domingo, fevereiro 27, 2011

Fim do nacionalismo autocrático

O mundo árabe tem mudado nos últimos dois meses a uma velocidade estonteante. Há menos de duas semanas Moubarak caiu após 30 anos de poder no Egipto. A Líbia parece estar a beira de se livrar do coronel Khadaffi, 42 anos depois de ter chegado ao poder através de golpe de Estado. São tempos extraordinários que estão a pôr autocratas por todo o mundo em alerta máxima. A ansiedade é forte em todas as capitais árabes. Noutros países com a China, Myanmar, Guiné Equatorial e Venezuela medidas cautelares estão a ser tomadas para evitar contágio e para prevenir tentativas de imitação dos métodos já provados de sublevação popular por meios não violentos. Os acontecimentos surpreendentes têm suscitado muita reflexão sobre a natureza desses regimes e a forma como neles uma pequena elite soube agarrar-se ao poder por tanto tempo. James le Sueur autor do livro “Argélia desde de 1989: entre o terror e a democracia” teoriza que muitos regimes na África e no Médio Oriente sofrem de uma espécie de Desordem temporal pós colonial. Subscrevem uma filosofia de governação segundo a qual autoritarismo é a única cura para os desafios políticos internos e externos que se colocam aos seus países. São forças políticas que emergiram das lutas de libertação nacional e que continuam a proclamar que os perigos de regresso ao passado ou de ser apanhado nas malhas do neocolonialismo estão presentes e que só sob a sua direcção e aceitando os seus métodos autoritários é que o país fica livre deles . Le Sueur num artigo de Fevereio de 2011 na revista Foreign Affairs cita varios líderes que sofrem desta “desordem temporal pós colonial” e que fazem o seu país sofrer por causa disso. Entre eles está obviamente o Robert Mugabe do Zimbabwe. Menos óbvio estão os que mesmo reclamando as suas origens libertadoras esforçam-se em maior ou menor de grau por disfarçar nas roupagens democráticas de ocasião os seu instintos autoritários. Posicionam-se claramente nesta última categoria os ex-movimentos de libertação nos PALOP. Mesmo em Cabo Verde onde nunca houve luta de libertação o PAICV, criado em Janeiro de 1981, cultiva uma cultura política contaminada precisamente por esse tipo de desordem temporal identificado por esse historiador americano. Uma “desordem” que nos quinze anos de partido único já custou muito ao pais em falta de liberdade, em oportunidades perdidas e em riqueza não produzida por ausência da livre iniciativa das suas gentes. Uma desordem que persiste, mas mais guardada, e que se manifesta na negação e quase criminalização da oposição e nos esforços extraordinários em manter a população sobre controlo, explorando vulnerabilidades sociais múltiplas. A queda em cadeia dos regimes ainda apanhados nesse desvio temporal mostra que já não há espaço para nacionalismos não inclusivos. Nacionalismos que não respeitam a diferença e a oposição e que insistem num contracto social onde as pessoas cedem controlo das suas vidas e retraem-se nas expectativas de futuro em nome de estabilidade muitas vezes suportada pela ajuda externa. James le Seuer no seu texto diz que Nelson Mandela soube ver isso e não se deixou levar pela raiva. Optou por um regime democrático e pelo esforço de inclusão de uma população anteriormente dividida pelo apartheid completo com julgamentos e perdões para quem os solicitasse nos chamados tribunais de verdade e reconciliação. Hoje todos sabem que foi a decisão certa.

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