quinta-feira, setembro 09, 2010

Nem para evitar desgraça?

O presidente da Câmara da Praia exigiu do Governo uma Declaração de Emergência para a capital do País. Segundo o autarca “4 mil famílias, nos diversos bairros da Praia, estão na eminência de assistirem ao desabamento das suas casas. A resposta do Governo veio rápida e confrontacional. Relembrou desavenças anteriores, culpou a câmara por insuficiências várias e deu conselhos despropositados. A bancada municipal do PAICV, mais uma vez ,esqueceu-se das razões para que foi eleita e saiu em defesa do Governo, como se alguém o estivesse a atacar. Os munícipes ficaram sem saber se o Governo concorda, ou não, que há uma situação de emergência. E no caso de concordar como tenciona agir para evitar perdas e conter potenciais estragos. As chuvas estão aí e não são precisos estudos para ver o risco que correm milhares de pessoas, em caso de inundações. O assunto é demasiado grave para ser transformado em mais um “round” do boxe institucional entre o Estado e o Poder Local, em mais uma disputa partidária na antevéspera de eleições ou em mais uma corrida de se saber “quem fez ou disse primeiro”. O Governo tem responsabilidade primeira para com o País e os caboverdianos. Qualquer comunidade no território nacional pode sofrer calamidades. Á partida, os municípios não têm nem os recursos nem os meios para tais situações de excepção. A solidariedade do País tem que ser mobilizada e o Governo é o instrumento para isso. Não pode furtar-se a isso, desculpando-se com contendas politico-eleitorais até porque a Câmara da Praia só vai a eleições em 2012. E solidariedade precisa-se. Estão em jogo vidas humanas, propriedade e meios de vidas das pessoas. Todos conhecem a realidade da Praia. Cresceu muito depressa, sofre de grandes problemas designadamente no plano urbanístico, de saneamento, de segurança, de água e de energia. Ninguém espera que problemas, acumulados durante as décadas de má gestão do espaço urbano desde da independência 1975, sejam atirados por cima das costas de qualquer equipa camarária. Particularmente quando se insiste com uma política de ultra-centralização do país que agrava os problemas da capital, a todos níveis. Só por aí se vê como o governo não pode esquivar-se à responsabilidade do que se passa na Praia, seja quando a cidade confronta o problema das chuvas, seja quando lida com o problema dos apagões, da dengue e da segurança. Nos investimentos que fez nem sempre acertou no que era prioritário e foi incapaz de aliviar a pressão migratória em direcção à cidade.

terça-feira, setembro 07, 2010

Ofensiva nas comunidades

O portal do Governo noticiou que os dois primeiros dias da visita do Primeiro-Ministro à Itália foram dedicados à comunidade caboverdiana aí radicada. Ninguém estranha. Em 2010, fazer política junto das comunidades emigradas parece ser o móbil principal das visitas de Estado, que o Primeiro-Ministro e outros membros do Governo têm feitos ao estrangeiro. Isso para além de claramente estarem à procura de “fotos de oportunidade” com destacadas figuras estrangeiras para ilustrar o material de propaganda do partido. Como já se viu na publicação luxuosa de 100 páginas que o Governo pôs na rua na sequência do Debate sobre o Estado da Nação. Entre Abril e Agosto, José Maria Neves já esteve no Luxemburgo, Bélgica, Holanda, França, Portugal, Espanha, Brasil, Estados Unidos, S.Tomé e Senegal. Na semana passada foi a Angola e agora está de visita à Itália. Ainda em Setembro, vai aos Estados Unidos e depois a Timor Leste e à Guiné-bissau. È de se perguntar que políticas urgentes do Estado têm o PM a discutir com as comunidades. O portal do Governo não diz quais. Do que transparece dos noticiários, não ficam dúvidas quanto ao assédio claramente eleitoralista a que são submetidas. Uma pressão que é, também, profundamente injusta, porque os emigrantes, com a pouca informação que a distância e os afazeres no país de acolhimento lhes permite, têm naturalmente mais dificuldade em lidar com a enxurrada de propaganda. Muitos acabam por ressentir-se pelo facto de verem a sua comunidade transformada em arena, onde se decidem eleições no país, e enfraquecida, no seu desejo de vencer no país de acolhimento, pela crispação política excessiva induzida nos seus membros. Até parece, às vezes, um preço demasiado caro pelo direito e o privilégio de representação no parlamento do País.

domingo, setembro 05, 2010

Estatuto dos candidato “em espera”?

