sexta-feira, abril 29, 2016

Por um governo “interventivo”

No passado dia 22 de Abril o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, deu posse ao que designou de VI Governo Constitucional da II República, um governo liderado pelo MpD, o partido vencedor das eleições de 20 de Março. Depois de um interregno de quinze anos de governos liderados pelo PAICV, o MpD tem a oportunidade de pôr em prática a sua visão de desenvolvimento do país. Propõe retomar a aposta na liberdade económica, no incentivo à iniciativa privada e na identificação e aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo mundo globalizado. Manifesta-se frontalmente contra políticas e práticas de governação que aumentam a dependência, alimentam o conformismo e desencorajam o mérito.
A massiva votação no MpD provavelmente traduziu o sentimento geral de que o país precisava de uma forte lufada de ar fresco. Paulatinamente vinha caindo na consciência das pessoas que o anterior governo não conseguia dinamizar a economia e responder às expectativas em particular dos jovens no tocante ao emprego. Em vários sectores como, por exemplo, o sector marítimo e aéreo as falhas estavam a ficar mais do que evidentes. Na energia e água a escassez e a interrupção de fornecimento já não se verificavam com a frequência de outrora, mas em contrapartida a população e a economia eram penalizadas com tarifas das mais altas do mundo. A forma pouco competente como foram geridas situações de crise designadamente a relocalização da população da Chã das Caldeiras e o afundamento do navio Vicente minaram a confiança das pessoas em como a prazo o governo seria capaz de resolver problemas quais sejam a segurança das pessoas, a gestão da TACV e a preocupação generalizada com as crescentes assimetrias nas ilhas.
 As pessoas ao votarem uma alternativa estavam a clamar por uma outra atitude na governação que não se fixasse tanto na questão de imagem e propaganda. Pelo contrário, propugnavam um governo que pusesse o futuro do país em alicerces sólidos a partir dos quais cada cabo-verdiano poderia apoiar-se para realizar os seus sonhos e ao mesmo tempo contribuir para a prosperidade geral. Os últimos cinco anos de crescimento anémico a par com a acumulação extraordinária da dívida externa confirmaram, sem deixar quaisquer dúvidas, que o modelo de desenvolvimento seguido até agora, se por algum tempo alimenta a ilusão de contínuos avanços económicos e sociais, a prazo mostra que não garante sustentabilidade mesmo aos objectivos e metas  já atingidos. Por isso, são patéticas as tentativas de convencer a sociedade a esperar ainda mais um pouco por resultados de há muito prometidos em termos de rendimento, bem-estar e realização de expectativas. Particularmente quando se percebe que o que se pretende é posicionar-se desde já para exigir resultados logo na arrancada do novo governo. 
Num livro recente “Concrete Economics” Stephen S. Cohen e J. Bradford DeLong mostram a importância de fazer convergir intervenção do Estado com empreendedorismo de privados. Os governos com as suas políticas projectadas para a criação de oportunidades devem poder valer-se da iniciativa de empresas, grupos e indivíduos no quadro de um ambiente regulado, de concorrência e também de segurança jurídica para garantir  contínua criação de riqueza,  produtividade nacional e competitividade externa do país. Deixam bem claro no historial que fazem dos grandes momentos da economia americana que a acção do estado foi decisiva para se passar para um novo patamar na mobilização dos recursos materiais, humanos e financeiros, implantar indústrias e serviços do futuro e chegar a mercados mais alargados. Quando se vai à história económica de muitos países que se industrializaram tardiamente e conseguiram atingir níveis de desenvolvimento invejáveis em pouco tempo vê-se o papel central do Estado em tornar tudo isso possível. A experiência dos relativamente pequenos países do Sudeste asiático é elucidativa a esse respeito. No mesmo sentido compreende-se muito do sucesso económico conseguido pelas Ilhas Maurícias e pelas Seychelles.
Para Cabo Verde, um país pequeno e insular, pode ser crucial para o seu desenvolvimento acelerado ter um Estado “intervencionista” na perspectiva que vem sendo apresentada por Carlos Lopes, o secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para a África, de um estado necessário para coordenar o desenvolvimento económico, estabelecer a regulação certa e facilitar o acesso ao capital. A experiência já conhecida dos últimos anos demonstra o que acontece quando um governo fixa-se na imagem exterior que lhe permite continuar a mobilizar ajuda externa e não se preocupa suficientemente com resultados. Não espanta que na sequência vários sectores da vida nacional comecem a dar sinais de ineficiência e ineficácia. É o que se tem visto com preocupante rapidez nos últimos tempos.
É fundamental pôr um “stop” a essa ausência de orientação e de políticas sectoriais que deixam as pessoas inseguras, minam a confiança e inibem iniciativas. Há que recuperar a competência executiva que tranquiliza, dá previsibilidade e garante compensação pelo esforço e energia despendidos.
                                   Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Abril de 2016

