A Unesco escolheu o dia 21 de Fevereiro como o Dia da Língua Materna, por decisão datada de 17 de Novembro de 1999. Curiosamente, nesses mesmos dias verificava-se em Cabo Verde a primeira revisão ordinária da Constituição da República. Uma das novidades foi a introdução no artigo 9º, sob a epígrafe “línguas oficiais”, de um número 2 com o seguinte texto: 2. “O Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa”. Estava dado o passo decisivo para o reconhecimento da língua materna caboverdiana e o comando para a criação das condições para uma posterior oficialização.
Cabo Verde é uma nação cultural e linguisticamente homogénea. A sua língua materna tem séculos de existência e nunca foi seriamente ameaçada por nenhuma outra língua. Nem mesmo pela língua que sempre foi oficial no arquipélago que é a língua portuguesa. A sua resiliência consta-se nas gerações de caboverdianos, em todos os continentes e em todas épocas, que a preservam e a acarinham e a passam às novas gerações.
Diferentemente do que acontece em muitas outras sociedades crioulas, o uso do crioulo não identifica estratos sociais nem é repudiado pelas elites ou por quem aspira ser parte da elite. Os titulares dos órgãos de soberania sentem-se livres de se exprimirem em crioulo a qualquer momento, os cidadãos tratam com a administração pública sem quaisquer impedimentos também em crioulo. O mesmo acontece com os depoimentos nos tribunais judiciais. A língua não é discriminada nem se discrimina quem dela faz uso no seu quotidiano e nas relações oficiais.
O crioulo é uma língua essencialmente oral. Cada ilha possui o seu variante. E goza dum campo extraordinário de expressão nas diferentes modalidades musicais caboverdianas como a morna, a coladeira, o funaná e o batuque. Os artistas caboverdianos levam a todos os pontos do planeta a sonoridade e a poesia que é capaz de exprimir. Todos os caboverdianos se identificam com a sua língua e não precisam fazer alarde dela para aumentar a sua auto-estima.
Controvérsias têm surgido à volta da problemática de padronização do crioulo escrito. E é natural que assim seja.
Processos similares noutros países duraram séculos e sempre rodeados de polémicas. No Luxemburgo, o processo levou décadas e ainda o nível de utilização da língua escrita é bastante baixo. Cabo Verde deve fazer o seu caminho com tranquilidade. Receios de hegemonia, de umas variantes sobre outras, devem ser respeitados e serenamente deve-se caminhar para uma padronização e um alfabeto que potenciem a língua ao mesmo tempo que preservam as suas raízes.
Importa manter um ambiente de concórdia em relação à língua e às condições a serem criadas até a sua oficialização futura, para que atenção da Nação se focalize no que é estratégico para o país em termos de competência linguística utilitária. Cabo Verde só poderá combater o desemprego e dar rendimentos e qualidade de vida crescente aos seus filhos se tiver sucesso na construção de uma economia de prestação de serviços dirigidos tanto para o mercado interno como para o externo. Isso exige conhecimento adequado de línguas estrangeiras.
O conhecimento do português é fundamental, não só porque é a língua oficial como também porque é a língua de alguns dos principais mercados tradicionais do país, totalizando quase duas centenas de milhões de pessoas.
Uma outra prioridade nacional deve ser o inglês, por razões óbvias. Neste dia de comemoração da língua materna, é de se regozijar com a relação tranquila que se mantém com ela e mobilizar os esforços para capacitar todos os caboverdianos com o domínio das línguas que os tempos e o sucesso na economia global exigem. Para que a Nação viva sempre e vença.
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