quarta-feira, fevereiro 12, 2014
Modismos
Na semana passada, ao longo dos três dias do African Innovation Summit, a esfera pública cabo-verdiana foi dominada pelo discurso eufórico do papel que a inovação poderá ter como motor do desenvolvimento. Espera-se que o evento não seja mais um dos muitos exercícios em realidade virtual que o país já se habituou. Também se espera que a ideia da inovação, a exemplo do que aconteceu com competitividade, agenda de transformação e empreendedorismo, não passe a ser simplesmente parte de uma retórica política sem qualquer tradução prática. Os sinais porém não são animadores. Actos subsequentes como o acordo entre o NOSI e a WARI senegalesa para utilização dos serviços do futuro Data Center e o anúncio do Fundo de Capital de Risco “com taxa de retorno de 16%” dão impressão de déjà vu, de pressa e de preocupação em extrair o máximo impacto mediático numa coreografia que visa essencialmente relações públicas. Teme-se que se fique por aí e que depois não haja comprometimento sério na operacionalização das políticas de inovação.
Na situação actual de fraqueza económica, de dificuldade de acesso ao crédito e de ambiente de negócios pouco favorável, o sector privado nacional provavelmente olhará com algum cepticismo para este novo foco de entusiamo do governo. Afinal, desde de há mais de dez anos que Cabo Verde tem um ministério de competitividade sem que o país realmente consiga ficar pelo menos entre os 100 países mais competitivos do mundo. Está-se num fim de um ciclo de forte investimento público no quadro de uma propalada agenda de transformação e o que se vê é um crescimento anémico de 1.5 % em 2013, uma dívida pública a rondar os 100%, taxa de desemprego mais elevado de sempre e demasiadas empresas em situação precária. O governo prega empreendedorismo mas pouco faz, de forma compreensiva e no tempo certo, para ter uma administração mais sensível e atenta às necessidades dos utentes, para deitar abaixo barreiras institucionais custosas e para preencher vazios e reparar falhas que dificultam a dinâmica económica. A inovação pode vir a configurar-se como mais um modismo. Aliás num dos sectores onde se podia esperar mais actividade que é o das tecnologias de informação e comunicação (TIC) o Estado tem ficado muito aquém do desejado na promoção da iniciativa individual e na criação de condições para o surgimento e amadurecimento de empresas e o desenvolvimento de mercados especializados. Que o digam os muitos jovens que procuraram investir no sector e desistiram.
Cabo Verde, no relatório de competitividade do fórum económico mundial, está na categoria de países em que a eficiência na utilização dos recursos do capital e do trabalho e o desenvolvimento dos mercados constitui o motor do crescimento económico. Referenciando-se pelo modelo de Michael Porter pode-se dizer que Cabo Verde já passou pelo período em que o preenchimento de requisitos básicos em instituições, infraestruturas, estabilidade macroeconómica e educação básica bastava como motor do crescimento, mas ainda não chegou ao ponto em que a inovação assume o papel de locomotiva principal em garantir desenvolvimento sustentável. Certamente que os cabo-verdianos, ansiosos por ver o seu rendimento aumentar com uma maior dinâmica na criação de riqueza e de empregos, gostariam de ver o governo mais focalizado em fazer de Cabo Verde um país mais eficiente. Ganhos enormes resultariam de uma cultura de eficiência na administração pública, nos municípios, nos portos, na produção, distribuição e consumo de electricidade e água, nos transportes inter-ilhas, na educação e saúde e noutros domínios. Singapura até a crise de 1997 concentrou grande parte do seu esforço em ser modelo de eficiência e com isso atingiu patamares de crescimento e emprego invejáveis. Desde há mais de dez anos que a sua atenção voltou-se para a promoção da inovação como forma de responder à concorrência de outros países que, entretanto, se tornaram igualmente eficientes e de se adaptar às novas mudanças na estrutura produtiva mundial e no comércio internacional.
Claro que as várias fases no modelo de Porter não são estanques. A inovação favorece o crescimento a todo o momento. Ganha a qualidade shumpeteriana de destruição criativa em economias mais maduras na medida em que altera radicalmente processos, origina novos produtos e cria mercados anteriormente inexistentes. Isso só acontece, porém, em ambientes abertos ao pensamento crítico e criativo e promotores de ideias plurais e estilos de vida diversos e também naqueles em que prevalece o espírito de colaboração e de livre troca de ideias até entre potenciais rivais e concorrentes. É evidente que subjacente a isso deverá estar uma sociedade de conhecimento na qual o ensino e a formação técnica e profissional terão atingido níveis de excelência e na qual uma cultura do mérito e o respeito pela propriedade intelectual tenham sido firmemente estabelecidos.
Por aqui se vê que Cabo Verde tem ainda um longo caminho a percorrer. É importante que o faça ciente dos enormes desafios que tem pela frente. A procura de eficiência deve ser permanente. A inovação, considerando os riscos que normalmente acarreta, dificilmente se afirmará como motor de crescimento se a cultura de eficiência não estiver já consolidada.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 5 de Fevereiro de 2014 Humberto Cardoso
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