sexta-feira, abril 22, 2016

Novo impulso para a democracia representativa

Hoje, dia 20 de Abril, inicia-se uma nova legislatura. O MpD regressa ao poder depois de o ter perdido quinze anos atrás. O PAICV depois ter sido oposição e posteriormente  governo agora volta à oposição. Pela primeira vez temos os dois grandes partidos com experiência alternada de governo e de oposição democrática. Uma nova era na actividade parlamentar poderá abrir-se se a experiência de ter estado nos dois lados do muro for devidamente aproveitada.
A realidade vivida da inevitabilidade, a prazo, da alternância no exercício do poder ajudará certamente a conter manifestações de arrogância e de intransigência. Espera-se que também incentive a criação de um ambiente mais propício a negociações, a compromissos e ao desenvolvimento de uma atitude de defesa da instituição parlamento. Quem já foi governo e oposição tem todo o interesse que se institucionalize o mais possível os direitos das minorias para se evitar impasses e conflitos que degradem a imagem da instituição e retiram-lhe a eficácia desejada dentro do sistema político. Práticas que configuram uma espécie de tirania da maioria, se num determinado momento se mostram proveitosas para quem governa, pouco mais tarde acabam por revelar-se negativas, inibidoras de iniciativas e sustentadoras de  uma imagem pública perniciosa à instituição, à democracia e ao pluralismo.
A democracia representativa tem estado estado sob pressão em vários países independentemente de serem velhas ou novas democracias. Sondagens realizadas revelam como vêm baixando os níveis de confiança nas instituições democráticas em particular no parlamento. Vários factores contribuem para isso. Os cidadãos, com o poder recentemente adquirido de se informarem sobre o que passa à sua volta e no mundo a todo o momento através da internet e de se comunicarem através das redes sociais, olham para o parlamento como uma espécie de relíquia do passado num mundo do qual se esperam respostas rápidas e eficazes para os problemas que todos os dias surgem. Para eles fica cada vez mais evidente a dificuldade do parlamento em lidar com situações complexas como, por exemplo, os problemas do euro e as políticas de austeridade aplicadas na Europa, ou então a crise de refugiados e a islamização da Europa ou ainda, por exemplo, no caso do Brasil de uma quebra no crescimento acompanhado de desemprego, inflação e acusações graves de corrupção na classe política.
As soluções que vêm sendo apresentadas de mais partidos políticos, de flexibilização de mandatos ou mesmo de mais experimentação em formas de democracia directa trazem outros inconvenientes. Acabam por introduzir mais dificuldades que depois vão contribuir para o desprestígio ainda mais da instituição parlamentar, para instabilidade governativa e em certos casos para ascensão de partidos extremistas mergulhados em nacionalismo e políticas de identidade. O activismo nas redes socias já demonstrou ser mais eficaz em mobilizar para derrubar ditaduras como se viu na Primavera Árabe do que a construir comunidades capazes de suportar instituições estáveis. O aparecimento de novos partidos como aconteceu em Espanha até agora não trouxe estabilidade governativa. As consequências da flexibilização de mandatos de deputados que os liberta das amarras partidárias até ao ponto de mudarem de partido vêem-se, por exemplo, no caos da câmara de deputados no Brasil e na corrupção generalizada dos seus membros, aliciados que são a vender o seu voto a interesses particulares.
 A história tem demonstrado a importância fulcral da democracia representativa na defesa das liberdades, do pluralismo e do Estado de Direito. É fundamental que no início de uma nova legislatura se renove a vontade de a fazer plenamente funcional de forma a que se prestigie aos olhos dos cidadãos e sirva de contenção à cultura anti-política, anti-partido e anti-pluralismo que anda por aí sempre à procura de uma oportunidade para se manifestar. Já tivemos a segunda alternância e todas as forças políticas do arco da governação já foram governo e já se viram na oposição. As condições estão criadas para um novo comprometimento com o aprofundamento e a consolidação da democracia representativa. Naturalmente sem descurar as formas de democracia participativa e referendária previstas na Constituição e nas leis.
         Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 20 de Abril de 2016

Janira, líder a prazo?

Confirma-se que a presidente do PAICV Janira Hopffer Almada vai assumir o cargo de líder parlamentar. Compreende-se que JHA queira com a sua liderança da bancada da oposição ganhar estatura política aos olhos do seu partido e do país que lhe permite perspectivar a possibilidade de vir a estar à frente do seu partido nas próximas eleições legislativas. O problema é se, tendo em conta os resultados e a forma como o combate eleitoral foi conduzido, há razões par acreditar que se verificará o crescimento desejado. Afinal nem toda a gente está talhada para ser líder e para ganhar. Na sequência da reunião da direcção nacional do PAICV Janira em declarações à imprensa culpou a abstenção e culpou algumas coisas menos bem conseguidas da agenda de transformação e também o desgaste dos quinze anos. De facto, todos os elementos referidos poderão ter sido factores da derrota, mas esqueceu-se de elucidar sobre o papel que ela própria teve nesse desfecho. É evidente, por exemplo, o impacto negativo das divisões internas na eficácia do partido durante o embate eleitoral. Também é visível que a líder não convenceu nas suas tentativas de potenciar a sua condição de mulher e jovem. Pior ainda, não ganhou estatura política e intelectual suficiente para deixar de ser vista como alguém que decora matérias, mas não é imaginativa nem criativa nos debates. As falhas aqui identificadas dificilmente serão superáveis no futuro. Realmente vê-se, por exemplo, que depois de mais de sete anos como ministra de várias pastas não conseguiu ser vista num outro patamar, nem pelos seus colegas do governo. Só um ou dois de entre eles a apoiaram nas suas pretensões de líder do partido. Ganhou mas, mesmo exercendo o cargo durante um ano, não conseguiu crescer no cargo de forma a criar uma unidade de vontade e de identificação na sua pessoa que permitisse ao partido ultrapassar as suas clivagens internas e ser mais eficaz no combate eleitoral. Por outro lado, as armas de natureza clientelar utilizadas nas lutas internas e denunciadas em várias ocasiões por Felisberto Vieira e outros deixaram mágoas que não foram totalmente ultrapassadas durante o ano de seu mandato como presidente do partido. A competência já revelada na gestão de influências na máquina partidária não se revelou particularmente útil em construir pontes entre sensibilidades e personalidades, em ultrapassar conflitos e em fortalecer confiança. E quem já demonstrou não ter essas qualidades dificilmente as conseguirá no futuro. O tempo dirá da sua justiça.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 752 de 20 de Abril de 2016.

quinta-feira, abril 21, 2016

Poderes do Presidente

O Dr. Menezes diz no seu texto que o PM indigitado deve submeter à apreciação do PR as orientações gerais da política a prosseguir. Num outro ponto do texto tinha-se referido à avaliação pelo PR do elenco governamental proposto pelo PM e das opções políticas de fundo a prosseguir. Essa afirmação, salvo o devido respeito, parece-nos problemática considerando que, de acordo com o artigo 198º da Constituição, o PM e o Governo apenas são responsáveis politicamente perante a Assembleia Nacional. O nosso caso é diferente do sistema português em que há dupla responsabilidade perante o PR e perante a Assembleia da República (art. 190º CRP). Nos dois sistemas o PR não governa, mas no caso português o PR parece ter algum espaço para alguma orientação do Governo como aconteceu no caso do Governo de Santana Lopes, mesmo com constitucionalistas como Vital Moreira a discordarem vivamente. No nosso caso, em que para se governar tem que se garantir uma maioria absoluta a todo o tempo no Parlamento e que o Presidente só pode demitir o Governo se for aprovada uma moção de censura, deixa-se entender que, de facto, a influência do PR sobre a condução da política interna e externa é mais reduzida do que o texto citado aparentemente sugere. A estabilidade política que tem prevalecido nos 25 anos de democracia em Cabo Verde aconselha que se procure seguir o desenho constitucional da relação entre os órgãos de soberania assim como está na Constituição. Os diferentes poderes no sistema equilibram-se e contrabalançam-se. Nos raros momentos em que, de uma forma ou outra, se tentou ultrapassá-los as coisas não andaram bem. Convivem numa tensão que se quer virtuosa para o sistema. Parafraseando o presidente Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso de tomada de posse, é fundamental que cada um assuma em plenitude os seus poderes e deveres. Sem querer ser mais do que a Constituição permite. Sem aceitar menos do que a Constituição impõe.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 751 de 06 de Abril de 2016.

