prossecução de competências municipais. Todos esses embates desnecessários causaram ineficiências na utilização de recursos e perda de eficácia na concretização de objectivos de desenvolvimento. Reclama-se muito que a sociedade civil, seja local ou nacional, tarda a tornar-se autónoma e actuante. Certamente que contribui para essa inibição o elevado grau de conflitualidade política existente. Também não ajuda a centralização de iniciativa e de decisões tanto a nível central como local e o insuficiente esforço em motivar e facilitar protagonistas locais. Muitas dificuldades encontradas na selecção de candidatos compreendem-se pela estrutura do poder excessivamente personalizada que os presidentes de câmara acabam por construir para assegurarem o mandato e a posterior reeleição. Sendo quase pessoal, o Poder não é facilmente transferível. Devido a isso os partidos vêem-se apanhados numa armadilha: por um lado, têm dificuldades em renovar candidatos e em preparar eventuais sucessões; e, por outro, arriscam-se a perder as suas câmaras quando finalmente o titular desiste ou torna-se impossível reelegê-lo. O engajamento dos municípios no aproveitamento das vocações das ilhas e em torná-las competitivas é fundamental para o desenvolvimento equilibrado do país. Para que isso aconteça, há que mudar atitudes na governação do país. Opções como concentração na captação de fluxos externos e manutenção da lógica de redistribuição de acordo com critérios de poder devem ceder lugar ao engajamento com a economia mundial via exportação de bens e serviços. Se a mudança não for feita, irá manter-se o status quo: a centralização, a guerrilha política no palco municipal, a sociedade civil murcha e as disparidades entre as ilhas. O sucesso numa nova orientação, pelo contrário, implicaria o soltar das energias e uma motivação superior das pessoas e comunidades. Precisamente o que se pretende para garantir que todas as ilhas e recantos do país tenham a oportunidade de prosperarem e contribuíram para o progresso do todos.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Mercados e regulação



Nº 535 • 29 de Fevereiro de 2012
Editorial: 
O poder do mercado é hoje por todos reconhecido. Longe vão os tempos do fascínio pelas economias planificadas modeladas nos planos quinquenais soviéticos. A China comunista descartou os planos maoistas que a condenavam à miséria e entrou num ritmo de crescimento sem paralelo na história da humanidade. A Índia, mais tardiamente, abandonou o s constrangimentos dos planos e provou que podia crescer acima da chamada taxa hindu onde décadas a fio parecia estar encalhada. A queda do Muro de Berlim, em 1989, abriu um novo mundo já rendido à crença na supremacia dos mercados. Cabo Verde, em sintonia com o mundo à sua volta, também iniciou nos anos noventa o processo de reestruturação da economia, a par com a instalação da democracia. Foi liberalizada a economia, privatizadas as empresas públicas e promovida a iniciativa privada e o investimento externo. A saída do Estado dos sectores chaves da economia pôs, Cabo Verde, como noutras paragens que percorreram o mesmo caminho da liberalização, a braços com o problema de como evitar que o funcionamento do mercado fosse distorcido, prejudicando os consumidores e a competitividade do país. A solução era a regulação do mercado por entidades que, embora sendo públicas, não seriam limitadas na sua actuação por ditames políticos. Foi a solução que o Reino Unido de Margaret Thatcher tinha encontrado na sequência das privatizações profundas e extensivas que encetou nos anos oitenta. Os americanos, desde do tempo de Theodore Rooselvelt e das chamadas leis anti-trust, vinham acumulando uma experiência única na regulação, mas em finais da década de setenta já era percebida como estranguladora da dinâmica económica. A era de regulação que seguiu nos anos 90 e na década passada foi marcada pela tensão entre a necessidade de regular e a pressão para não a fazer em excesso. A crise internacional acontece quando a tendência para desregular vence em nome da inovação no sector financeiro e desequilibra tudo. Em Cabo Verde, a experiência de regulação iniciou-se nos últimos anos do governo do MpD e depois de um período de reestruturação foi continuada nos governos do PAICV. A regulação existente está longe de abranger toda a economia nacional. Uma grande faixa ainda vive na informalidade, enquanto quasi monó- polios e mesmo monopólios subsistem em sectores estratégicos como os combustíveis e os transportes aéreos. A inexistência de uma autoridade de concorrência dificulta uma abordagem abrangente do mercado, impede a gestão dos constrangimentos e prejudica a identificação de acções deliberadas de distorção do mercado. Paralelamente, verificam-se falhas graves nas prestações de vários serviços públicos com prejuízo evidente para os consumidores e o público em geral. Dizem os entendidos que a regulação para ser efectiva os reguladores devem estar a um nível superior de conhecimentos do que o detido pelas empresas reguladas. Só assim podem cumprir com a sua missão de assegurar concorrência no sector, propiciar produtos de qualidade e a preços justos e ainda favorecer a inovação. Naturalmente que atingir esse objectivo não é fácil e leva tempo. Para se ter sucesso nesse percurso há que garantir que as agências reguladoras sejam realmente independentes e tecnicamente competentes e que não sejam vistas a gerir politicamente tarifários de produtos sensíveis e a favorecer umas empresa em relação a outras. Na sexta-feira o parlamento discute uma novo regime jurídico das entidades reguladoras . Espera-se que da nova lei saia o enquadramento necessário para o desenvolvimento sólido das agências de regulação caboverdianas. O sucesso da economia e a satisfação dos consumidores depende disso.