Aristides Lima, presidente da Assembleia Nacional, em entrevista à jornalista à jornalista Adelina Brito no dia 23 de Agosto afirmou que "só se é candidato à presidência da república quando o presidente da república marcar as eleições". Certamente que essa não é a percepção que o público tem de quem é candidato. Aliás, ele aceitou o convite para ser entrevistado porque a olhos de todos, e há quase dois anos, é visto como um candidato, age como tal e intervém na vida política também nessa condição. Mas ao dizer isso o Dr Aristides Lima faz reviver a polémica, prenhe de consequências, que foi a suspensão do cargo de Primeiro-Ministro pelo Dr. Carlos Veiga, em fins de Julho de 2000. Carlos Veiga anunciou publicamente a sua candidatura ao cargo de Presidente da República. E, em cumprimento do n. 2 do art. 372º, hoje 383º do Código Eleitoral, que diz “nenhum candidato pode exercer cargo de titular de órgão de soberania a partir do anúncio público da sua candidatura”, ficou automaticamente suspenso das suas funções de Primeiro Ministro. Após muitas opiniões e tomadas de posições sobre a matéria, o então presidente da Assembleia Nacional, Eng. António Espírito Santo, pediu a fiscalização abstracta e sucessiva da constitucionalidade da norma. A resposta do Tribunal Constitucional veio a 4 de Dezembro. O acórdão confirmou a constitucionalidade da norma. Estabeleceu que não houve auto suspensão do Primeiro Ministro Carlos Veiga mas sim “uma imposição legal de suspensão do titular” .E acrescentou que a preocupação do legislador “foi separar a condição de titular de cargo público da de candidato, impedindo que certas funções públicas com visibilidade, protagonismo e capacidade de influenciação pudessem ser usadas em benefício do seu titular, colocando-o em situação de vantagem em relação aos demais candidatos”. O acórdão ainda reconheceu uma diferença entre o ns. 2 e 3 do referido artigo do Código Eleitoral. O n.2 dita a suspensão a partir do anúncio público para os titulares de órgão de soberania enquanto o n. 3, só obriga à suspensão após a apresentação formal da candidatura de titulares de certos cargos públicos. Ser-se candidato meses a fio e usar das vantagens que o exercício do cargo de soberania oferece e, a dois meses das eleições, suspender as funções para dar aparência de transparência, imparcialidade e isenção, não parece que seja o que legislador tinha em mente com essas normas. O que é aparentemente estranho é o facto do PAICV, ainda hoje, insistir em fustigar o Dr Carlos Veiga por causa da posição tomada em 2000. Passa por cima da decisão do Tribunal Constitucional sobre a matéria e acaba por acusar o ex-candidato de ter cumprido a Lei e não ter abusado do cargo de Primeiro- Ministro para fazer campanha para a presidência da república.

O acórdão do Tribunal Constitucional n. 11/2000 de 4 de Dezembro: http://nosiomt.gov.cv/stj/stj_web_pesquisa.detalhes?p_id=6263

Desemprego a 0%


Em S.Antão, foi-se além da recuperação da paranóia para justificar a dificuldade em encontrar soluções para o país. Aboliram-se os problemas. Aboliu-se o desemprego. O Secretário-Geral do PAICV, em declarações à imprensa, disse que se não há pressão pedindo emprego é porque não há desemprego. Pelo menos numa ilha, a promessa da legislatura de baixar o desemprego a um dígito fez jackpot. O desemprego foi levado a zero. Com este novo dado a alterar os cálculos nacionais de desemprego talvez se chegue á conclusão que o desemprego no País está agora abaixo dos 10%. De 21% passou para 13% com a mudança de metodologia e agora a com o milagre económico de S.Antão finalmente deve ter lá chegado.

sexta-feira, setembro 03, 2010

“Flirts” complicados


A repentina relação de proximidade de Cabo Verde com a Guiné Equatorial tem deixado muita gente perplexa. Desse país, a par com relatos de bonança derivada das vendas petróleo chegam notícias de violação de direitos humanos que causam repúdio internacional. Na semana passada foi a execução de quatro pessoas a poucas horas de terem sido condenadas á morte geral. Por essas e outras razões a decisão sobre o seu pedido de integração na Comunidade dos Países da Língua portuguesa (CPLP) foi adiada. Nessa matéria, Cabo Verde, pela voz do Presidente da República, tinha deixado transparecer posição favorável ao pedido, durante a visita oficial do presidente Nguema Mbasogo. O interesse especial por países como Guiné Equatorial, donos de fundos multimilionários acumulados durante a alta de preços de petróleo, cresceu com a crise financeira internacional e o “credit crunch” que se lhe seguiu. A maioria desses países tem regimes autoritários e uns quantos são quase párias no campo internacional, o que torna o relacionamento com eles algo complicado. Países desenvolvidos ou emergentes como a China e o Brasil concentram as relações na exploração de recursos minerais e do petróleo. Outros países cortejam-nos na expectativa de receber ajudas especiais a troco de furar o isolamento imposto pela comunidade internacional. A pergunta que se coloca é qual é a motivação de Cabo Verde em procurar aprofundar relações com regimes com o da Guiné Equatorial, a Líbia de Kadaffi e a Venezuela de Chavez? Simplesmente alargar laços comerciais e atrair novos capitais? Mas, sabendo que a movimentação dos capitais a partir desses países tem, quase sempre, motivações políticas subjacentes, a questão que fica é como isso pode afectar a vida política nacional? Será mais um impulso ao controlo do Estado sobre a economia e a sociedade? E mais margem a atitudes autoritárias e a derivas iliberais, que já se fazem sentir no sistema político caboverdiano? A condução da política externa não é neutra. Deve merecer o escrutínio de todos, principalmente quando se insiste em manter o país dependente da generosidade dos outros. Depender de democracias responsáveis resulta normalmente numa pressão positiva em direcção á liberdade e á manutenção do regime constitucional presente. Depender de regimes autoritários pode tentar os governantes a enveredarem-se por práticas em sentido contrário. Que o digam os cidadãos de países como o Zimbabwe e o Sudão. Esses regimes aproveitam-se da ajuda chinesa para contornar a pressão da comunidade internacional no tocante aos direitos humanos, ao tratamento dado às minorias, á democracia e a uma gestão responsável da economia.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Paranóia está de volta