quarta-feira, abril 20, 2016

Centralidade do Parlamento

Os quinze anos de governo do PAICV debilitaram bastante o Parlamento cabo-verdiano. Para o público foram passadas imagens de intransigência, de incapacidade de fiscalização do governo e de fragilidade dos deputados. Com as reformas pretendia-se fazer avançar o Parlamento para um novo estádio no qual os trabalhos nas comissões especializadas ganhariam outro peso, a fiscalização do governo tornar-se-ia mais efectiva e a produção legislativa seria maior. Tardaram e acabaram por ser obscurecidas na controvérsia à volta do regime remuneratório dos titulares do poder político. O fim das reformas levou a Assembleia Nacional ao seu ponto mais baixo, seja em termos de imagem pública, seja em termos de auto-estima dos seus titulares. A crise serviu para trazer ao de cima muita da cultura anti-partido e contra o pluralismo que vem dos tempos do salazarismo e dos 15 anos de partido único. Felizmente que as eleições de 20 de Março pela forma como decorreram, pela abstenção relativamente baixa e pelos resultados, demonstraram que o eleitorado continua a acreditar no sistema de partidos: demonstrou que é capaz de forçar a mudança de governo ao mesmo tempo que deixa força política expressiva no sistema capaz de garantir alternância futura.  Agora o Parlamento com legitimidade renovada deve saber mover-se com rapidez para assumir em pleno o seu papel dentro do sistema político designadamente em garantir a discussão plural das grandes questões do país, na fiscalização do governo e na adequação do ambiente legal e institucional necessário para acelerar o crescimento e desenvolvimento do país. Para o forte engajamento nesse sentido é de maior importância o papel do presidente e da mesa da Assembleia Nacional. Em particular do presidente da Assembleia Nacional é fundamental que sua condução dos trabalhos parlamentares seja percebida por todos como isenta e imparcial. Embora originário do partido maioritário, o presidente deve esforçar-se por não permitir que o governo juntamente com a sua maioria dificulte o debate parlamentar, trate com sobranceria os deputados da oposição e crie obstáculos à prestação de contas. A imagem negativa do Parlamento como instrumento dócil do governo diminui o seu papel de centro do sistema político, fere a dignidade dos seus titulares e desprestigia-o perante a opinião pública. A perda em democracia e em pluralismo que daí resulta tem consequências gravosas não só nas garantias de liberdade como também afecta as possibilidades do país de encontrar os caminhos certos, fazer os ajustes de percurso e mobilizar as energias e capacidade para crescer e prosperar. Um novo começo precisa-se.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 752 de 20 de Abril de 2016.

terça-feira, abril 19, 2016

Saber contar

Amanhã dia 20 de Abril inicia-se uma nova legislatura com a sessão constitutiva da nova assembleia saída das eleições de 20 de Março. Que designação terá a nova legislatura? O mais certo é que será designada de IX legislatura como a que terminou foi chamada de VIII Legislatura. Toma-se como ponto de partida de contagem das legislaturas o ano de 1975 em completo desacordo com a realidade histórica dos sistemas políticos que vigoraram e da existência ou não de uma Constituição. Em todas os países faz-se a distinção entre regimes democráticos e não democráticos e entre regimes constitucionais diferentes. Por isso é que se fala, por exemplo, da I República, do Estado Novo e da III República em Portugal ou que se diz que a França já vai na V República e que em Cabo Verde vive-se actualmente na II República. Como as repúblicas diferem na forma das eleições e na natureza das instituições eleitas e também no tipo de sistema político inicia-se a contagem das legislaturas com a entrada em vigor da Constituição que regula tudo isso. Em Cabo Verde optou-se por baralhar tudo. Não se faz a distinção entre a I e a II República e até o período pré-constitucional de 1975 a 1980 é chamado de I Legislatura. As razões para mais um exemplo do que se podia chamar de dissonância cognitiva são as de sempre: a insistência numa linha de continuidade entre o regime de partido único e a democracia e a equiparação de instituições obviamente diferentes como a Assembleia Nacional Popular unipartidária  e a Assembleia Nacional pluripartidária, governos constitucionais  e regime de partido –Estado. A partir do 13 de Janeiro e da Constituição de 1992 começou, de facto, a I Legislatura da II República o que devia fazer da legislatura que começa hoje a VI Legislatura. O MpD enquanto esteve no poder não deu a devida importância à questão. O PAICV, mais atento à simbologia do poder, quando ganhou as eleições deixou cair a designação de governo constitucional que o MpD tinha introduzido em 1991 e adoptou a de governo de legislatura. Imagine-se a razão para isso. Espera-se que agora o MpD recupere o que é prática corrente nas democracias constitucionais. Mas as disfunções em situar eventos, instituições e regimes não terminam aí. Há algo mais caricato do que ter um país em que as suas Forças Armadas comemoram 49 aniversário quando o Estado independente apenas tem 40 anos de existência?
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 752 de 20 de Abril de 2016.

