Editorial Nº 561 • 29 de Agosto de 2012
Contra a violência
O crescendo da violência em Cabo Verde preocupa a
todos. A sensação de insegurança persiste e as estórias pessoais de assaltos,
furtos e agressões físicas tornam-se cada vez mais alarmantes. O governo apela
à reflexão e à busca de causas do fenómeno. Mas não poucas vezes fica a
impressão de que atrás da chamada à co-responsabilização há, de facto, uma
desresponsabilização da tarefa primeira do Estado em garantir a segurança, a
tranquilidade e a ordem pública.
Nas reflexões uns propõem acções preventivas
robustas e punição mais dura dos delinquentes e outros aconselham abordagens
abrangentes e de maior capacitação institucional.O aumento de denúncias da
brutalidade policial sem ser acompanhado da diminuição da frequência e do grau
de violência dos crimes revela a ineficácia de certas tácticas. Só a presença
de uma cultura securitária que favorece o uso de força desproporcional,
discricionário e pouco respeitador dos procedimentos legais, impede que sejam
revistas.
Quando confrontadas com os resultados medíocres, a
reacção das autoridades deixa transparecer algo complicado: não vêem com bons
olhos as críticas à polícia vindas seja da oposição, dos órgãos de comunicação
social ou de simples cidadãos; e permitem que veladamente se atribua culpa,
pela insegurança reinante à não “colaboração” do poder judicial e aos amplos
direitos dos indivíduos consagrados na Constituição. A duplicidade na atitude
dificulta a adequação institucional necessária para que se tenha uma polícia
que defenda os direitos dos cidadãos, que nunca use a tortura e outros meios
ilícitos na investigação criminal e que deixe para os tribunais a punição de
crimes quando devidamente provados e julgados.
Apesar dos vinte anos de democracia liberal e
constitucional há quem não reconhece os ganhos civilizacionais extraordinários
na adopção da Constituição de 1992 com o seu vasto catálogo de direitos do
indivíduo. São os mesmos que nunca viram nada de mal nos atropelos graves
feitos à vida, à integridade física e à liberdade dos caboverdianos durante o
regime de partido único. E que, pelo contrário, procuram apagar da memória
colectiva as prisões arbitrárias, torturas e tribunais militares a que foram
sujeitos cidadãos caboverdianos em várias ocasiões designadamente em 1977 e na
sequência do 31 de Agosto de 1981. Para eles a insegurança actual e a
necessidade de dar combatente à criminalidade justificam actuações
“musculadas”.
Steven Pinker no seu último livro “Os melhores
anjos da nossa natureza” chama a atenção para o declínio dos níveis da
violência nos últimos séculos. Destaca dois factores: 1- mudanças no comportamento
das pessoas com destaque para as boas maneiras e para o civismo; 2- a afirmação
dos direitos do homem a partir do Iluminismo (século dezoito) e a consciência
que o Estado deve respeitá-los e defendê-los. O aumento da violência em Cabo
Verde, contrariando tendências globais, deve convidar a uma profunda reflexão
que não fique simplesmente pelo deitar culpas para cima das famílias.
É evidente, por exemplo, que a dependência do
Estado e o assistencialismo criam nepotismo, clientelismo e oportunismo, o que
não favorece a cooperação entre as pessoas, nem aumenta o capital social ou
desenvolve cultura cívica. Se as instituições são desacreditadas por tais
vícios, a tendência é para os indivíduos se resguardarem e resolverem
pessoalmente ou em grupo os seus problemas. A violência encontra aí terreno
fértil. Também se as forças de segurança na sua actuação não absorverem os
valores liberais de defesa dos direitos fundamentais dos embates com os
cidadãos e as comunidades só podem resultar mais brutalidade, provocações
mútuas e maior desconfiança.
Lutar contra a violência implica promover os
valores da paz social, da cooperação entre indivíduos e da crença na
prosperidade por esforço próprio. Concomitantemente há que sacudir resquícios
de ideologias que se servem de todos os pretextos para sacrificar os direitos
individuais. Mais um aniversário do 31 de Agosto deve lembrar os perigos que
todos incorrem quando se olha para o lado e se deixa que a tirania se instale.
A Direcção
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