terça-feira, fevereiro 21, 2012

Valorizar o Parlamento



Nº 534 • 21 de Fevereiro de 2012
Editorial: Valorizar o Parlamento
O Governador do Banco de Cabo Verde ainda está para ser ouvido na Assembleia Nacional pela comissão especializada competente. A audição, pedida pela Oposição, tinha como objecto fazer conhecer ao parlamento e à nação o estado actual do sistema financeiro e também avaliar o eventual impacto que as averiguações em curso à volta do tráfico de drogas e da lavagem de capitais poderão ter sobre o sector. A recusa do Paicv, escudada em interpretações procedimentais que mais parecem de conveniência diminui o parlamento como órgão de soberania fiscalizador do Governo e da Administração Pública. A “beleza” da democracia reside precisamente em ser um sistema de pesos e contrapesos, “checks and balances” em que o poder nunca é exercido exclusivamente a partir de um centro, ficando todos sujeitos à arbitrariedade e à discricionariedade de quem pode mais. Os direitos fundamentais defendem o indivíduo perante eventuais prepotências do Estado e os direitos das minorias garantem que a regra democrática do poder da maioria não evolua para uma tirania da maioria. Em Cabo Verde parece que ainda custa compreender que a democracia liberal e constitucional define-se melhor não como poder da maioria, mas sim como sistema de governo limitado. A Assembleia Nacional, como órgão representativo de todos os caboverdianos no seu pluralismo e na diversidade dos seus interesses, é central para o funcionamento da democracia. Como órgão plural assegura que a actividade do governo fique sujeita a permanente escrutínio e que perspectivas alternativas do interesse público sejam apresentadas e discutidas. O parlamento é mais eficaz quando, através dele, a nação, de forma compreensiva, acompanha a governação do país, sempre consciente de que em relação ao rumo traçado há outras visões, opções e prioridades possíveis. Desbarata o seu capital de confiança quando se mostra inoperativo e servil aos gostos, ditames e conveniências da maioria. Acontecimentos recentes lançaram uma névoa sobre o sistema financeiro que importa clarear o mais rapidamente possível. Nesse sentido, a audição do Banco de Cabo Verde é algo de maior urgência porque, enquanto entidade supervisão do sector, saberá certamente transmitir a dimensão dos estragos e aconselhar em como contê-los. Em Novembro último já se fazia necessário uma audição parlamentar do Banco Central para uma avaliação do impacto da crise internacional sobre a economia caboverdiana. A resposta azeda do governo às declarações do Governador do Banco de Cabo Verde sobre medidas que urgiam ser tomadas no momento, teria porém funcionado como dissuasor de diligências nesse sentido. No caso presente, é o Primeiro-ministro que, num pronunciamento pouco curial, porque se trata de competência de outro órgão de soberania, diz concordar com a audição ao Governador do BCV. Na prática, porém, nota-se que três semanas depois do pedido de audição formulado, nada acontece devido a diferenças aparentemente inultrapassáveis de interpretação do Regimento da Assembleia Nacional. De facto, é negado o poder potestativo que nos parlamentos democráticos se dá aos deputados minoritários de provocar a audição de entidades públicas sem necessidade de acordo da maioria. Esvaziar o poder de fiscalização da Assembleia Nacional diminui aos olhos do público a instituição central da República e desequilibra o sistema democrático. Muitas das críticas dirigidas ao parlamento e aos deputados provém de uma percepção popular de que a sua função no sistema não anda a ser exercida de forma plena. Pode mostrar-se vantajoso para quem no momento governa ter um parlamento fragilizado, mas a realidade é que, a prazo, todos sofrem porque o cidadão comum fica sem protecção perante o Estado: o pluralismo a todos os níveis é restringido e alternativas não são construídas. Valorizar o parlamento, particularmente na sua vertente fiscalizadora, é essencial, nos tempos de hoje, para a sua legitimação, aos olhos de todos, como órgão de soberania.

