quarta-feira, agosto 22, 2012

Coabitação uma falsa questão




Editorial Nº 560 • 22 de Agosto de 2012

Coabitação uma falsa questão

Há um ano fez-se história nas eleições presidenciais. Pela primeira vez elegia-se um Presidente da República defensor do sistema de go­verno vigente na II República e que proclamava que o seu caderno de encargos é a Constituição. A escolha do povo revelou o efeito forte e sugestivo das sucessivas chamadas à uma cidadania activa e também alguma inquietação perante um governo já num terceiro mandato, mas aparentemente sem soluções e algo desnorteado.
A vitória teve ainda especial significado por causa do envolvi­mento inapropriado de membros do governo e do próprio Primeiro-ministro. Durante e na sequência das eleições houve demissão do Chefe de estado-maior das Forças Armadas, foram feitas denúncias de compra de consciências e de compra de votos e fundos públicos foram entregues a associações, organizações comunitários e câma­ras municipais em violação frontal da lei eleitoral. Não obstante tudo isso a maioria do eleitorado decidiu não deixar que a eleição suprapartidária do Presidente da República fosse arrebatada pelo governo, ou fosse determinada por lealdades ao partido.
No primeiro ano de mandato, o Presidente da República Jorge Carlos Fonseca dirigiu grande parte da sua atenção para o reforço institucional do regime democrático e para a elevação da cultura constitucional. Enquadram-se nesse esforço os sucessivos apelos à instalação do Tribunal Constitucional e à eleição do Provedor de Jus­tiça. Também o Poder Judicial tem sido insistentemente estimulado a ocupar o seu papel fundamental na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, em assegurar-se da legalidade dos actos do Estado e no dirimir de conflitos em tempo útil com vista à realização plena da justiça. E em prol de uma cultura da constituição para além dos vários apelos ao respeito pelas regras do jogo democráticos, a presi­dência da república com várias actividades ao longo do ano assumiu, de facto, a liderança na comemoração do vigésimo aniversário da Constituição da República.
Uma outra preocupação de relevo do PR tem sido o princípio cons­titucional de autonomia do poder local várias vezes posto em causa pelo governo em leis e medidas constrangedoras das acções munici­pais. O veto político aplicado à taxa ecológica vai nessa direcção. Já as questões de Defesa e das Forças Armadas que cabem no âmbito das funções do PR, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, aparentemente não mereceram o mesmo nível de atenção. Não foi convocado o Conselho Superior de Defesa Nacional não obstante se ter nomeado um novo chefe de estado-maior e se ter avançado com leis importantes como são os estatutos dos militares.
O governo e o partido que o suporta têm em intervenções públicas referido a maiorias supostamente diferentes que deram o mandato ao governo e elegeram o PR. As razões para esse tipo de raciocínio, que não tem cabimento no nosso sistema de governo, são claras. Arrastar o PR para o terreno da bipolarização em que se quer man­ter o país. O PR em Cabo Verde não tem programa de governação como tinha o PR francês, o socialista Mitterrand, quando, durante o seu mandato de sete anos, Jacques Chirac do partido da direita, ganhou as legislativas. Inventou-se aí a ideia de coahbitation para caracterizar a convivência entre os dois. Não há nada parecido em Cabo Verde.
Insistir numa pseudo-coabitação em Cabo Verde é, de facto, um acto de hostilidade ao figurino constitucional vigente e ao princí­pio da separação e interdependência de poderes. Daí é um passo para se chegar à forma desrespeitosa como é tratada a mensagem do PR de suporte ao veto à taxa ecológica. A maioria parlamentar impediu a sua leitura na sessão plenária da Assembleia Nacional e de seguida o seu líder procedeu à contestação sistemática dos seus fundamentos.
A realidade é que o PR não governa e não saberia como fazê-lo mesmo que quisesse. Acusações do tipo visam constrangê-lo no exercício das suas funções. A comemoração do primeiro ano após o 21 de Agosto de 2011 deve ter como objectivo reforçar a vontade então expressa de se ter um Presidente da República que cumpra e faça cumprir a Constituição.
A Direcção




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