Finalmente “sabe-se” o que está acontecer à ELECTRA. Sabotagem. Claro que noutros momentos “soube-se” o que era. Primeiro, a privatização. Depois, os portugueses da EDP. Mais tarde a má gestão. Os roubos de energia. E finalmente descobre-se que podem ser trabalhadores ou desconhecidos infiltrados que há muito vêm sabotando os geradores. È o regresso da paranóia na política nacional. Durante todo o regime de partido único reinou a paranóia. Desde os submarinos, que eram avistados ao largo de Cabo Verde nos primórdios da independência, até às acusações de que grupos de caboverdianos estariam a ser preparados para, com a ajuda de países estrangeiros, invadir o País. Paranóia não é matéria de somenos importância. Deu prisão, tortura e humilhação de muitos caboverdianos. Nos fins de Maio de 1977, várias personalidades de S.Vicente e de S.Antão foram encarceradas durante quase seis meses nos quartéis militares de S.Vicente. Tinham sido acusadas de lançar panfletos e de estarem a preparar sabotagem da central eléctrica, do dessalinizador, dos tanques de combustível da Shell, de estradas e pontes em S.Antão. Ressuscita-se agora a paranóia como a arma de último recurso para salvar a face do Governo. Porque na Electra vêem-se, de forma condensada, os efeitos de políticas inconsequentes, de interferências politiqueiras e das constantes fugas de responsabilidade que caracterizam a acção do Governo em muitos outros domínios. As pessoas já não fazem as manifestações de anos atrás quando a culpa era atirada para cima da EDP e da privatização. Mas continuam descontentes e, mesmo com algum cuidado, vão acusando o Governo de incompetência na gestão do sector crucial para o desenvolvimento do país. Perante este quadro cada mais duro, e quase nas vésperas das eleições, já se encontrou o bode expiatório ideal: sabotagem. Até traz o bónus de se poder já acusar os adversários políticos de, pelo menos, ficar satisfeita com os seus resultados. E isso para não ser mais explícito e acusá-los de a ter organizado.

quarta-feira, setembro 01, 2010

31 de Agosto. "The day after"

Para os que ainda teimam, contra todas as evidências, não compreender o que se passou no 31 de Agosto, leiam o que o único jornal da época disse sobre o que foram os dias e meses seguintes:

O jornal oficial “Voz di Povo”, de 28 de Dezembro de 1981, dá conta da “contra ofensiva política-ideológica” levada a cabo em todos os pontos de S.Antão. Diz que num curto espaço de tempo foram realizadas cento e cinquenta reuniões com mais de 6 mil participantes e que os “desordeiros” foram julgados em tribunais populares com assistência massiva das populações afectadas pelas desordens. Mais adiante no artigo chama a atenção para o facto o “julgamento em tribunal popular dos cúmplices... teve um papel impulsionador na popularização das teses da reforma agrária e, sobretudo, na desintoxicação das massas”. De acordo om o mesmo artigo, confirmou-se que os espectros demagógicos do anti-comunismo, de tão estafados, já não.. infundem qualquer espécie de receio... ao povo trabalhador de Cabo Verde...”.

terça-feira, agosto 31, 2010

O 31 de Agosto e a Luta pela Cidadania

Os acontecimentos do 31 de Agosto de 1981, de há 29 anos atrás, são prova do que são capazes regimes políticos que não têm como base o princípio do respeito pela dignidade humana. A violação sistemática de direitos, consagrados na Carta Universal dos Direitos Humanos, pode ser desencadeada a qualquer momento e por qualquer razão, como se verificou em S.Antão nesse dia. Independentemente das leituras diversas que se pode fazer quanto às origens e ao desenrolar dos acontecimentos, a realidade nua e crua – porque factos são factos - é que homens e mulheres, famílias inteiras, foram apanhados num redemoinho em que ficaram completamente indefesas perante um Estado todo-poderoso

Tropas (FARP) dispararam sobre uma multidão que, na zona de Coculi, Ribeira Grande, se manifestava contra a reforma agrária. Adriano Santos morreu de imediato com uma bala no peito. A lei marcial foi instaurada sobre toda a ilha com a suspensão de todas as autoridades administrativas. Na noite de 31 de Agosto e até ao amanhecer tropas e milícias procederam à prisão de mais de duas dezenas de pessoas. Casas foram violadas e homens nus ou semi-nus viram-se arrastados dos seus quartos de dormir, espancados, metidos em camiões e transportados para S.Vicente no rebocador Damão. Do cais passaram para celas no Morro Branco, João Ribeiro e Alto de S.João, onde permaneceram longos meses, sob torturas múltiplas incluindo choques eléctricos, até o julgamento em Março de 1982 no Tribunal Militar de Instância. “Os presos, “.acusados de tentativa de alteração da Constituição por rebelião armada..” foram condenados a penas de seis meses a dez anos de cadeia por um tribunal militar constituído por juízes, promotor de Justiça e defensor oficioso, nomeados por despacho do Ministro da Defesa e Segurança. Posteriormente, Osvaldo Rocha, um dos presos, viria a falecer em consequência dos espancamentos recebidos

Nesses dias, direitos que hoje se toma como garantidos, eram negados aos caboverdianos:

  • direito de expressão do pensamento (art. 47 da Constituição)
  • direito de reunião e de manifestação (art. 52 da Constituição)
  • direito à vida e à integridade física e moral (art. 27 da Constituição)
  • direito à liberdade e segurança pessoal (art. 29 da Constituição)
  • direito à inviolabilidade do domicílio particularmente durante à noite (art. 42 da Constituição)
  • o direito às garantias penais de defesa ( presunção de inocência, presença do advogado nos interrogatórios, não submissão a torturas para extracção de provas, etc) (art. 34 da Constituição )

Também noutros pontos do país e noutros momentos, caboverdianos viram-se completamente despojados dos seus direitos enquanto cidadãos e pessoas humanas O atropelamento dos direitos humanos já se tinha verificado em S.Vicente, em 1977, com as prisões de 4 de Junho. Figuras muito conhecidas da vida mindelense e também personalidades de S. Antão estiveram mais de sete meses presos sem serem acusados, sofrendo maus tratos e mesmo torturas. Na Brava, em 1979, houve mortes a tiro em situações estranhas; na Praia, em 1980, alguns jovens foram presos e torturados; e, outra vez, em S.Vicente manifestações de estudantes em 1987 foram reprimidas com brutalidade.

