O conflito com a empresa Oi terminou formalmente no dia 22 com a “recompra” dos 40% das acções que detinha na CVTelecom.
A empresa brasileira teria comprado as acções da Portugal Telecom numa operação que não foi de conhecimento imediato da parte cabo-verdiana. O contencioso que se seguiu depois de passar pelos tribunais cabo-verdianos, com desfecho positivo para os accionistas nacionais, foi levado ao tribunal arbitral de Paris onde tudo leva a crer que Cabo Verde arriscava-se a pagar 120 milhões de dólares à Oi entre indeminizações e outros custos, em vez dos 26 milhões necessários para as reaver. Como acontece nestas situações, o assunto foi mais uma oportunidade de confronto político onde mais se acusou do que se esclareceu. A tentação foi de se reabrir o debate em como a privatização se processou no passado em vez de se concentrar em como agir para dinamizar um sector vital nos tempos de hoje que paradoxalmente em Cabo Verde há anos que dá sinais de dificuldades com contributos baixos e até negativos para o PIB nacional, segundo o Relatório Anual do BCV de 2017.
Os quadros do INE são também claros a mostrar que as telecomunicações, actividades dos serviços relacionados com as tecnologias de Informação é um dos componentes do Produto Interno Bruto que desde de 2009 vêm diminuindo a sua contribuição. A constatação desse facto há muito que devia ter sido um alerta para os governantes. Indicia claramente que não estão a dar os resultados prometidos para o sector que devia ser estratégico para a economia cabo-verdiana tanto como motor de crescimento económico, como criador de empregos em particular para os jovens em todas as ilhas. Têm sido anos e até décadas a falar de Cabo Verde como hub para a economia digital e em fazer de Cabo Verde uma Cyber Island mas parece que se ficou essencialmente no discurso, sem acção consequente. O mesmo não aconteceu, por exemplo, nas Maurícias que despertou para a economia digital nos primeiros anos deste século, praticamente no mesmo momento que Cabo Verde. Actualmente são cerca de 20 mil os postos de trabalho criados no sector das tecnologias de comunicação e informação.
Conseguiram porque souberam agir estrategicamente e fazer os investimentos necessários com a urgência de quem precisa diversificar a economia para continuar a crescer. Não podiam ignorar que o panorama do comércio internacional iria mudar com o fim, em 2005, do Sistema Geral de Preferências (GSP) que permitia acesso fácil aos mercados da Europa. Tinham de diversificar para além das exportações de têxteis e do açúcar para a economia digital, serviços financeiros e turismo de grande valor acrescentado. Economias insulares não podem ficar fixadas no que deu certo no passado. Com recursos naturais limitados e mercado interno extremamente pequenos a grande aposta deve ser na educação e formação profissional para alavancar o único recurso com que realmente podem contar: as pessoas. Se o contributo das pessoas pode ser trabalho à distância e os serviços dirigidos para a procura externa consegue-se ultrapassar os constrangimentos da dimensão, da dispersão territorial e do isolamento em relação aos grandes mercados. É o que conseguiram fazer com os call center, os back offices e todos os serviços que se enquadram nos chamados Business Processing Operations (BPOs). E os ganhos são os já conhecidos.
Em Cabo Verde, no mesmo momento ouviu-se o mesmo discurso da importância da economia digital, da aposta nas tecnologias de informação e comunicação e da necessidade de competências linguísticas designadamente do inglês. O problema é que o discurso não levou ao diálogo útil, à construção de uma vontade com sentido de urgência e de oportunidade e também à implementação de um plano de investimentos estratégico que materializasse a visão nele contido. É verdade que houve muitos e vultosos investimentos designadamente em banda larga, nos serviços do móvel, na governação electrónica, no alargamento do ensino secundário e universitário e na construção de data centers. O problema é que todo esse dinheiro gasto pelo Estado, pelos privados e pelas famílias em educar os seus filhos não está a resultar nos empregos e aumento de rendimentos que foram perspectivados. As empresas de telecomunicações depois de fazerem chegar os seus serviços a toda a população já se ressentem da falta de tráfico que uma economia digital dinâmica e a exportar serviços poderia oferecer. Mesmo inovações no sector poderão tardar em ser adoptadas se a expectativa de retorno dos investimentos necessários ficar aquém do aceitável.
Não é certamente por acaso que só agora é que o país vai adoptar o 4G enquanto o mundo já se prepara para o 5G. Num sector em que as inovações acontecem a ritmo vertiginoso não fazer investimentos em tempo certo pode significar ficar para trás, perder competitividade e desperdiçar oportunidades únicas. Modelos de negócios que outrora funcionaram, deixam de garantir retorno – caso da voz nos velhos Telecom – e provavelmente não é possível nem aconselhável voltar atrás e restabelecer monopólios ou posições dominantes no mercado para garantir sustentabilidade. Importa ao país que realmente tenha uma infraestrutura de comunicações moderna e competitiva. Há entretanto que coordenar esforços e agir estrategicamente e com sentido de urgência para que se crie a economia digital capaz de inverter a situação actual e o sector passar a dar um contributo positivo para o PIB.
Os acontecimentos da semana passada poderão estar a abrir uma nova etapa no sector de telecomunicações em particular se o governo encontrar o parceiro estratégico certo para isso. Importante porém é que se compreenda que se está ainda muito longe da realização das promessas muitas vezes badaladas da economia digital. Seria extraordinário que se materializassem, num país arquipélago como Cabo Verde, considerando os vários constrangimentos da mão-de-obra passiveis de serem ultrapassados com conectividade fiável, estável e a baixo custo. Para isso é fundamental a alavancagem dos recursos humanos do país. Infelizmente é precisamente o que não se conseguiu até hoje como se pode inferir dos níveis de desemprego particularmente dos jovens com estudos secundários e universitários. Impõe-se uma mudança urgente de rumo. São necessários diálogos, compromissos e visão do futuro. É realizando isso que o Poder se legitima.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 913 de 29 de Maio de 2019.