Editorial Nº 547 • 23 de
Maio de 2012
Por onde pára a cidadania?
Uma bandeira de
cidadania foi desfraldada nas eleições presidenciais. Procurava justificar
candidaturas que fugiam ao controlo dos partidos numas eleições que por
desígnio constitucional são suprapartidárias. A instrumentalização do conceito
não impediu que suscitasse aderência entusiástica em certos sectores na sociedade
e algum constrangimento com laivos de agressividade em algum partido político.
Mas foi sol de pouco dura. Rapidamente voltou-se à postura habitual de fraca
participação política dos cidadãos e de passividade cívica.
As eleições autárquicas já estão à porta e mais uma vez a
oportunidade para uma certa intervenção cívica será muito provavelmente
escamoteada. A Constituição e a lei eleitoral abrem a possibilidade de cidadãos
apresentarem listas para a câmara e assembleia municipais. A inexistência de um
monopólio dos partidos na apresentação de candidaturas nos municípios abre a
possibilidade de participação directa dos cidadãos. Até agora, porém, tais
hipóteses foram mal aproveitadas ou mesmo distorcidas. Nalguns casos, a
apresentação de listas por grupos de cidadãos não passaram de candidaturas
camufladas dos partidos. Noutros casos, ou foi uma reacção em dissidência do
partido ou ainda uma tentativa de forjar um novo partido.
Supõe-se que a abertura das listas a munícipes não militantes
tem como objectivo, além de incentivar participação cívica, atenuar o efeito
das confrontações partidárias nas decisões que a administração da autarquia tem
de tomar e nos compromissos e consensos a que é obrigada a chegar para melhor
servir os utentes. Bloqueios, indefinições e procrastinações em várias
matérias resultam quando se escolhe o terreno municipal como campo para os
confrontos entre o governo e a oposição nas questões de governação do país.
Neste particular, nota-se que numa espiral crescente, o governo
vem legislando e tomando medidas de política que cada vez mais diminuiem o
escopo de actuação dos órgãos municipais eleitos. Se não é limitando nas
atribuições, é minguando nos recursos disponibilizados. Um estratagema muito
utilizado que já foi alvo de denúncias várias é pôr as câmaras municipais a
competir com associações comunitárias e ONGs diversas pelo acesso a recursos públicos.
O governo ostensivamente faz por ignorar que a câmara municipal e a assembleia
municipal são órgãos de poder político e nunca podem comparar-se a órgãos de
organizações privadas que só podem ser representativos dos seus membros e velar
pelos seus interesses.
A autonomia municipal é um dos princípios do Estado de direito
democrático. Suporta-se no reconhecimento de que as populações têm interesses
específicos que não coincidem perfeitamente com os interesses nacionais nem
com os de outras regiões. Para fazer valer e proteger esses interesses
dá-se-lhes o direito de eleger os seus órgãos próprios. Problemas surgem quando
o governo age como se não acreditasse no pluralismo dos centros de poder que a
própria constituição impõe e envolve as câmaras num jogo em que ninguém ganha.
A centralização avança cada vez mais, cresce a insatisfação nas ilhas e a
capital sofre em termos de segurança, saneamento, habitação, energia com o
crescimento galopante da população.
Um maior protagonismo de um movimento de cidadania aproveitando
as oportunidades para uma intervenção cívico-política oferecida pelo sistema
eleitoral talvez tivesse o efeito de desengajar a tarefa de vencer os desafios
locais das grandes contendas nacionais. Na falta desse travão da sociedade civil
é de perguntar: de que vale organizar eleições autárquicas, gastar centenas de
milhares de contos nas campanhas e no processo eleitoral se logo a seguir os
órgãos eleitos são postos em causa em constantes disputas com ministérios,
serviços desconcentrados e associações muitas vezes partidarizadas financiadas
pelo Estado.
A Direcção
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