Hoje, com o 13 de Janeiro e com a Constituição de 1992 vive-se numa democracia e num Estado de Direito. A natureza sagrada da dignidade humana e dos direitos fundamentais dos cidadãos é o pilar fundamental onde se assenta a Constituição da II República. Ninguém, nem nenhuma maioria pode restringir ou suprimir os direitos fundamentais dos cidadãos. Não há nenhuma razão do Estado que se sobreponha ao valor e ao princípio do respeito pelo indivíduo.

Relembrar o 31 de Agosto não deve, porém, ficar pela simples evocação da luta travada e dos extraordinários sacrifícios feitos para que, hoje, cada caboverdiano visse a sua dignidade respeitada. Deve também forçar uma atenção muito especial quanto a quaisquer tentativas de restrição dos direitos fundamentais, sob que pretexto for.

A democracia liberal continua a ter muitos inimigos. As grandes tragédias do século vinte tiveram origem essencialmente nas lutas entre, primeiro, o fascismo e a democracia como é caso da II Guerra Mundial e, depois, entre o comunismo e a democracia na chamada Guerra Fria. Felizmente para todos que a Democracia ganhou no confronto com as ideologias totalitárias. Por isso, hoje, a Democracia e os Direitos Humanos são valores universalmente reconhecidos. Isso, no entanto, não significa que se desarmaram todos os descontentes e os inimigos da Sociedade Aberta e do Estado de Direito Democrático

Em Cabo Verde, não obstante os avanços feitos, persistem ainda resistências aos valores da democracia liberal. Têm origem designadamente na deficiente cultura constitucional, na persistência de resquícios de culturas políticas totalitárias e na fragilidade institucional. As tentações iliberais do actual governo do Paicv, de violação da Constituição e outras Leis, de esvaziamento do papel da oposição e do parlamento no funcionamento do sistema político, de condicionamento da Justiça e de transformação dos media nacionais,. particularmente dos serviços públicos de comunicação social, em órgãos de propaganda e desinformação, põem um constante e perigoso desafio à consolidação da democracia porque tendem a perpetuar essas insuficiências.

Felizmente, os vários conflitos à volta do cumprimento da Constituição, nos últimos anos propiciaram oportunidades importantes para que todos os caboverdianos se apercebessem da importância da defesa da Constituição e dos direitos fundamentais. Mas as ameaças continuam, e não se pode baixar a guarda.

Neste dia 31 de Agosto deve-se renovar o empenho e compromisso de todos com a defesa da Liberdade e da Democracia, para que quaisquer tentativas de diminuir o que é de facto a maior conquista do caboverdiano – o seu direito de cidadania – não lhe seja retirado em nenhuma circunstância.

segunda-feira, agosto 30, 2010

O 31 de Agosto e a Luta pelos direitos fundamentais

A 31 de Agosto de 1981 aconteceu o desastre. Um morto a tiro, vinte e três homens presos, milhares de pessoas aterrorizadas.

As tropas (FARP) dispararam sobre uma multidão que, na zona de Coculi, Ribeira Grande, S. Antão, se manifestava contra a reforma agrária. Adriano Santos morreu de imediato com uma bala no peito. Os soldados depois de esgotarem as munições, no dizer de alguns presentes, retiraram-se para posições junto à vila de Povoação.

A lei marcial tinha sido instaurada sobre toda a ilha com a suspensão de todas as autoridades administrativas. Na noite de 31 de Agosto e até ao amanhecer tropas e milícias procederam à prisão de mais de duas dezenas de pessoas. Casas foram violadas e homens nús ou semi-nus viram-se arrastados dos seus quartos de dormir, espancados, metidos em camiões e levados para S.Vicente no rebocador Damão. Do cais foram direitos às cadeias militares de Morro Branco, João Ribeiro e Alto de S.João, onde permaneceram longos meses, sob torturas múltiplas incluindo choques eléctricos, até o julgamento em Março de 1982 no Tribunal Militar de Instância. Os presos, “..acusados de tentativa de alteração da Constituição por rebelião armada..” foram condenados a penas de seis meses a dez anos de cadeia. Posteriormente, Osvaldo Rocha, um dos presos, viria a falecer em consequência dos espancamentos recebidos.

Como é que tudo isso foi possível? Como é que neste Cabo Verde tais coisas aconteceram? Será que foi um caso único e excepcional?

Nos últimos dias de Maio de 1977 vários cidadãos em S.Vicente e S.Antão foram presos por militares e polícias e levados para cadeias no João Ribeiro e no ex-Comando Naval. Ti Nenê, Lulu Marques, Toi de Forro, Lela da Drogaria, Mário Leite, Titino Boxer, Adelino Leite e muitos outros viram-se acusados de ter a intenção de “instaurar um clima de instabilidade, para o que já tinham plano e material para a sabotagem de alguns pontos sensíveis e material para a sabotagem de alguns pontos sensíveis, tais como a Jaida, a central eléctrica, as instalações de telecomunicações, os quartéis, a rádio Voz de S.Vicente, vias de comunicação em S.Antão, ao mesmo tempo que procederiam à liquidação física de alguns responsáveis do Partido e do Governo”. Na prisão sofreram enormes vexames e torturas de parte de polícias e militares. Após meses de prisão foram soltos sem julgamento sem nunca terem sido apresentados ao juiz.

