No dia 30 de Junho completam os primeiros 100 dias do terceiro governo do Dr. José Maria Neves. O balanço não é positivo. Em vez de um governo enérgico, imaginativo e confiante depara-se com um quadro que lembra governos em fim de mandato: Líder contestado, população descrente na capacidade do governo em resolver problemas básicos de emprego, segurança e energia e água; promessas como o do 13º mês simplesmente abandonadas.
Nas democracias o período inicial do mandato é escrutinado para análise. Procuram-se indícios das políticas que vão marcar a legislatura. Pressentem-se o comprometimento e a energia que as grandes questões irão merecer. Avalia-se a destreza, segurança e lucidez na arte de reunir vontades para concretizar os objectivos e metas escolhidos. A própria Oposição e a comunicação social dão um tempo de graça para se ver o que novo governo é capaz.
Findos os cem dias do governo do PAICV notam-se sinais de fadiga e desalento. A continuidade de políticas, de estruturas e de personalidades no executivo não dá confiança que alterações significativas verificar-se-ão no emprego, na diminuição de desigualdade social e na contenção da centralização do país. Por outro lado, a crise internacional não parece ter despertado a liderança para os novos desafios da economia global. Insiste-se com o “Estado Providencial” mantem-se a rotina de acusar os adversários de deslealdade e de tentar destruir esse mesmo estado. Quando confrontado com os riscos de recorrer a empréstimos externos para impulsionar o crescimento o governo é ainda incapaz de apontar os investimentos privados que vão substituir os investimentos públicos e suportar as taxas altas de crescimento necessárias ao pagamento da dívida e à elevação do nível de vida.
A crise de água que atingiu a Praia durante semanas e em menor escala várias outras ilhas, acompanhada das exasperantes cortes de energia, abalou consideravelmente a confiança das pessoas no governo. O capital político recebido das eleições foi bastante delapidado. Ninguém tem a certeza que a curto/médio prazo se irá encontrar solução duradoira para a questão energética. As proclamações sucessivas à volta das energias renováveis não satisfazem. Todos têm alguma noção que tais alternativas pela sua natureza variável e intermitente dificilmente constituem a “mãe de todas as soluções” para a Electra.
Muito capital político perdeu-se na forma como o partido no governo lidou com a questão presidencial. Os ataques virulentos desferidos contra o candidato Aristides Lima, do mesmo quadrante político do PAICV mas não apoiado pela cúpula, tiveram o efeito de desmobilizar pessoas que antes provavelmente se sentiram tentadas a um maior engajamento no pós-eleições. A gestão inepta, arrogante e facciosa de algo que podia ser um facto normal da vida dos partidos democráticos deixou muita gente estupefacta e revoltada.
A discussão do Orçamento do Estado na Assembleia Nacional veio confirmar que, de facto, com o terceiro mandato pouca coisa mudou. Mesmo em momento de vitória eleitoral clara a retórica usada contra a Oposição visa excluí-la do debate político, tornar ilegítima as ideias e questionar as suas razões. O país fica suspenso, parado no tempo, sem puder discutir as opções do presente e futuro porque o Governo está ocupado em fustigar a oposição com supostos erros cometidos na década de noventa.
Ter um governo num terceiro mandato intolerante perante dissensões internas, intransigente com os adversários políticos e refractário à real autonomia de centros de saber como as universidades não pressagia nada de bom para o país. A realidade mundial complexa e perigosa particularmente para pequenas economias como Cabo Verde exige da liderança nacional muita imaginação, flexibilidade e capacidade de aprender com os outros. Os 100 dias do Governo do dr José Maria Neves deixam antever sinais do que de pior quanto á arrogância, o autoritarismo e a intolerância terceiros mandatos podem brindar aos governados. Oxalá não seja assim. Para bem de todos e da república.
Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 29 de Junho de 2011