A conquista dos direitos humanos e civis ao longo dos dois últimos séculos não tem sido fácil. Caminhos tortuosos foram percorridos, guerras travadas, vidas sacrificadas e actos de heroísmo inacreditáveis cometidos. A saga pela realização plena dos direitos civis nos Estados Unidos, desde a adopção da Carta de Direitos, onde se inclui uma guerra civil brutal, o fim da escravatura e processos muitas vezes dolorosos e violentos de conquista de direitos de cidadania pelas mulheres e por grupos minoritários, ilustra, de forma dramática, o esforço da humanidade em todos os continentes para colocar, no centro de tudo, o respeito pela dignidade do indivíduo.
Por outro lado, a ascensão de regimes totalitários de inspiração comunista ou fascista no século vinte chama a atenção para o perigo extraordinário de se colocar a "razão" do Estado acima da dignidade e dos direitos inerentes à condição humana. Os muitos milhões de vítimas do comunismo e do fascismo que sofreram privação da condição de cidadão, prisões arbitrárias, torturas, mortes na prisão e genocídios são testemunhas eloquentes do que acontece quando o indivíduo fica completamente à mercê do Estado.
A adopção da Constituição de 1992, na sequência das eleições multipartidárias de 13 de Janeiro, consagrou, pela primeira vez na Lei Fundamental caboverdiana, os ganhos de civilização no domínio dos direitos humanos acumulados pela humanidade em mais de duzentos anos de experiência democrática. Iniciou-se aí um processo de alteração na relação entre o Estado, o indivíduo e o cidadão que, embora já tenha percorrido muito caminho, falta muito para atingir o ideal estabelecido na Carta Magna. Resistências múltiplas de natureza institucional, comportamental e de cultura política ainda inquinam a relação do Estado com o indivíduo, o cidadão e a sociedade.
Cabo Verde, nos setenta anos que antecederam o advento da democracia, sofreu o impacto de dois regimes ditatoriais: o salazarismo e o partido único pós-independência. O aparelho do Estado ainda apresenta as marcas da cultura política do passado. O paternalismo, a promoção activa do assistencialismo, a violência policial e a insensibilidade na prestação de serviço público a utentes são reminiscentes desse passado autoritários e de reduzido espaço individual. O combate hoje pelos direitos humanos passa por vencer a inércia instalada, por mostrar indignação perante abusos de Poder, por alargar a participação cidadã e por desenvolver uma estrutura produtiva que elimine a pobreza, viabilize uma classe média e sustente uma sociedade civil realmente activa e autónoma.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 14 de Dezembro de 2011
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