Incidentes do género, notórios pelos os excessos e as brutalidades das autoridades policiais e militares, verificaram-se ao logo dos quinze anos que se seguiram à Independência Nacional. A prisão de jovens na Praia em 1980, o espancamento com traumatismo craniano de Emanuel Morais “Buna” após a repressão das manifestações dos jovens em 1987, em S.Vicente e abusos feitos a emigrantes de visita ao país são outros exemplos dos incidentes que a todo o momento ameaçam acontecer. E isso por uma razão simples:

O regime do PAIGC/PAICV construiu um aparelho legal e institucional de repressão que a qualquer momento podia ser lançado contra qualquer cidadão sem que este tivesse o mínimo de defesa possível. Os principais pilares desse aparelho eram:

  • O decreto-lei 96/76 que permitia às forças de segurança prenderem pessoas durante três meses sem apresentar ao juiz e de mais dois meses, por cima dos três, com autorização do juiz.
  • O decreto-lei 121/77 que estabelecia tribunais militares para civis acusados de crimes contra a segurança do Estado. Em relação aos militares e equiparados, polícias e milícias, o mesmo decreto-lei determinava que não podiam ser perseguidos em tribunais civis e, portanto, só podiam ser julgados pelos seus pares.
  • As FARP que não eram uma instituição do Estado mas sim, o braço armado do Partido encarregue da defesa e segurança interna. Numa primeira fase até foi uma instituição supranacional porque unificada com as FARP da Guiné-Bissau.

O caboverdiano só se tornou de facto cidadão pleno com o 13 de Janeiro, com a instauração da democracia e particularmente com a Constituição da II República que consagrou os seus direitos, liberdades e garantias. A Constituição de 1992 estabeleceu ainda o Estado de Direito democrático e a independência dos tribunais e restringiu o papel das Forças Armadas à defesa da soberania nacional face a ameaças externas. A tortura foi explicitamente proibida.

Muitos 31 de Agosto poderiam ter acontecido. O aparelho de repressão e a motivação para o sempre estiveram lá durante os quinze anos da tirania do Paigc/Paicv. Felizmente que o povo soube controlar-se perante os muitos assaltos, atentados e abusos do regime à sua dignidade. Até que chegou a sua oportunidade. No dia 13 de Janeiro, o povo, em todas as ilhas, dançou nas ruas a queda do regime.

Hoje em que todos os caboverdianos vivem em liberdade não é de esquecer a luta que muitos fizeram para afirmar o seu direito de discordar durante os quinze anos de intolerância.

A democracia foi arduamente conquistada. Perserva-la e aprofunda-la é de responsabilidade de todos. Fazer tudo para seja valorizada pelas novas geração é o dever de toda a sociedade.

Excesso nas razões. Cortina de fumo?


O Primeiro-Ministro, José Maria Neves foi a Angola por 24 horas. A justificar essa visita relâmpago, a comunicação social foi inundada de razões: situação politico-militar na Guiné Bissau, alargamento da cooperação, identificação de novas parcerias empresariais nos domínios financeiro, da hotelaria e do turismo. À chegada a Luanda, o PM acrescentou ainda à Lusa que o sector dos combustíveis será um dos outros assuntos a tratar com o presidente angolano, assim como ouvir e acompanhar a dinâmica de desenvolvimento de Angola e as suas perspectivas de liderança da CPLP e na região africana vizinha. Entretanto, sabe-se pelo portal governo.cv que o único acto oficial será o encontro com Eduardo dos Santos, seguido de almoço de Estado. A visita do Primeiro-Ministro ainda inclui um encontro com a comunidade caboverdiana. O PM está acompanhado de dois membros de Governo, mas não os que, à partida se esperaria, considerando a natureza da vasta agenda anunciada. Por outro lado, não houve qualquer informação da presença de empresários na comitiva numa visita que, ostensivamente, se chamou de reforço das parcerias empresarias. Perante o que mais parece ser uma cortina de fumo, é de perguntar qual é realmente a missão do Sr. Primeiro-Ministro? Vê-se que as eleições são uma prioridade pela preocupação, mesmo numa viagem de 24 horas, de se encontrar com a comunidade emigrada. E naturalmente que tal preocupação irá afectar outros pontos da agenda, até porque o PAICV e MPLA apresentam-se como partidos irmãos. Espera-se que o Secretário de Estado Adjunto do PM não seja convidado, como foi em S.Vicente, a fazer a apresentação da plataforma de doações electrónicas “eucontribuo”.

Viagens de Ministros e o Recenseamento

O Ministro da Administração Interna vai a Guiné-Bissau e ao Senegal. Tratar do Recenseamento, diz a nota noticiosa no portal do Governo. O Ministro já tinha ido aos Estados Unidos no início do ano e, posteriormente, a vários países da Europa. O objectivo dessas viagens dispendiosas é, segundo a nota referida, atrás, “promover a campanha de informação e sensibilização” e encontrar-se “com a comunidade cabo-verdiana residente nesses países, os representantes dos partidos políticos e as Comissões de Recenseamento Eleitoral”. Considerando o actual atraso do recenseamento - ainda está por arrancar completamente, é de supor que as primeiras viagens ou foram inúteis, ou foram prematuras. Por outro lado, é de notar que os membros do governo nada têm a ver directamente com o processo. As comissões de recenseamento, segundo o art. 44º do Código Eleitoral só devem obediência à lei e às instruções de carácter genérico, emitidas pela Comissão Nacional de Eleições”. Nessas comissões o princípio da igualdade é afirmada com a presença de um delegado de cada partido. A lei, especificamente em vários artigos (50º e 51º), atribui um papel aos partidos políticos na mobilização dos cidadãos para o recenseamento. O mesmo já não acontece em relação ao Governo. E compreende-se que assim seja. Para evitar que, com os recursos do Estado á disposição dos membros do Governo, a “balança” penda para um lado. O recenseamento é uma operação vital para a cidadania e para legitimação do Poder e por isso exige-se especial isenção e imparcialidade das autoridades públicas. Insistir nas viagens dos membros do governo nestas circunstâncias pode ser vista como provocação, campanha e tentativa de condicionamento das pessoas. E, naturalmente, induzem respostas que aumentam a crispação política, alimentam trocas de acusações e partidarizam o recenseamento. Como bastas vezes já se constatou. O resultado vê-se nos cidadãos que não se inscrevem por causa das dificuldades, artificialmente criadas no fogo cruzado, e nos que decidem não votar porque ficam desgostosos com o ambiente que se instala antes, durante e depois do processo, particularmente nas comunidades emigradas.

quinta-feira, agosto 26, 2010

"Ossos" para a ELECTRA?

