Editorial Nº 551 • 20 de Junho de 2012
Brincar com coisas sérias
Qualquer indivíduo com disponibilidade de capital para
investir nos mercados financeiros deve agir em pleno conhecimento da relação
entre os ganhos e riscos das aplicações e do que pode acontecer a curto, médio
e longo prazo. Na prática tem que “saber cortar nos custos e deixar correr os
lucros”. Se a ponderação de todos os factores e circunstâncias é crucial para o
investidor individual, mais ainda se revela para o investidor institucional.
Para este, a organização do seu plano de investimentos naturalmente tem um
pendor mais conservador, concentrando-se em activos mais seguros e logicamente
de menor rentabilidade.
A alta visibilidade dos investimentos do Instituto Nacional
de Previdência Social (INPS) tem despertado a atenção das pessoas e em
particular dos trabalhadores, das organizações sindicais e do patronato. Os
fundos do INPS são alimentados por contribuições dos trabalhadores (8%) e dos
empregadores (15%) num total de 23% dos salários e é natural que as pessoas
fiquem apreensivas em relação a certas aplicações financeiras pelo seu risco
intrínseco. O governo não tem dado a devida atenção a esses receios. Pelo
contrário, tem mostrado uma vontade de instrumentalização dos fundos do INPS,
socorrendo-se da liquidez existente para fazer face a situações difíceis como
as da Electra, da Fast Ferry ou a suas próprias necessidades de financiamento
interno.
Na Electra foram injectados mais de 500 mil contos para
resolver problemas de tesouraria e agora pretende que o INPS, em vez de cobrar
a dívida, se torne accionista de uma empresa em situação quase de falência. Na
Fast Ferry cupões devidos das obrigações não são pagos ao INPS, mas entretanto
a instituição aceita estender a maturação das obrigações e a rever para baixo
as taxas de juro inicialmente estabelecidas de 9%. Na emissão, em 2011, de
Títulos de Tesouro num total de 2,960 milhões de contos, o INPS compra 2,950
milhões (99,6% dos títulos) confirmando-se de facto como uma espécie de caixa 2
do Estado e retirando qualquer ilusão de existência de um mercado de títulos.
O mercado de capitais tem sofrido fortes solavancos ultimamente.
Cupões não são pagos ou só são pagos a alguns dos detentores das obrigações. O
mais grave aconteceu com a primeira tranche das obrigações da Electra cuja data
de maturação era 14 de Junho e da qual só se pagou a amortização aos pequenos
investidores. Propõe-se agora emitir nova dívida com o aval do Estado para
pagar os investidores institucionais. Com todas essas manobras, a grande
questão é se o aval do Estado continua a merecer o mesmo nível de confiança. No
caso da maturação das obrigações da Electra, o Estado esquivou-se a cumprir,
optando por renovar o aval para a nova emissão prevista para final de Junho.
Alguns investidores queixam-se que soluções similares têm passado em
assembleias obrigacionistas por causa do voto crucial do INPS, facto esse que
deixa muitos apreensivos de que os seus interesses não estão a ser acautelados.
Espalha-se a percepção de que algo está muito errado na forma
como o Governo instrumentaliza o INPS. Seja do lado dos representantes dos
trabalhadores, seja do lado do patronato e também dos partidos da oposição tem
havido pressões para que a voz dos “stakeholders” seja ouvida nas decisões dos
órgãos do INPS, em particular no que respeita ao plano de investimentos. Em
todo o mundo os fundos da segurança social são geridos de forma segura e
conservadora. Em Cabo Verde até obrigações do tipo classificado como lixo
“junk”, de alto risco, e taxas elevadas fazem parte do portfolio do INPS. É
evidente que se impõe algum controlo das actividades da instituição e alguma
contenção na intervenção do Governo. Um maior protagonismo dos parceiros
sociais como exigido pelos sindicatos e pelas associações patronais é um passo
nesse sentido.
A Direcção