Expresso das ilhas, edição 663 de 13 de Agosto de
2014
Editorial
Mais uma vez Cabo Verde
encontra-se perante o dilema de como agir perante epidemias que se desenvolvem
no continente e podem chegar às ilhas. Fechar-se ou gerir com sabedoria e
determinação o fluxo permanente de pessoas com a sub-região.
Na região vizinha da
África várias doenças são endémicas entre as quais o paludismo, a febra amarela
e a dengue. De tempos em tempos, verificam-se surtos de doenças como a cólera,
a poliomielite e a meningite. Uma vigilância permanente em matéria de saúde
pública deve caracterizar a relação de Cabo Verde com os países vizinhos,
principalmente quando crescem trocas comerciais e aumenta a circulação de
pessoas. Com uma economia cada vez mais a contar com o turismo para crescer e
criar emprego, todo o cuidado é pouco para se manter a imagem de ilhas livres
dos males que assolam o continente.
O surto actual do Ébola em vários países da costa ocidental africana já
foi considerado o pior das últimas décadas. A OMS apressou-se em proclamar uma
situação de emergência internacional e recursos humanos e materiais têm sido
canalizados num esforço de contenção dessa doença mortífera. A gravidade da
situação advém do facto de ainda não se ter desenvolvido uma vacina contra o
vírus do Ébola e não há um tratamento específico contra os seus sintomas. Entre
55-60% dos doentes acabam por sucumbir.
Surtos anteriores em áreas remotas da África Central e do Uganda foram
efectivamente confinados e não causaram as apreensões de hoje. A diferença é
que o caso actual do Ébola desenvolve-se
em zonas altamente urbanizadas, com baixo nível de saneamento e com
fragilidades evidentes ao nível de estruturas de saúde pública. A partir do
ponto de origem na Guiné-Conacri passou rapidamente para a Serra Leoa e
Libéria. Na Nigéria, no Ruanda e mesmo na Arábia Saudita foram identificadas
pessoas provenientes desses países já com sintomas da doença. Preocupados com a
evolução do Ébola nesses países, quase dois mil indivíduos já foram
contaminados e já com mais de mil mortos, vários países africanos já tomaram medidas
restritivas. Em consequência vários voos foram suspensos e já se procede ao
controlo estrito dos passageiros vindos dos países já confirmados com casos de
ébola. As Seychelles não autorizaram a vinda da selecção de futebol da Serra
Leoa que ia defrontar o país anfitrião em jogo da segunda mão a contar para as
eliminatórias do CAN 2015.
As autoridades cabo-verdianas esforçam-se por demonstrar que têm o
controlo da situação no que respeita, em particular, ao escrutínio rigoroso de
quem chega às ilhas via aeroportos e portos do país. A ministra da Saúde
afirmou mesmo que o país detém um sistema de segurança marítima que permite
detectar “qualquer embarcação que chega a
qualquer enseada ou baía”. Esperemos que assim seja. O problema é se algum
viajante oriundo dos países com surto do Ébola esteja contaminado e ainda não
desenvolveu sintomas. Quando os sintomas aparecerem, poderá não estar rodeado
de pessoas que reconheçam imediatamente a doença. Tratando-se de um imigrante
poderá não estar no melhor ambiente em termos sanitários ou mesmo de
sensibilidade cívica que facilite o contacto com as autoridades e o conduza
rapidamente ao tratamento e isolamento. A resposta nestes casos não será fácil.
Perder-se-á tempo e o perigo de contágio multiplica-se.
Com a globalização, a facilidade de transporte e o aumento exponencial
na circulação de pessoas por todo o mundo ninguém está livre de epidemias que
surjam em qualquer parte do mundo, sejam elas de sida, gripe das aves, ébola ou
qualquer outra ainda não conhecida. O aumento da população mundial
particularmente em certas regiões como a África põe sobre pressão o habitat
animal e uma das consequências é a possibilidade de o vírus de animais fazerem
o salto para o homem e aparecerem novas doenças contagiosas. Perante tais
contingências uma aposta certa é a saúde pública. Ter uma população educada na
forma de estar e de agir e aberta aos procedimentos necessários em caso de
qualquer surto é fundamental para se obter respostas rápidas e eficazes de
contenção de epidemias. Acrescenta-se a isso a preocupação com o saneamento do
meio e o acesso da população às estruturas sanitárias. Uma particular atenção
devem merecer os imigrantes considerando o meio onde vivem, a sua cultura e as
eventuais resistências a apelos dos agentes de saúde pública. O que pode
funcionar na comunicação com a população autóctone poderá não surtir efeito
neles.
Ilhas são vistas idilicamente como paraísos livres dos males de outras terras. É
uma imagem que convém manter para se manter a ilha atractiva. Tratando-se de
Cabo Verde, ela é essencial para se manter o fluxo turístico oriundo da Europa
que é crucial para o desenvolvimento. Neste momento em particular, urge
desenvolver políticas que inflictam o actual abrandamento da procura turística
referenciado nos documentos do BCV. Políticas que façam aumentar o número de
turistas, abram o leque de ofertas e incentivem o turismo de maior valor
acrescentado e com maior efeito de arrastamento sobre a economia nacional. Para
isso a imagem é
fundamental. Em situações de emergência como é esta do Ébola, transmitir
confiança que as autoridades tomarão decisões certas e tempestivas face a
qualquer contingência ganha importância crucial.