O governou já concretizou a entrega da produção e distribuição de energia e água da Boavista a uma empresa privada até 2035. As razões para isso não são claras. O acordo com a empresa Águas e Energia da Boavista SA é de 2008, quando estava em vias de entrar em funcionamento o hotel Riu Karamboa, um grande consumidor de energia e um pagador certo Dá-se mais um passo no acordo, no momento em que já se iniciou a construção de um hotel com mais de 2000 camas na zona de Santa Mónica, que também vai ser um grande cliente de energia e água. A questão que deixa a todos intrigados é porque é o Governo impede a Electra de aproveitar o mercado de electricidade e água da Boavista, em franca expansão, a favor de uma outra empresa. Qual a lógica do governo em sobrecarregar a Electra com a electrificação rural, politicamente motivada e que pouco consumo e retorno gera, e não permite à empresa aproveitar-se de um “bife de lombo” quando tal se proporciona? Como é que a Electra poderá manter uma tarifa nacional de energia e água se é retirada dos mercados de forte expansão do consumo, ao mesmo tempo que é obrigada a suportar as zonas de baixo consumo?

quarta-feira, agosto 25, 2010

Por onde anda o Árbitro do sistema?

O Sr. Presidente da República parece que não teve nenhum problema em promulgar as leis de comunicação social que reforçam a auto-censura em Cabo Verde. Aliás, quase nunca põe reticências às leis do Governo e às aprovadas pela maioria parlamentar, não obstante dúvidas óbvias quanto à conformidade constitucional de algumas delas. Vários acórdãos do Tribunal Constitucional mostram precisamente isso. Nesta legislatura, salvo erro, só em duas situações pediu o parecer do tribunal constitucional. Nos primeiros cinco anos nunca usou desse Poder. Promulgação das leis pelo Presidente da república não é um simples assinar por baixo, um cerimonial. Dizem os constitucionalistas que o PR, eleito por sufrágio directo, tem um poder autónomo de controlo que deve ser utilizado para a defesa da Constituição e para a conformação política no sentido de equilíbrio do sistema político. Não se descortinou o exercício desse poder de controlo do PR na Lei da Descentralização Administrativa, publicada no mesmo BO de 16 de Agosto. O Governo, em pleno frenesim eleitoral, achou que, assim como criou 17 cidades em Cabo Verde de uma única assentada, podia servir-se de uma lei de descentralização administrativa para estabelecer novas categorias de autarquias, as regiões administrativas e as freguesias, e definir o seu regime de criação. Resultado: a lei que define o regime de criação de autarquias foi aprovada por maioria absoluta. A lei de execução a ela subordinada de criação das autarquias locais exige maioria qualificada (art. 176 alinea j), conjugado com o nº 4 do art. 160). Um contra-senso mas que satisfaz o ego exacerbado do partido no Poder. A promulgação da lei pelo Presidente da Republica deixa entender que não tem nada a opor.

terça-feira, agosto 24, 2010

Auto-Censura Reforçada

Auto-censura reforçada

O pacote de leis da comunicação social já entrou em vigor (B.O. do dia 16 de Agosto). Inclui a lei da imprensa escrita, as leis da rádio e da televisão e o estatuto dos jornalistas. Muita reveladora das intenções do Governo foi a forma como fez aprovar no parlamento essas leis e a urgência como conduziu o processo. Na revisão da Constituição de Fevereiro último, o Parlamento votou por unanimidade a criação de uma Autoridade Independente para a Comunicação Social, livre da interferência do Governo e com a missão de garantir a liberdade de imprensa e o controlo do serviço público da rádio e televisão. O normal seria que se aprovasse o seu estatuto como órgão regulador e só depois proceder à revisão das leis de comunicação social. O Governo, jogando na antecipação, forçou a aprovação do pacote (Março e Abril), antes da entrada em vigor do novo texto constitucional, em Maio. Quis deixar claro que nada tinha mudado. E que continuava o ambiente de auto-censura, repetidamente denunciado pela Freedom House e os Repórteres Sem Fronteira. O silêncio quase total dos jornalistas durante o processo mostra como essas tácticas são bem sucedidas. A jornalista Margarida Fontes foi dos poucos a reagir. No seu blog odiaquepassa.blogspot.com escreveu: “A 3 de Maio celebrou-se o dia da Liberdade de Imprensa: daquilo que pude ler e ouvir, deu para perceber que não se fez, em momento algum, a ligação necessária entre o pacote legislativo da comunicação social aprovado no parlamento e a Liberdade de Imprensa nas Ilhas. Não se disse que a liberdade de imprensa em Cabo Verde sofreu, recentemente, em toda a linha, um atentado legal: agora temos uma imprensa parceira do desenvolvimento. É obra! (11/5/2010)

domingo, agosto 22, 2010

Quem está a ser “negativo”?