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

SIR: sucesso depende de fiscalização



Nº 533 • 15 de Fevereiro de 2012
Editorial:
Finalmente o Governo resolveu falar no Sistema de Informações da República. Em Nota de Imprensa, o Gabinete do Primeiro Ministro procurou justificar-se por factos trazidos a público duas semanas atrás por este jornal: a falta de fiscalização parlamentar da actividade dos serviços secretos e falta de controlo dos dados desses serviços por magistrados do Ministério Público como manda a lei. Na mesma nota, o governo também quis negar que fontes do SIR tinham passado informações ao jornal Asemana mesmo em face das declarações de deputados da comissão parlamentar de fiscalização confirmando a fuga de informações. Desde de Fevereiro de 2010 a Assembleia Nacional votou uma Comissão de Fiscalização constituída por três deputados para acompanhar os trabalhos do SIR. Não se compreende que, nestes dois anos, só tenham realizado dois encontros e que o primeiro dos relatórios trimestrais obrigatórios fosse entregue apenas há poucos dias. Também foge à compreensão saber que, apesar de o Director do SIR ter sido nomeado a 27 de Janeiro de 2010, que só “neste preciso momento é que a estrutura física da base de dados está a ser montada”. E que, por isso, os magistrados do ministério público nomeados para controlar a legalidade dos dados colhidos nada fiscalizaram até hoje. A clara falta de sinceridade nas informações trazidas a público é realmente preocupante. Os serviços de Informação servem ao Estado e não qualquer elite governante. A actividade de recolha e tratamento de informações é matéria necessária, mas é delicada porque pode pôr em perigo os direitos e liberdades dos cidadãos. Por outro lado a “inteligência” produzida pelos serviços só é útil se não se subordina aos ditames da política e, pelo contrário, ilumina, informa e complexifica a feitura de políticas públicas em particular nos domínios da segurança, da defesa e das relações externas. Para que o SIR cumpra com a sua missão é indispensável que a sua fiscalização pelos órgãos de soberania, Assembleia Nacional e Presidente da República, e também pelo Ministério Público, o órgão de defesa da legalidade, seja efectiva e permanente. Mesmo nas democracias mais consolidadas, constatam-se desvios politicamente motivados dos serviços de informações. A guerra no Iraque por, exemplo, foi justificada com informações fabricadas pela CIA sobre a existência de armas de destruição massiva. Em Portugal, recentemente, o parlamento esteve a averiguar denúncias de funcionamento impróprio dos serviços secretos. Também na Alemanha, em fins de Janeiro último, os serviços de informação chamados de “Protecção da Constituição” foram acusados de espionar membros de partidos da oposição. Estes e muitos outros exemplos demonstram que não se pode ser complacente com estes serviços. A possibilidade de abuso existe e só a fiscalização estrita por entidades independentes pode dar alguma garantia. A instituição do SIR em Cabo Verde já demonstrou padecer de problemas sérios. O SIR foi criado por lei em 2005, mas a regulamentação da lei só veio a se verificar em Dezembro de 2009. Em Janeiro de 2010, o governo nomeou o Director Geral mas dados vindos a público demonstram que dois anos antes já era interlocutor de serviços similares estrangeiros e dirigia a instalação dos serviços. Todo este trabalho na sombra não traz tranquilidade aos caboverdianos. Há uma experiência de décadas com a polícia política: primeiro a PIDE/DGS do regime salazarista e depois a Segurança do regime de partido único que ninguém quer ver repetida. É fundamental que o SIR seja instituído com todas as salvaguardas necessárias, em particular sob o controlo do Parlamento e que Governo dê provas que irá dirigir todo o processo com a necessária honestidade, competência e respeito pelos direitos dos cidadãos.