Volta e meia os governantes falam da importância geo-estratégica de Cabo Verde, da sua vocação de ponte entre Europa, Africa e América e da sua condição de porta privilegiada de entrada na Africa Ocidental. Tempo, energia e recursos têm sido disponibilizados para fazer desses sonhos uma realidade. Os resultados são mínimos. Pelo contrário, acumulam-se prejuízos e criam-se vulnerabilidades novas quando, em antecipação e no quadro de estratégias mal concebidas, tomam-se medidas desajustadas. É o caso de dívidas de mais de um milhão de contos, derivadas da fixação na ideia de hub dos transportes aéreos, que pôs um Boeing 737 a voar muitas vezes vazio entre algumas cidades da região. É o caso da aceitação do princípio da livre circulação das pessoas na CEDEAO, na perspectiva de se ser uma porta para a Africa. Não obstante estes e outros reveses, tanto no passado remoto como no mais recente, os mitos à volta da importância estratégica de Cabo Verde persistem e renovam-se sem se deixar abalar por sinais em sentido contrário. Os casos pontuais na história, em que por algum tempo e por razões fortuitas designadamente comerciais, logísticas ou militares ganha alguma relevância nas relações internacionais, concorrem para alimentar o mito. As oportunidades fugazes, em vez de quebrar a ilusão, suscitam sentimentos, sucessivamente, de nostalgia, de recriminação e por último de vitimação. Em vez de uma postura dinâmica o País adopta uma postura estática, correndo o perigo de se tornar fatalista com as sucessivas frustrações. Já é tempo de uma perspectiva mais sóbria da importância estratégica do País. Em simultâneo, há que estar mais alerta para oportunidades que despontam e mais proactivo em notar e adequar-se a tendências emergentes da dinâmica económica global e de alterações geopolíticas na região e no mundo. Para isso deve-se cair no real, como dizem os brasileiros. No passado remoto, Cabo Verde nunca teve a importância, por exemplo, de Canárias, Goré no Senegal ou S.Tomé e Príncipe no tráfico de escravos. No passado mais recente de navegação transatlântica, o tráfico no Porto Grande não teve a dimensão de Las Palmas, nem de Dakar. E não foi possível mantê-lo com as inovações tecnológicas que aumentaram a autonomia dos barcos. Ultimamente, a saída da SAA do Sal para Dakar mostra o que acontece quando razões de natureza política, militares ou estratégicas se alteram ou desaparecem e razões de natureza comercial impõem-se. Cabo Verde é um pequeno país, com uma população minúscula e situada a 600Km da costa africana. Tem uma diáspora mas não do tipo chinesa, empreendedora e comercial, que lhe pudesse abrir as portas dos países hóspedes. A região continental onde se situa é das menos dinâmicas do mundo e com sinais fortes de instabilidade. Mesmo quando se apresenta como um oásis de estabilidade não fica sem rival: o Senegal. Fala-se de uma importância estratégica renovada. A preocupação dos Estados Unidos, face à instabilidade do Médio Oriente e aos caprichos de Chavez, de garantir um fluxo do light sweet crude, a partir de Angola e do Golfo da Guiné, e a ansiedade da Europa em assegurar-se que não fica nas mãos dos russos, em termos energéticos, criam a necessidade de um corredor de segurança, entendendo-se pela a costa africana, Cabo Verde, Golfo, até Angola. A tentação é grande para outra vez se cair na ilusão. Quebra-se o encanto dizendo que, com base na informação publicada, S.Tomé tem mais valor estratégico. Fala-se de base americana para aí. A melhor postura para o País parece ser aproveitar no máximo as oportunidades enquanto existirem, não perder de vista as actividades geradoras de riqueza e de emprego e investir nos recursos humanos para bem colocar o caboverdiano na cadeia global de criação de valor.
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