sexta-feira, abril 15, 2016

Centrar nas pessoas

A uma semana do início de uma nova legislatura e do arranque de um novo governo sente-se no ar o cheiro de mudança. As pessoas talvez apanhadas pela fluidez repentina do que até bem pouco tempo parecia sólido e invariável designadamente no que respeita a indivíduos, entidades, cargos e posições falam de um ambiente mais leve como se um pesado fardo tivesse sido levantado. As expectativas são difusas mas sempre apontando para mais dinâmica na actividade económica, mais emprego e mais qualidade de vida. Em relação à situação actual do país e às dificuldade a serem vencidas para se ultrapassar o marasmo actual já é mais difícil de perceber se as conhecem devidamente.
Não ajuda a levantar o véu sobre os problemas do país quem ainda na embalagem da campanha continua a insistir que é só uma questão de tempo para se ver os resultados da “agenda de transformação”. Esquecem que praticamente se passou toda uma legislatura à espera de sinais de uma nova era de crescimento e de criação de empregos. Apenas se teve um crescimento anémico e incapaz de criar empregos para os muitos a terminar o liceu e a completar a licenciatura. Talvez, mais do que a abstenção como a liderança do PAICV parece querer justificar-se, tenha sido o desencanto e a constatação que o governo não foi merecedor dos extra cinco anos recebidos em 2011 que moveu o eleitorado em todas as ilhas a votar maioritariamente uma nova governação. Feita a eleição convém, porém, procurar saber por que o país falhou em crescer e em responder, no geral, aos anseios dos seus cidadãos.
Em entrevista durante a reunião de balanço das eleições no fim-de-semana passado, a líder do PAICV foi clara em reiterar a posição do seu partido em relação ao país e à sociedade cabo-verdiana: “Nós não nos centramos nas pessoas, centramo-nos no interesse público, na realização do bem comum e na satisfação das necessidades”. Com essa afirmação situa-se em oposição a quem “se centra nas pessoas”, apresenta-se como quem funciona para um todo conhecendo à partida qual o seu interesse e como realizá-lo e prontificando-se a satisfazer as suas necessidades. O problema com este modelo paternalista, para além de potencialmente autoritário como todos bem conhecem da história do país, é que levou o país à estagnação económica. Aconteceu nos fins dos anos oitenta e voltou a acontecer nos últimos anos.
Tal modelo, financiado primeiro pela ajuda externa e depois pela dívida externa, tem demonstrado ao longo dos anos que falha em tornar o país produtivo e não o deixa ganhar competitividade externa. Fiel aos hábitos dirigistas dos seus agentes, desperdiça oportunidades que se oferecem ao país e mantém as pessoas dependentes enquanto procura satisfazer-lhes as necessidades com os recursos arrecadados e depois distribuídos. Coerentes com o modelo, os seus agentes partem do princípio que apenas eles conhecem o interesse  público. E porque assim é, inibe-se a livre expressão de opiniões, coarcta-se a iniciativa individual e não se incentiva o mérito. Não estranha que o somatório de factores como passividade, dependência, receio de exprimir opiniões contrárias e não compensação do mérito não ajude a nação a criar riqueza e pelo contrário a lança no marasmo económico e social.
As formas tradicionais nas democracias ocidentais de esquerda e direita não parecem existir em Cabo Verde. Na Europa o centro-direita e o centro-esquerda diferenciam-se essencialmente na forma como resolvem a tensão entre a liberdade e a igualdade. Os da esquerda põem enfase na igualdade e propõem-se a usar o Estado para diminuir as desigualdades, assegurar a inclusão social e garantir o pleno emprego. Muitas das dificuldade vividas pelo Estado social advém de se ter excedido e no processo ter sacrificado o crescimento, contribuído para o desemprego e provocado mais exclusão. O centro direita com a enfase na liberdade, autonomia das pessoas e no incentivo à iniciativa individual procura atingir os mesmos objectivos de crescimento, de diminuição das igualdades, e de luta contra marginalização e a exclusão sociais. Alternam-se no poder porque o eleitorado sente a necessidade de reequilíbrio sempre que se desloca demasiado num ou noutro sentido, mas todos focalizam-se nas pessoas e ninguém se arvora em defensor do interesse geral contra os que pretensamente apenas estariam a defender interesses das pessoais.
Em Cabo Verde a clivagem entre os dois partidos advém da falta desse elo comum de focalização nas pessoas no seu direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade como vem expresso na declaração de independência dos Estados Unidos da América. Se existisse ganhar-se-ia globalmente com as abordagens políticas distintas dos partidos para se atingir o mesmo fim. Aqui ainda se insiste num modelo paternalista que alimenta a dependência, suga a energia da nação e no final é incapaz de garantir com sustentabilidade o que até ao momento se conseguiu. Mudar é preciso se o objectivo é pôr o país no caminho do crescimento económico e do aproveitamento da energia e criatividade do seu povo para criar riqueza e libertar o país da pobreza e dos males da exclusão social.
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 13 de Abril de 2016

domingo, abril 10, 2016

José Maria Neves não é candidato presidencial

Num post anterior do emcima já tínhamos dito que o resultado das legislativas seria crucial para a decisão de JMN em concorrer nas presidenciais. De qualquer forma a quasi declaração de candidatura no momento em que a fez tinha mais o objectivo de unir o partido antes das legislativas do que realmente de posicionar-se para uma nova carreira política como Presidente da República. As presidenciais de 2011 tinham sido um momento extremamente divisivo no partido e convinha que sinais claros fossem dados de que a situação não se repetiria. Mas com a derrota estrondosa nas legislativas é evidente que já não serve qualquer propósito. Enfrentar Jorge Carlos Fonseca, um incumbente com elevado nível de popularidade, nas actuais circunstâncias seria desperdiçar capital político que noutro momento poderá mostrar-se mais útil. O PAICV certamente encontrará um outro candidato para apoiar. Não deverá repetir-se o que aconteceu em 1996 em que António Mascarenhas Monteiro foi o único candidato. A democracia cabo-verdiana já teve tempo de produzir personalidades capazes de encarnar ideias diferentes do que deve ser a presidência da República, com a energia e a motivação suficientes para procurar galvanizar o eleitorado com o seu projecto. E da última vez tivemos quatro candidatos.  
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 749 de 06 de Abril de 2016.

