Expresso das ilhas, edição 658 de 9 de Julho de 2014
Editorial
A comemoração da
independência todos os anos no dia 5 de Julho deve ser um momento alto da
afirmação da unidade da comunidade política nacional à volta de um sistema de princípios e valores
onde sobressaem o respeito pela dignidade humana, o direito à liberdade e à
vida e o desejo de paz e justiça. O acto central das comemorações acontece na
Assembleia Nacional com a mensagem à Nação do presidente da república e
intervenções dos representantes dos partidos políticos e do presidente do
parlamento. Os outros órgãos de soberania, o governo e os tribunais
conjuntamente com altos dignatários nacionais e estrangeiros e outros
convidados assistem mas não participam.
Por alguma razão só têm
protagonismo nas comemorações centrais o presidente da república e o parlamento.
São os órgãos que representam a nação. A Assembleia Nacional representa a nação
na no seu pluralismo e diversidade de interesses e o Presidente suprapartidário
incarna a unidade da nação. Tensões surgem, quase que inevitavelmente, se o
governo exceder em protagonismos.
Geram-se controvérsias
diversas e o dia que por excelência devia ser de demonstração de unidade passa
como um dia normal de disputa política acesa. Governos, embora legitimados para
perseguir o interesse público, não deixam de o fazer com base nas suas
convicções filosóficas próprias e de recorrer a políticas nem sempre
partilhadas por todos.
O presidente da
república no seu discurso de 5 de Julho disse que a “independência nacional não
se discute nem se questiona”. De facto, a nossa existência como comunidade
política nacional não é matéria que posse ser posta em causa, nem hoje nem
amanhã.
A Constituição é clara
quando define como tarefa primeira do Estado
defender a sua integridade territorial
e como dever patriótico dos cidadãos
participar nessa defesa. Mas a defesa da independência não significa a defesa
dos governos que se sucederam ao longo dos anos. E a defesa da independência
não está separada da defesa da liberdade, do pluralismo, do multipartidarismo,
do direito de escolha dos governantes por sufrágio universal directo, da
independência dos tribunais e da comunicação social livre. As próprias forças
armadas são mandatadas para defender a independência e a ordem constitucional
vigente.
Andou mal o governo
neste 39º aniversário da independência ao trazer para as comemorações o
reconhecimento que escolheu fazer ao governo do regime de partido único.
Primeiro, governos não dão medalhas a outros governos. Actos similares quando
acontecem são recebidos pelos cidadãos com cepticismo e uma boa dose cinismo
quanto às reais motivações. Segundo, não podia, em boa-fé, pretender com esse
acto unir os caboverdianos. A memória do regime ainda está fresca e sente-se
que os seus protagonistas não se contentam com nada na procura de justificações
para as suas tomadas de posição. Hoje é-lhes reconhecido um papel ou lhes é
dado um privilégio, amanhã exigem algo mais. A factura a pagar parece não ter
fim.
A unidade nacional
consegue-se com a aceitação das diferenças, a escolha livre dos governantes e a
possibilidade de construir alternativas de governação, mas tudo no quadro de
valores e respeitando os procedimentos existentes na Constituição. Não é
forçando a nação a confrontar-se em jeito de gratidão com um regime que é o
oposto do regime actual de liberdade, paz e justiça e depois vir a terreno
acusar os outros de contribuírem para a crispação política e de serem contra a
independência nacional.
Ninguém é contra a
independência nacional, mas todos devem ser avessos a regimes políticos
opressivos contrários ao nosso sistema constitucional. Em particular, os que
exercem funções públicas e de soberania deviam cumprir com o devido rigor o
juramento solene que fizeram na tomada de posse das suas funções de defender a
Constituição da República.
Cabo Verde celebra o
39º aniversário da sua independência num momento crítico da sua existência.
Terminada a transição para país de rendimento médio, poucas possibilidades terá
de manter o seu ritmo de desenvolvimento com base na ajuda externa seja em
donativos ou empréstimos concessionais. O modelo de ajuda esgotou-se. A taxa
média de crescimento de 1.2% nos últimos anos, o desemprego elevadíssimo, a
cada vez mais excessiva dívida pública sugerem que os recursos da ajuda público
ao desenvolvimento não foram bem utilizados. Agora que se é obrigado a
substitui-los por capitais privados nacionais e estrangeiros, constata-se
que nem o Estado tem mais margem para se
endividar nem o país fez o suficiente para se tornar competitivo e mais engajado em sectores como
o turismo em que as potencialidades são
reais.
Países como as
Maurícias e Seychelles tiveram os seus momentos difíceis. Conseguiram
ultrapassá-los criando uma vontade política nacional focalizada em fazer ganhar
o país em matéria de exportações de bens e serviços e na prestação de serviços
em sectores como o turismo e finanças. Em Cabo Verde fica-se com a impressão
que ainda não se aprendeu a cooperar nos diferentes sectores respeitando a
diferença. Privilegiam-se tácticas que tendem a passar uma imagem de irrelevância
e de falta de poder às forças da oposição. Normalmente face a isso
ressentimentos diversos proliferem e diminuem ainda mais as possibilidades de
entendimentos, acordos e consensos.
Apelos “à energia
positiva” e “alto astral” não são respostas válidas à frustração, resignação e
mesmo desespero que muitos sentem perante promessas não cumpridas e
expectativas que não se confirmam. Até parece que se está a culpar a vítima e a
dizer-lhe que tudo depende dele quando a realidade é muito diferente. Está
provado que discursos e actos populistas pela simplificação da realidade,
exploração de sentimentalismos e o exacerbar de paixões identitárias prejudicam
extraordinariamente o debate público. Há que os evitar. Neste momento crítico,
em que se procuram soluções de crescimento e emprego, não se devia estar a
aumentar o distanciamento entre os partidos, a procurar infantilizar a opinião
pública e tornar mais difíceis os compromissos.
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