Expresso das ilhas, edição 659 de 16 de Julho de
2014
Editorial
À discussão sobre a
regionalização junta-se agora o tema da criação de autarquias inframunicipais.
As razões para o debate sobre a regionalização são múltiplas mas basicamente
provêm da percepção de que algumas ilhas estarão a ficar para trás. São Vicente
com o seu nível de desemprego dos mais altos do país é apontado como o caso
paradigmático. Já para justificar as autarquias inframunicipais, a questão da
falta de autoridade parece a razão principal. Numa intervenção recente o
Primeiro-ministro José Maria Neves aventou a hipótese da criação de freguesias
e de julgados da paz com vista a “resolver
o vazio que há em várias regiões mais remotas do país em relação à presença
e/ou intervenção dos poderes e autoridades locais”.
A Constituição
cabo-verdiana estabelece que as autarquias locais são os municípios, podendo a
lei criar autarquias supramunicipais e inframunicipais. A Constituição não diz
em que condições essas novas entidades podem ser criadas mas afirma que são
autarquias, ou seja, pessoas colectivas de base territorial com poderes
administrativos e órgãos representativos. Aparentemente fora de questão fica a
possibilidade de, no âmbito da descentralização do país, se criar regiões
políticas.
O problema é que muito
do que tem motivado a sociedade a discutir a regionalização tem a ver com a
possibilidade de localmente nas ilhas se ter poderes que não são propriamente
das autarquias, mas que eventualmente podem ser de regiões políticas autónomas
como a Madeira e os Açores. O mesmo parece acontecer com os argumentos para se
avançar com as freguesias. A falta de autoridade nas localidades mais remotas
particularmente em matéria de conflitos e ordem pública só é, de facto,
resolvida pela intervenção do Poder Central que tem competências exclusivas em
matéria de organização dos órgãos de segurança. Os julgados de paz a que o PM
se referiu são realmente tribunais e a relação com quaisquer autarquias só pode
ser de parceria no processo da sua instalação. Não se confundem, como alguns
pretendem sugerir, com os tribunais de zona dos tempos do partido único que
conjuntamente com as milícias populares eram órgãos partidários que integravam
o aparato repressivo do regime.
Os equívocos nestas
matérias alimentam-se da inquietação crescente da sociedade cabo-verdiana
quanto ao futuro próximo. O país cresce a um passo anémico, a pesada dívida
pública diminui a capacidade de intervenção do Estado e não é visível que se
tenha melhorado a capacidade de o país em atrair investimento externo e em
produzir bem e serviços para exportação. Com o sufoco do sector privado
nacional sente-se ainda mais os efeitos do centralismo do Estado. A reacção
geral tem sido de pressionar no sentido de descentralizar para melhor
redistribuir os recursos por todas as ilhas. Indo por essa via, nada, porém,
está garantido. Ninguém sabe se os recursos adicionais que virão com as novas
autarquias serão suficientes para diminuir as assimetrias existentes. Uma outra
incógnita é se os novos poderes, quando localmente exercidos, mudarão
suficientemente o ambiente de negócios para que a região seja mais dinâmica na
atracção de investimentos.
Outros países fizeram
diferente. Confrontados com baixas taxas de crescimento e elevada taxa de
desemprego, reagiram de outra forma. Uns, como as Maurícias, a China e os
chamados Tigres da Ásia criaram zonas económicas especiais com facilidades nos
domínios fiscais, laborais e de acesso a factores como energia e água.
Resolveram o problema do desemprego, cresceram a taxas elevadas, aumentaram as
exportações e criaram uma base industrial e de serviços. Outros, como as
Seychelles, adoptaram uma atitude positiva em relação ao turismo, desenvolveram
uma cultura de serviço e esforçaram-se por tornar a estrutura produtiva
nacional cada vez mais inclusiva de todos os cidadãos nacionais e sintonizada
com as necessidades de uma expansão induzida pela procura externa.
Não se deixaram cair na
tentação de ver a dinâmica da economia como resultado fundamentalmente de um
esforço de cima para baixo, do Estado para os cidadãos. Perceberam que há
limites no que o Estado pode propiciar. Se o sector privado não arrancar, se
não houver aumento de produtividade e se o país não ganhar competitividade
externa inevitavelmente virão tempos de crescimento baixo e desemprego alto e
persistente. A simples relocalização dos meios escassos do Estado, sem que se
mude a eficiência e eficácia da administração, sem que se reorientem as
políticas de incentivo à iniciativa privada e sem que se fomente uma nova
atitude que valorize o conhecimento, reconheça o mérito, e premeia a
criatividade e gosto pelo risco, não trará mudanças significativas.
Entidades
descentralizadas tanto a nível supramunicipal como a nível inframunicipal são
importantes, mas não podem ser vistas como panaceias para os problemas
complexos que se põem ao país e às populações em todos os pontos do território
nacional em relação às suas pretensões justas de ter uma vida melhor. Sob pena
de se vir a assistir ao crescimento da frustração e a sinais cada vez mais
inquietantes de ressentimento e mesmo raiva com todas as consequências que se
pode adivinhar, é fundamental que se consiga o engajamento do todo nacional num
caminho que a ser seguido se poderá vislumbrar um futuro justo e próspero para
todos.