sábado, abril 09, 2016

Faz falta um Ministério da Coordenação Económica

Na estrutura do Governo trazida a público por Ulisses Correia e Silva salta à vista a ausência de um Ministério da Coordenação Económica, englobando as Finanças e a Economia. Curioso é que em vários momentos dos quinze anos do governo de José Maria Neves vinha à baila a necessidade da coordenação ao nível do governo das políticas económicas e das Finanças Públicas. A percepção geral é que não andavam sintonizadas: enquanto se fazia o discurso de suporte e incentivo às empresa e à iniciativa privada, os operadores económicos queixavam-se da insensibilidade vinda das Finanças que na óptica cega de caixa procurava a todo o custo receitas para fazer frente às despesas do Estado. Não é por acaso que nos quase dez anos de Cristina Duarte como Ministra das Finanças passaram pelo governo cinco ministros de Economia. Conhecem-se as dificuldades em lidar com as Finanças Públicas nas quais a rigidez das despesas fixas, em cerca de 80% do total orçamentado, não deixa muita margem de manobra. O caminho para ultrapassar este constrangimento central passa nomeadamente por aumentar a base tributária via crescimento económico com criação de emprego, luta conta a evasão fiscal e também por maior eficiência do Estado na utilização dos recursos disponibilizados. O problema é que as medidas de política económica muitas vezes implicam custos a curto prazo ao Estado, mas só resultam a médio e longo prazo. Quando não há muito espaço orçamental, a desfasagem entre os custos e os benefícios na óptica das Finanças Públicas é complicada de gerir. Daí a necessidade de coordenação estreita e estratégias conjuntas bem articuladas. Na ausência disso, o ministro de Finanças tende, como já se sabe do passado recente, a refugiar-se numa lógica de caixa enquanto ministros de Economia vão soçobrando de dois em dois anos sem que se veja grandes avanços na economia nacional. É de notar ainda que as maiores mudanças na economia nacional, que elevaram extraordinariamente o potencial de crescimento de Cabo Verde e deram ao país os seus níveis mais altos de crescimento, aconteceram entre 1995 e 2000 quando na estrutura do governo havia um Ministério de Coordenação Económica. Podia ser uma experiência a retomar em moldes ainda mais rigorosos e efectivos.  
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 751 de 06 de Abril de 2016.

sexta-feira, abril 08, 2016

Política monetária e política orçamental divergem

Levantar a cortina para se ver os problemas reais do país deve ser uma das primeiras tarefas a realizar no novo ciclo político. Um dos problemas é o financiamento de empresas e de particulares pelos bancos. O governo do PAICV, na sua ânsia de passar a culpa da falta de dinâmica na economia nacional para outros, apresentou como culpado as dificuldades em conseguir crédito bancário. Para dar a ideia de que estava a desemperrar o sistema fez o BCV baixar as taxas e pressionou os bancos a conceder empréstimos. Quando nem a transmissão monetária se verificou porque o sistema bancário tinha excesso de liquidez, nem o crédito às empresas  aumentou significativamente como prometera, acabou por culpar as empresas, ou por não terem contabilidade organizada ou por serem incumpridoras. Não considerou que o comportamento dos operadores económicos podia estar condicionado pela percepção que tinham dos riscos macroeconómicos provocados designadamente com o que o BCA no seu relatório de contas de 2015 constata: “a política monetária e a política orçamental continuam a divergir entre si, quanto aos sinais que transmitem à economia: à luz das mais recentes decisões do BCV, a política monetária é de incentivação do crédito, porém, a política orçamental, na sua componente fiscal, aponta para uma penalização do rendimento disponível das famílias e da liquidez das empresas, ao mesmo tempo que, restringida pelos níveis de dívida pública, desacelerou a política de investimentos públicos”. Para um país com um peg fixo no quadro de um acordo cambial com o euro, ter a política monetária e a política orçamental a divergir não pode dar bons resultados. Mas é o que se está a passar desde os finais de 2011, traduzido na célebre frase da Ministra de Finanças a dizer ao governador do BCV que não se ensina missa ao vigário. Foi então que o BCV, para proteger a paridade do escudo cabo-verdiano em relação ao euro, subiu as taxas e na sequência, como diz o relatório do BCA, houve redução de liquidez no sistema financeiro, contracção e quebra de expectativas de agentes económicos. Quando em 2013 e 2014 o BCV aliviou as restrições, os resultados em termos de crédito concedido não foram os esperados. O Estado beneficiou com a maior procura dos bilhetes de Tesouro e a baixa de taxa de juros, mas os privados nacionais já não tanto. Mesmo o crédito à habitação não cresceu significativamente perante as expectativas criadas pelo Programa Casa para Todos, de habitação social, com evidente impacto na economia. A construção civil privada e a actividade comercial conexa não granjearam o impulso que tanto precisavam. São todos estes e outros desencontros de políticas que têm mantido o país no estado de quase estagnação económica neste último quinquénio. Um facto evidente reconfirmado com os últimos dados do INE a porem o crescimento do PIB em 2015 em 1,5% e o BCV a prever para 2016 crescimento entre 1,5 e 2,5% do PIB. Ouvindo o Dr. José Maria Neves na RCV, o país fica a pensar que a crise internacional é que é a causa de todos os seus problemas quando na realidade a dificuldade maior são as opções que o seu governo fez durante anos seguidos. Importa agora é que se tenha a consciência deles e que se crie a vontade para as mudar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 749 de 06 de Abril de 2016.

