Expresso das ilhas, edição 646 de 16 de Abril de 2014
EDITORIAL:
Nesta semana os
cabo-verdianos constataram que invariavelmente o governo mostra-se contente com
os resultados das suas políticas. Contente com descidas no desemprego de 0,4%
mesmo que seja à custa do aumento do subemprego e da classificação de
muita gente já desesperançada como população
inactiva. Contente com os dados das contas nacionais do INE que põem a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto de
2012 em 1,2 %. Provavelmente continua satisfeito com a taxa de 0,5 % para o PIB
de 2013 calculado pelo FMI no World Economic Outlook do corrente mês de Abril.
O Sr. Primeiro-ministro mostrou-se ainda contente com a perspectiva de a
ELECTRA começar a ter lucros, embora esses lucros só sejam possíveis com preços
de electricidade dos mais altos do mundo.
Passou a ser habitual
classificar-se de optimista e de positiva a posição do governo que não muda ou
não reconsidera as suas opções face a resultados decepcionantes. Serve bem para
contrapor aos críticos das políticas ou aqueles que vêem, nos baixos
resultados, sinais comprometedores do futuro. Esses seriam os negativos e os
pessimistas. A realidade é que uma atitude dessas constitui, de facto, um
convite ao conformismo das populações, uma via para manter as pessoas enredadas
numa perspectiva de curto prazo e uma forma de negar qualquer alternativa ao
rumo actual seguido pelo país. Faz tábua rasa da experiência recente de vários
países que se deixaram levar por euforias diversas, mas que depois foram
forçados a acertar o passo de forma drástica. Ninguém pode viver
indefinidamente acima das suas posses.
Dani Rodrik, o especialista
de Harvard em políticas de desenvolvimento, num recente artigo, notou que a
travagem no crescimento de alguns países em desenvolvimento devia-se ao facto
de “segmentos de baixa produtividade” dessas economia não estarem a
encolher, mas sim a expandir. Em vez da transferência de trabalhadores de
sectores tradicionais e de baixa produtividade como a agricultura e os pequenos
serviços para o trabalho industrial e para os serviços modernos
verificava-se precisamente o contrário. A mudança ia no sentido de
actividades transaccionáveis para não transaccionáveis, de sectores organizados
para informalidade, de empresas modernas para tradicionais e de empresas de
grande e média dimensão para empresas pequenas e não no sentido inverso que
é típico nas
economias em crescimento rápido. Para Dani Rodrik essa é a via de perda de
produtividade, da incapacidade de ganhar competitividade a e da impossibilidade
de criação rápida de postos de trabalho.
Os dados sobre o crescimento
e emprego de Cabo Verde referidos acima, conjugados com a dívida pública já
projectada para 115 % do PIB em 2014 deviam merecer uma outra reacção do
governo que não o regozijo público por pretensamente estarmos a enfrentar bem
os efeitos da crise financeira. Aliás, quando se reconhece que urge gerir
melhor as infraestruturas, ponderar melhor os investimentos públicos, avançar
com privatizações e reformas na administração pública é porque algo falhou nos
cálculos anteriores. Não se está a crescer como previsto, nem a criar emprego
suficiente e nem a mobilizar investimento privado como esperado. O problema é
que não se vai à raíz dos problemas e prefere-se persistir no caminho já conhecido
de mobilizar mais financiamentos públicos para suprir a falta de retornos nos
feitos anteriormente. A projectos antigos sucedem-se projectos novos e a
infraestruturas existentes sucedem-se outras sem que se consiga, com uma gestão
adequada, extrair o retorno desejável.
Agrava ainda as coisas o
facto de nesse mar de ineficiência o impacto dos novos investimentos na
economia já seguirem a lógica dos retornos decrescentes. Quando, por exemplo,
no caso da ELECTRA, se procura ultrapassar os constrangimentos imensos da
empresa com uma tarifa brutal das mais altas no mundo, todos pagam. O custo é
suportado pelas famílias, pelas empresas e pela economia do país que com os
actuais preços de energia e água não tem como ser competitiva. Falar de lucros
da ELECTRA neste contexto é descabido. De facto, está-se literalmente a tirar
dinheiro dos bolsos das pessoas para pagar as políticas erradas seguidas
durante mais de uma década no sector de energia e água.
A atenção governativa devia
orientar-se no sentido apontado por Dani Rodrik de estímulo à produção e ao
crescimento da produtividade. Como ele diz, o apoio às pequenas empresas serve objectivos de política social,
designadamente de luta contra pobreza, mas não substitui políticas e incentivos
direccionados para os sectores modernos e de bens transaccionáveis. A falta de
clareza e foco neste aspecto só contribui para que ano após ano se ver os dados
reais da economia a ficar sempre muito aquém das previsões e demasiado abaixo
das médias regionais africanas e de economias insulares semelhantes. O país
precisa de uma dose de realismo e de pragmatismo que não se deixa esvaziar pelo
estilo de governação de campanha permanente.