Partidos têm convicções politico-filosóficas distintas, muitas vezes irreconciliáveis. Por isso, têm pontos de vista diferentes sobre a situação do país. E as soluções que apresentam raramente convergem. O País e a democracia ganham com esse esgrimir de ideias, com a multiplicidade de propostas e com insatisfação permanente com o que está a ser feito. São as vantagens do pluralismo. Ninguém espera dos dirigentes de um partido que ponha o selo de válido nas propostas de outros partidos. Muito menos se espera que o partido no Poder diga: “sim senhor! A oposição á realmente uma alternativa à minha governação”. Por isso é normal que, no jornal Asemana de 20 de Agosto, o deputado Mário Matos, enquanto dirigente do PAICV, diga: As propostas da oposição são “uma estratégia de cosmética, pelo refogado de soluções em curso ou anunciadas, com outras designações ou pequenas nuances aqui e acolá que não alteram em nada o essencial”. Não é, porém, normal que, parágrafos à frente, procure colocar-se na posição de um “observador”, pretensamente isento, a lamentar que falta à democracia caboverdiana e ao País alternativas de governação. Cai precisamente no que está a acusar os outros de ser, no negativismo, visto como atitude de não aprovação e aceitação do adversário, do diferente, do não assimilável. Nega a existência de qualquer alternativa ao PAICV. E a justificação não é, certamente, por não existir outras ideias, outros interesses e outros partidos na sociedade caboverdiana. É por não os reconhecer como válidos, em absoluto. Em vez de os encarar simplesmente como contrários aos que perfilha, e contendo, pelo menos, o valor da diferença, proclama que não estão à altura de serem considerados. Seguindo esse caminho, fica-se a um passo de questionar a própria existência da oposição e a necessidade da diferença e do pluralismo. De facto, o chamado negativismo não vem de quem constata que o Governo não cumpriu promessas feitas. E critica políticas, exaspera-se com falta de acção para aproveitar oportunidades e denuncia bloqueios a uma maior dinâmica do país. Nem vem de quem alerta para os perigos potenciais do défice orçamental e da dívida pública no curto e médio prazo. Negativismo são as tentativas de criminalização da Oposição, é afirmar que o País não precisa de alternativa porque já é uma nação vencedora e é acusar de antipatriota e de estar a mover “guerra de usura e desgaste” a todo aquele que chame o Governo à responsabilidade pelas promessas não cumpridas.

sábado, agosto 21, 2010

Debate furado. Contas não prestadas

O Debate sobre o Estado da Nação, o último antes das eleições legislativas de 2011, aconteceu no dia 31 de Julho. Seguido com grande interesse e curiosidade, ficou-se à espera que o Governo desse conta das promessas feitas e de como as suas políticas ao longo do mandato contribuem para a prosperidade actual e futura.

O Governo, em antecipação do debate, submeteu o País, semanas a fio, a uma ofensiva propagandística. Na televisão pública, além dos costumeiros grandes espaços dedicados às actividades do Governo, fez uso intensivo de publi-reportagens no horário nobre. Na ofensiva saíram prejudicados o pluralismo e o direito dos caboverdianos em ter informação equilibrada, com expressão e confrontos das diversas correntes de opinião.

No debate sobre o Estado da Nação ficou claro que o Governo prefere falar sozinho. No Parlamento, onde tem o dever de se explicar perante a Nação, sob questionamento dos outros partidos, bateu com o pé e escusou-se. Preferiu lançar um ataque, completamente a despropósito, contra os anos de governo do MpD. Com alusões directas e violentas contra o líder do MpD, o Dr Carlos Veiga, quis forçar a Oposição a entrar no seu jogo.

Não foi muito bem sucedido. Mas prejudicou o debate, a Nação não ficou elucidada e a instituição do Parlamento foi diminuída no processo.

O Governo não assumiu responsabilidades por falta de cumprimento de promessas feitas: crescimento a mais 10% ao ano e desemprego a menos de 9%. Pôs ênfase na sua capacidade de captar ajuda e, ultimamente, de endividar-se no estrangeiro. Não mostrou reconhecer a importância crucial que o aumento do rendimento das famílias, sustentado pela dinâmica económica do país, tem para a luta contra pobreza, a melhoria da qualidade de vida das pessoas e a preservação da coesão social.

O Governo, em nenhum momento, demonstrou que, na esteira das opções feitas de investimento público, está-se a verificar investimento privado. Observadores, a começar pelo FMI, ainda estão à espreita de sinais de “crowding in” de capitais privados para justificar cenários optimistas da evolução da economia.

Noutros países, devido ao que aconteceu antes e depois da crise, governos arrepiam caminho e exploram outras vias. Em Cabo Verde insiste-se no “mais do mesmo”. O Primeiro-Ministro prometeu 13º mês aos funcionários públicos sem dizer como o Estado vai suportar mais essa despesa permanente.

Na democracia não se tolera que governos eleitos continuem anos a fio a justificar-se com os eventuais erros do passado. Em muitos países, seis meses é o tempo máximo permitido. O Debate sobre o Estado da Nação não cumpriu os seus objectivos porque o governo ainda se desresponsabiliza de tudo, acusando o MpD de dez anos atrás. Tal estratagema defrauda a democracia e o seu instituto central que é a obrigatoriedade de prestação de contas, de accountability.
(Editorial, jornal Expresso das ilhas 4/8/2010)