Importância do jornalismo de investigação

A vinda a público dos já internacionalmente conhecidos Panama Papers revelou, mais uma vez, a importância de um jornalismo de investigação caracterizado pelo rigor e independência. Nos mais 11 milhões de documentos analisados e disponibilizados ao público pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (CIJI) foram postos a nu inúmeros interesses duvidoso vindos não só de todas as esferas da vida política, económica, empresarial, social e cultural como também do submundo do tráfico e das redes de terror. Com a ajuda de uma empresa de advogados, Mossack Fonseca, conseguiam colocar-se a salvo de autoridades fiscais e policiais e fora do controlo da justiça.   
O trabalho exigiu o esforço de centenas de jornalistas e as revelações trazidas a público já provocaram demissão do Primeiro-ministro da Islândia. Outras tornaram-se objecto de inquéritos vários e já causaram embaraços diversos a personalidades conhecidas. De todo o mundo vêm palavras de agradecimento por se ter conseguido a façanha de trazer à luz do dia actos de fuga ao fisco que normalmente deixariam os ricos a gozar com os resultados dos seus esquivos a pagamento de impostos enquanto pessoas com menos rendimento não conseguem escapar ao crivo da administração tributária. Para muitos a prestação da comunicação social nesta matéria demonstra como uma cidadania atenta, próxima de uma imprensa com critérios sérios de jornalismo, pode fazer a diferença tanto a nível nacional como a nível global. 
Nesta época de globalização transacções podem ser feitas entre quaisquer pontos do globo e a qualquer momento. Redes de produção e distribuição são capazes de ligar uns a outros em poucas horas. Poupanças ou riquezas de diversas origens podem ser mobilizadas e reinvestidas em qualquer altura. Naturalmente que existem condições, derivadas em grande parte da natureza dos negócios, para se contornar as exigências feitas na abertura de contas, na movimentação de fundos de financiamento e nas transferências entre diferentes interesses. Na ausência de autoridades ao nível nacional e global devidamente preparadas para o combate a esse tipo de atropelos cabe à comunicação social um papel importante na identificação e rastreio de interesses escondidos. 
As democracias nos últimos anos têm estado sobre pressão, nalguns casos devido a uma crise de representação, noutros casos derivado de relações conflituantes entre os órgãos de poder político e ainda há casos criados pela percepção do que causou a actual situação caracterizada pela crescente desigualdade social. A crise financeira internacional veio confirmar aos olhos de muitos que o estado se entreteve de tal forma no salvamento dos bancos que descurou as dificuldades do cidadão comum e o deixou completamente à mercê dos capitalistas sem escrúpulos. Depois da crise, com as pessoas ainda a sofrer com os muitas vezes brutais cortes em salários e pensões, o espectáculo do sistema financeiro saído incólume e com ar de prosperidade tem deixado as pessoas furiosas. Quando denúncias são feitas de que realmente há pessoas a abusar do resto, acontecem manifestações como as da Islândia neste fim-de-semana, que efectivamente levaram o primeiro-ministro à demissão. E esse conhecimento só pode ser levado ao público se houver uma imprensa livre e com meios para proceder a uma investigação jornalista que vá até ao âmago das coisas. 
Há quem vaticine que as redes sociais poderão substituir os media tradicionais em manter a pressão sobre os poderes instituídos na sociedade. A força das redes sociais já foi verificada em movimentações como as da Primavera Árabe e outras como, por exemplo, de campanha eleitoral, como se viu nas últimas eleições legislativas. Mas ainda cabe aos media tradicionais, com o seu grupo de profissionais, o desempenho do papel de controlo sistemático das acções de poderes e interesses na sociedade. 
Em Cabo Verde pode ainda não se ter devidamente desenvolvido um jornalismo de investigação, mas já há sinais de que se caminha firmemente para aí. Com mais frequência já aparecem pessoas a colaborar enquanto fontes de informação sem que a motivação seja alguma vingança pessoal mas sim preocupação com algum bem comum ou na tentativa de evitar um desastre ou mal maior que afectaria todos. Também os jornais já estão a dar os primeiros passos no fact-checking, como se viu nas recentes eleições. Revelador do poder desta abordagem foi o desmentido que este jornal conseguiu da União Europeia em relação à afirmação de um candidato a deputado em S. Vicente a propósito do financiamento de um porto de águas profundas nessa ilha. 
Com tudo isto em mente, o Expresso das Ilhas saúda o esforço do CIJI na preparação dos Panama Papers como um exemplo de jornalismo de investigação e da liberdade de imprensa,  indispensável para a democracia neste mundo globalizado.

       Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 6 de Abril de 2016

quinta-feira, abril 07, 2016

Segurança. Polícias. Partilha de informações

Um dos aspectos que mais chamou a atenção nos ataques terroristas na Bélgica foi que provavelmente eram evitáveis se houvesse maior partilha de informações entre as polícias e maior coordenação das forças de segurança. A natureza das ameaças com que as democracias se deparam hoje exige uma actuação superior, mais inteligente, mais compreensiva e mais eficaz dos vários componentes do sistema de segurança. Deve-se, porém, ter sempre em atenção que se é verdade que não há exercício de liberdade sem segurança, também não é com derivas securitárias que alienam as comunidades e alimentam uma cultura de ressentimento e de vitimização que se devolve às pessoas a possibilidade de se sentirem livres e seguras no seu dia-a-dia. Em Cabo Verde também o sentimento de insegurança traduzido nos tristemente célebres “caçubodies”, que já vêm de muitos anos, trouxe à tona a inevitável tensão entre a liberdade e a segurança. A reacção das autoridades, seguindo a abordagem chamada de tolerância zero adoptada em vários países, não teve os resultados esperados ou prometidos. A insegurança persiste. Tem-se, entretanto, uma polícia mais militarizada, mas não necessariamente mais eficaz. O policiamento de proximidade que supostamente devia acompanhar a implementação da política de tolerância zero e ser instrumental na ligação com as comunidades não aconteceu. São falhas bastante debatidas no parlamento e na imprensa e reconhecidas mesmo em documentos oficiais, designadamente no Plano Estratégico de Segurança de 2014. Dentro da instituição policial e em vários sectores de segurança reconhece-se o problema, mas até agora não houve acção consequente capaz de restaurar ao cidadão comum a tranquilidade que almeja ter quando faz o seu footing, sai para a noite ou chega à porta da sua casa. Num “post” no Facebook o comandante da Polícia Nacional em S. Vicente, Alcides da Luz, deixa claro as suas apreensões: “A prevenção e o combate à criminalidade não se fazem priorizando em absoluto acções repressivas/reactivas, vigilância física através de patrulhamento auto e apeado (passear do auto e de farda)”. E faz sugestões: “A implementação plena do Policiamento de Proximidade vem, entre outras coisas, aproximar cada vez mais o polícia e o cidadão através do contacto, diálogo e interacção permanentes. Vem permitir que os cidadãos participem na Ordem e Segurança dos seus Bairros, nas zonas distantes dos centros urbanos.” Tal como já se conhece de outras críticas ao funcionamento do sistema e segurança, ainda chama a atenção para “a insistência em não trabalhar, partilhar e articular informações entre os serviços policiais”. Esta última preocupação tem implicações que vão para além da resposta à pequena criminalidade ou à necessidade de se garantir ordem e tranquilidade em todas as cidades e vilas de Cabo Verde. As ameaças que podem vir dos diferentes tráficos, do crime organizado e do terrorismo só podem ser confrontadas tendo as forças nacionais e os serviços de inteligências articulados entre si e com organizações congéneres estrangeiras. Se para países como a Bélgica é urgente ultrapassar empecilhos ao funcionamento eficaz das forças de segurança, com mais razão aqui, com os parcos recursos, há que ser efectivo em tudo o que respeita à segurança, seja na guarda dos nossos mares e recursos marinhos, no combate ao crime ou em assegurar tranquilidade às pessoas. Para isso o novo governo terá que agir decididamente para ultrapassar dificuldades e resistências institucionais diversas entre as quais as há muito identificadas e relembradas agora. É preciso nunca esquecer que Segurança é de importância estratégica fundamental para o desenvolvimento do país.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 749 de 06 de Abril de 2016.

quarta-feira, abril 06, 2016

“Due process”


