Editorial Nº 567 • 10 de Outubro
de 2012
Reprocessar
o chip do governo
No discurso do início do ano
judicial, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça reagiu às tentativas de
culpabilizar os tribunais por fracassos na luta contra a criminalidade urbana.
Classificou a abordagem que se tem feito do problema como unilateral e rejeitou
a ideia que os tribunais têm sido ineficazes nessa luta. Também, de acordo com
o despacho da Inforpress, “manifestou a sua discordância do facto de ao direito
penal ser atribuído o grosso das responsabilidades nesta luta e alertou para a
necessidade de se encontrarem mecanismos complementares para dar combate ao
fenómeno”.
A recomendação para se confrontar os
fenómenos da delinquência juvenil e da criminalidade urbana de forma
abrangente e complexa devia vir do governo que é quem tem responsabilidade na
condução da política interna e externa do país. Da mesma forma esperava-se do
governo que soubesse mobilizar a boa vontade de todos para melhor materializar
os seus objectivos. Não que provocasse reacções de quem injustamente se sente
apontado como factor de ineficácia do sistema, se não mesmo de bloqueio, do que
devia ser uma linha de acção mais efectiva. Claramente algo vai mal quando o
principal bem que se espera do Estado é a garantia de segurança e quem o dirige
esquiva-se das responsabilidades e atira a culpa para os outros.
No relatório do Conselho Superior do
Ministério Público já se encontrava a nota que repetia o que muitas vezes os
cidadãos caboverdianos ouvem da Polícia: “nós já fizemos o nosso trabalho, os
juízes e os procuradores que façam o seu”. O governo é quem dirige e
responsabiliza-se pela polícia e não pode permitir que críticas
desculpabilizantes sejam reiteradamente atiradas contra o poder judicial. Deve
agir decisivamente para pôr todo o sistema a funcionar eficazmente de forma a
que os cidadãos se apercebam de que há evolução positiva na prevenção e no
combate ao crime. Deixando as instituições soltas para mutuamente se acusarem,
produz um ambiente em que positivamente não haverá melhoramento da prestação e
os problemas são atirados para debaixo do tapete até que um dia explodem na
cara das pessoas.
Patético também é repetir anos a fio
que artigos do Código do Processo Penal dificultam a acção da polícia no
combate ao crime. Se é assim, pergunta-se porque é que o governo que tem capacidade
para levar legislação rectificativa ao Parlamento e tem uma maioria parlamentar
que o pode aprovar tranquilamente, não o faz. Consequência da inacção é a falta
de resultados, a imaturidade organizacional que resulta do muito reclamar e
pouco aperfeiçoar e a dispersão de recursos que normalmente se quereria
focalizados para dar combate ao crime.
Ou então trata-se de uma briga
ideológica em que uma lógica securitária colide os princípios e valores da
democracia liberal plasmados na Constituição da República. Uma briga já perdida
porque não evidência nem cá nem lá fora que a brutalidade policial e o atropelo
de direitos alguma vez trouxe segurança aos cidadãos. Bem pelo contrário como
se pode constatar em qualquer ditadura. As pessoas vêem-se na total dependência
do Estado e praticamente indefesos perante potenciais abusos contra eles
perpetrados.
Há dias o Sr. Primeiro-ministro
lançou o sound bite da mudança de chip. Ficou-se por saber quem vai promover
essa engenharia social. Se vamos ter uma reedição da construção do homem novo à
moda da década de setenta e oitenta ou se será iniciativa pessoal de cada um.
Também não ficou claro se o tal chip funciona em todos os ambientes possíveis.
E se por exemplo o governo continuar a não promover o mérito, a partidarizar a
administração pública, a sacrificar o sector privado nacional e manter
políticas activas de aumento da dependência das pessoas, o chip made in
Singapura irá funcionar. Não nos parece. Como alguém já disse, e repetidamente
se constata, as pessoas reagem aos incentivos.
Por isso o que se espera do governo
é que assuma as suas responsabilidades, não varra os problemas para debaixo do
tapete, não passe a culpa para os outros e resista à tentação de soluções
fáceis com base em engenharias duvidosas. Se pelo contrário tiver visão,
estratégia e souber encadear os incentivos certos, verá que terá resultados. E
não será necessário mudar o chip. O existente saberá adoptar um sistema
operativo novo.
A Direcção