Governo contra-ataca com funcionários

Directores-Gerais da Administração Pública vêm rotineiramente assumindo posições políticas de defesa do Governo. Dias atrás foi o Director Geral de Energia a responder à conferência de imprensa do MpD sobre a actual política energética que tem resultado em sistemáticos apagões e deficiente fornecimento de água em várias ilhas. Ontem, sexta feira, foi a vez do Director-Geral da Descentralização a lançar-se na crítica às declarações do Presidente da Câmara e da Assembleia Municipal de Santa Catarina sobre as relações entre o Governo e as autarquias. Os altos funcionários do Estado têm obrigação de saber que estão sujeitos a especiais deveres de isenção e imparcialidade enquanto agentes públicos. E que não é da competência dos funcionários dar respostas políticas a questionamentos, críticas e propostas alternativas de titulares de órgãos de poder político e dos partidos. Muito menos entrar em jogos politiqueiros de comparar década de noventa com os tempos actuais, como faz o Director-Geral da Descentralização. A Constituição consagra princípio éticos muito claros no relacionamento entre, por um lado, o Governo e a Administração Pública e, por outro lado, entre a Administração Pública e os utentes, sejam eles indivíduos ou entidades colectivas. O Governo dirige a Administração Pública, de acordo com o seu programa sufragado nas urnas. Mas, a Administração Pública serve o interesse público e os seus agentes são obrigados a agir, a todo o momento, com sentido de justiça, com isenção e imparcialidade e sem discriminação de qualquer tipo. A partidarização crescente da Função Pública, visível a olhos de todos, é o exemplo claro de como o Governo se tem desviado da ética do serviço público, na sua ânsia de se manter no Poder. Agora, até usa funcionários do Estado para fazer o contra-ataque às críticas da Oposição.

sexta-feira, agosto 20, 2010

A reaparição do Ministro das Pescas

segunda-feira, dia 16 de Agosto

Esta semana assistiu-se a várias aparições do Ministro das Pescas, em Santa Cruz e no Tarrafal de Santiago a fazer entregas de botes e de outro material de pesca. Anunciadas já estão aparições na ilha do Fogo e na Brava para o mesmo fim. Semanas atrás, não se via o Ministro quando as centenas de operárias da Frescomar perdiam emprego e a fábrica suspendia as suas actividades por falta de peixe. Também ficou fora das vistas quando as instalações da Cova de Inglesa fechavam para reparações já tardias, comprometendo exportações de pescado e o rendimento das muitas famílias que vivem da faina da pesca. O Director Geral das Pescas esteve sozinho a enfrentar as ansiedades dos desempregados e a fúria dos empresários e pescadores. A oportunidade das entregas de material das pescas permitiu a reaparição do ministro no sector. Nos actos de entrega, acompanhados de sorrisos de gratidão das pessoas e das suas declarações como estão contentes por terem sido “contempladas” e por verem realizados os seus sonhos, os governantes parecem viver a sua cena favorita. È a aquela que reforça a relação de dependência das pessoas com o Estado. A outra, que significa lidar com a economia e agir resolutamente para ultrapassar os constrangimentos que a impedem de crescer e de criar emprego, já não interessa tanto. Mas, afinal, os governantes são eleitos para dispensar benesses ou para criar condições para que todos tenham fonte autónoma de rendimento e expectativas justas de prosperidade futura. Esta é uma questão que interpela a todos na democracia.

Quando não se cumpre a Lei

sábado, dia 14 de Agosto

João do Rosário, deputado do PAICV, partido no Poder, enquanto dirigente do PTS, partido na Oposição, convidou Aristides Lima, Presidente da Assembleia Nacional e deputado do PAICV a falar numa conferência sobre “o respeito da oposição por parte do partido no poder”. Surreal, parece. Tudo porque se compactua com a prática de partidos políticos alojarem nas suas fileiras dirigentes activos de outros partidos, subvertendo princípio democrático da representação no parlamento. Também acontece porque a Assembleia Nacional enquanto instituição, não raras vezes, não consegue colocar-se e acima dos interesses tácticos dos partidos, particularmente, da maioria conjuntural. Meses atrás, o jornal Asemana revelou o deputado do PAICV como dirigente do PTS e citou um outro dirigente do PTS a afirmar que o partido tem presença no parlamento, sem ser eleito. A Mesa da Assembleia não reagiu apesar de solicitada para confirmar o mandato do deputado, em presença do que é a violação directa da norma constitucional que proíbe os deputados eleitos por um partido de inscrever noutro partido. O resultado da inacção vê-se neste convite público, no mínimo, embaraçoso para o Presidente da Assembleia Nacional.

"Expresso das ilhas" foi notícia

sexta-feira, dia 13 de Agosto

O jornal Asemana de sexta-feira, 13 de Agosto trouxe numa das suas páginas informativas uma notícia sobre o Expresso das ilhas. Fica tudo dito sobre a seriedade do texto quando, no oitavo parágrafo, surge a frase “verdade ou não (...)”. No fundo, a peça “jornalística” continha um único acto, a alteração dos órgãos sociais da empresa Media Comunicações, proprietária do jornal. Alteração que se verificou em 30 de Julho, como devidamente publicitado, e cujas repercussões na direcção do jornal constam da ficha técnica do número do Expresso das Ilhas de 4 de Agosto. No resto da prosa vê-se que o autor, ou autores, por motivos escusos, resolveu enveredar-se por caminhos complicados. O texto ficou marcado por opiniões avulsas quanto à gestão do jornal, por desinformação, via citação conveniente de fontes e por especulação, na base de relações familiares de trabalhadores do jornal, acabando finalmente no penúltimo parágrafo em invencionice pura. Os leitores e o público merecem mais dos seus jornais. Também esperam que o universo dos jornais em Cabo Verde seja plural e que esse pluralismo de ideias seja respeitado e defendido por todos. Esperam ainda que nenhum órgão de comunicação social se ponha na triste figura de fazer causa comum com certas personalidades e grupos políticos para estigmatizar o único semanário que não teve na sua origem pessoas e entidades próximas do PAICV.