Num artigo no jornal A Nação, o advogado Dr. Mário Jorge Menezes justificou a intervenção do Presidente da República logo após as eleições legislativas, primeiro, na audição dos líderes partidários e subsequentemente nos dois encontros da semana passada com o Dr. Ulisses Correia e Silva, como forma de contribuir para a redução do processo preliminar para a formação do governo. Bom, para além do facto de todo o país ficar a saber quem são as personalidades que UCS, no momento próprio, vai propor ao PR para serem nomeadas membros do seu governo, não é claro que se tenha ganho mais alguma vantagem. Se não vejamos: os resultados das eleições foram publicados no dia 31 de Março. A partir daí os prazos constitucionais para o início da legislatura e para a constituição do governo activaram-se. No dia 20 de Abril reúne-se a nova Assembleia Nacional com os deputados eleitos. Na sequência, o actual governo demite-se e entra em gestão até que o Presidente da República exonere o primeiro-ministro cessante e de seguida nomeie um novo PM e um novo Governo. Depois, para o novo Governo assumir plenos poderes deverá apresentar o seu programa ao Parlamento e conseguir dele a aprovação de uma moção de confiança por uma maioria absoluta dos deputados. Terá quinze dias para isso e a Assembleia Nacional outros quinze para o apreciar e votar a moção de confiança. Encurtar estes prazos numa perspectiva de celeridade não é fácil e talvez não seja nem útil nem conveniente para o normal funcionamento das instituições como se constatou em 2001 quando o governo do MpD pediu demissão logo após ter perdido as eleições. Por outro lado, as eleições deram maioria absoluta ao MpD e não há dúvidas de quem deve formar governo. Não havendo necessidade de coligações pós-eleitorais para garantir estabilidade governativa não são precisas negociações demoradas entre as forças políticas que poderiam justificar uma intervenção mais apressada do PR para as acautelar. Nem se põe o problema de o país estar a realizar eleições após uma crise política com demissão do governo e dissolução do parlamento, como amiúde acontece noutras democracias, porque as realizadas a 20 de Março são de fim de legislatura. Recorrendo ao constitucionalista Gomes Canotilho, citado pelo Dr. Menezes, que diz “antes da nomeação do PM há o convite presidencial para o cargo e a sua indigitação para formar governo, sendo nessa qualidade que ele efectua as diligências necessárias, as quais decorrem com o Governo demitido em funções de gestão”, vê-se que fica problemática uma intervenção do PR enquanto a Legislatura não terminar e o governo ainda formalmente se encontrar em pleno uso dos seus poderes. Não é por acaso que da Presidência da República não tenha vindo qualquer comunicação oficial dos resultados dos encontros entre o PR e Ulisses Correia e Silva. Por outro lado, é de reconhecer que os prazos parecem longos e também que o facto de o partido no governo ter perdido as eleições e continuar a exercer como se nada  tivesse passado pode criar alguma tensão que importa dissipar. Mas que se faça isso de forma efectiva e sem criar ruídos no sistema.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 751 de 06 de Abril de 2016.

sexta-feira, abril 01, 2016

Herança escorregadia

José Maria Neves ao felicitar Ulisses Coreia e Silva pela vitória do MpD fez questão de fixar qual a herança que deixava ao próximo governo. Citado pela Inforpress, disse que nos quinze anos foram lançadas “as bases e os alicerces para uma economia inovadora e competitiva, geradora de crescimento, de empregos e de trabalho decente, enfim de desenvolvimento sustentável”. Mas será que é assim mesmo? Compreende-se que quisesse já preparar o quadro para a oposição futura do seu partido exigir ao governo de UCS resultados expressivos no curtíssimo prazo. A realidade porém é que as opções de governação do Paicv já demonstraram falhar em produzir resultados. Ano após ano, na lei do Orçamento do Estado, faziam-se previsões de crescimento económico de 3,5, 4 e até 5% do PIB. Nos últimos sete anos o que se constatou foi uma taxa média de 1,3% do PIB. Dos dados do emprego publicados apenas se registou uma queda de 1% de desemprego em dois anos (2012-2014) acompanhado de aumento significativo de inactivos. O crescimento do rendimento per capita passou a negativo com a economia a crescer 0,8% e 1% do PIB. É de se perguntar: “Onde está a herança que JMN quer legar à posteridade”? Os resultados das eleições de 20 de Março foram o que já se sabe porque certamente uma boa parte do eleitorado deixou de acreditar que os resultados estavam ao virar da esquina como lhes garantia o governo do Paicv. A retoma mais uma vez de promessas de portos de águas profundas e de economias verde ou azul só piorou a situação. De facto, não é por se ter investido neste ou naquele projecto ou construído algumas infraestruturas que se põe o país no caminho do desenvolvimento sustentável. Se são medidas muitas vezes avulsas e custosas com prioridades trocadas e que não se articulam como peças de um plano estratégico, não se pode esperar que do trabalho feito resulte uma economia competitiva, com um bom ambiente de negócios, capaz de atrair investimento privado nacional e estrangeiro e de criar empregos em sectores dinâmicos de exportação de bens e serviços. Quem perdeu as eleições devia ser capaz de reconhecer que a actual estagnação da economia deve-se a políticas erradas e a opções de governação que não tiveram em devida perspectiva nem a realidade do país nem a situação actual do mundo. Quando é evidente  que o país se encontra numa encruzilhada difícil, faz parte do papel de uma oposição leal contribuir com as suas críticas para a compreensão da situação real que o país vive, deixando de lado truques de ilusionismo na política. Cabo Verde já se endividou, já perdeu oportunidades e já está atrasado na adopção da atitude certa para fazer o desenvolvimento sustentável. Por demasiado tempo deixou-se levar pelo canto de sereia dos que, parafraseando o político americano Mario Cuomo, fazem campanha em poesia e esquecem que a governação faz-se em prosa com resultados directamente nas pessoas, nos seus rendimentos, na sua qualidade de vida e nas suas expectativas de futuro.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 748 de 30 de Março de 2016.

quinta-feira, março 31, 2016

Encruzilhadas

Não é só Cabo Verde que precisa mudar a forma de fazer as coisas e de mover a sua economia. Como aqui, um pouco por toda a parte, se sente a necessidade de uma reorientação para responder aos desafios de hoje, de fazer as reformas tantas vezes adiadas e de ir para além de visões já gastas e ser capaz de agarrar novas oportunidades. Saber como e quando mudar é fundamental. Muitas dificuldades que o Brasil vive actualmente é porque, segundo muitos observadores, não aproveitou o tempo das vacas gordas para fazer as reformas que hoje daria sustentabilidade à nova classe média que o governo de Lula ajudou a criar há poucos anos atrás. O crescimento da China caiu dos dois dígitos para 6% ao ano enquanto procura reestruturar a sua economia, dinamizar a procura interna e ficar menos dependente das exportações. A quebra na procura global que isso já provocou ajudou na queda do petróleo com todas as consequências ao nível económico e da geopolítica. Países como a Nigéria, Angola, Rússia,  Turquia, Irão, Arábia Saudita, Venezuela têm de se reorientar, procurar diversificar a economia e eliminar muita da ineficiência que lhes rouba dinâmica interna, os torna pouco competitivos e os expõe facilmente a choques externos. O mesmo acontece com vários países que prosperaram com a subida de preços das commodities e agora vêem-se aflitos com pesada dívida pública e privada. No caso de Cabo Verde, as dificuldades vêem de longe, mas os avisos de partidos da oposição e de vários sectores da opinião pública não foram levados em devida conta pelo governo do PAICV. Quem também avisou foi o Dr. Carlos Burgo, ex-Governador do Banco Central. Em artigos de opinião neste jornal, chamou a atenção um para um conjunto de questões, nomeadamente: a diminuição do potencial de crescimento, a falta de eficiência e diversificação da economia cabo-verdiana, a falta de arrojo e de conhecimento em lidar com o turismo, o avolumar da dívida pública que já degradou o quadro macroeconómico e o fraco crescimento que põe em causa a sustentabilidade da dívida. Alertou também entre muitas outras coisas para não ficarmos entretidos com a narrativa que os nossos problemas se devem à crise na zona euro e ´foi peremptório em dizer que “é claramente um equívoco pensar-se que esses obstáculos (por detrás da estagnação do crédito) podem ser ultrapassados pela via da política monetária”. O resultado das eleições legislativas sugere que na generalidade do eleitorado há percepção de que o país, de facto, está numa encruzilhada e tem que mudar de rumo. Não pode continuar a se deixar ofuscar nem iludir com narrativas de blindagem, da crise que é causa dos nossos males e com bazofarias que Cabo Verde tem uma boa governação que faz inveja. O sucesso da nova governação vai depender em muito da capacidade em manter mobilizada a vontade nacional para mudança. Para isso é fundamental que seja trazido a debate público os reais problemas do país e se ponha na devida perspectiva as reformas que terão que ser feitas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 748 de 30 de Março de 2016.

Pela dignidade da mulher

A dimensão do espaço de realização pessoal que a mulher tem numa determinada sociedade é quase universalmente considerado um indicador do nível civilizacional. Cada vez mais vêem-se mulheres nas mais diferentes posições em todas as esferas da vida designadamente política, económica, social, intelectual e cultural e até militar em teatro de guerra. Progressivamente nada parece ficar fora e antigos espaços ciosamente reservados aos homens  acabam por ceder não obstante resistências localizadas.
Em Cabo Verde aparentemente não há qualquer espaço restrito. Ninguém torce o nariz à partida perante a possibilidade de uma mulher ocupar qualquer cargo público ou privado. Também não se sente qualquer urgência em se atingir cotas na presença feminina em órgãos colectivos. Revelador neste aspecto é o facto que mesmo com uma mulher na liderança de um partido político não se alterou grandemente a presença de mulheres na Assembleia Nacional. Ficou-se pelos 23,6% do total dos deputados. No governo a ocupação de cargos começou em 1991 e mais de vinte anos depois chegou a atingir os 50% dos ministros. No poder judicial, têm lugar destacado em todas as instâncias e desde de 2015 é uma magistrada que preside o Supremo Tribunal de Justiça.
A mobilidade das mulheres e a praticamente nula resistência à sua ascensão e ocupação de qualquer posição pública ou privada não significa que desapareceram as tensões  e violências físicas e psicológicas que infelizmente muitas vezes acompanham as relações entre homens e mulheres. A implementação da legislação sobre a violência de base no género trouxe à consciência pública muita da violência e da humilhação que não poucas vezes familiares, vizinhos e a sociedade em geral fingiam ignorar com consequências trágicas para os envolvidos e para os filhos. E como este jornal já teve oportunidade de documentar não é uma violência que fica pelos casais de adultos com uma vida em comum mas se manifesta também nas relações de namoro entre adolescentes e jovens adultos. O sentido de posse e os ciúmes que o acompanham são os ingredientes comuns, mas potentes, de desavenças que no ambiente pequeno das ilhas e na vida precária da uma boa parte da população urbana e rural  podem facilmente evoluir para situações extremas de agressão.
A pobreza é, de facto, o maior inimigo da mulher. A precariedade da existência põe um especial peso sobre o dia-a-dia da mulher e é extremamente limitativo do que pode almejar conseguir para escapar a um destino de uma vida de pobreza. Principal provedor dos cuidados para toda a família, é obrigada a sacrificar-se em tarefas domésticas e na busca de rendimentos para compensar a falta de recursos. E nesta luta pela sobrevivência não poucas vezes carregada de filhos vê fugir-lhe os sonhos e a saúde. A grande compensação é quando perante o sucesso do filho ou da filha sente que o esforço se justificou. Pelo contrário, imagine-se o desespero que a invade quando percebe que foram atraídos pela vida dos gangs ou outros marginais e um dia chega a notícia que foram presos, feridos ou assassinados.
A luta pela dignidade da mulher passa pela luta contra a pobreza que efectivamente diminui a dependência das pessoas e a coloca no caminho da inclusão social e económica. É também uma luta que a deve libertar da condição de propriedade de alguém seja do pai, do irmão ou do marido. Muita tragédia vivida por mulheres em certos países é justificada com a necessidade de recuperação da honra perdida por familiares e maridos.
Em várias zonas de fractura no mundo, que hoje por causa das viagens e das migrações já não só dividem estados ou regiões mas também comunidades e até ruas e vizinhos, disputas à volta da condição da mulher são motivo de violência extremada, intolerância e de resistência à modernidade. A resposta a tudo isso deve ser a continuação do esforço colectivo de reafirmar no dia-a-dia a nossa humanidade comum e a vontade inquebrantável de garantir a todos o seu direito à felicidade. Ao governo exige-se que focalize as suas acções de luta contra a pobreza e inclusão da mulher como forma de conseguir maior eficácia na utilização dos recursos públicos e de a libertar dos constrangimentos que limitam a sua realização pessoal em todos os domínios. Toda a sociedade ganhará com isso. 
       Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 30 de Março de 2016