Expresso das ilhas, edição 654 de 11 de Junho de
2014
Editorial
Recentemente
a questão dos custos da democracia voltou à baila em Cabo Verde. O doutor
Carlos Lopes no II Fórum de Transformação referiu-se à necessidade de os
ultrapassar para supostamente se tornar expeditas as decisões com impacto no
desenvolvimento do país. Numa entrevista na semana passada o primeiro-ministro
José Maria Neves afinou pelo mesmo diapasão e propôs “reduzir os custos da
democracia”. Preocupa-lhe particularmente a “enorme quantidade de recursos”
necessários à instalação do Tribunal Constitucional, da Comissão Nacional de
Dados, da Provedoria da Justiça, da Comissão Nacional de Eleições e da Agência
de Regulação da Comunicação Social, e os exigidos para a regionalização e para
as transferências para os municípios e para os diferentes órgãos de soberania.
Sugere que se repense tudo isso e que se fique pelo Estado necessário.
Curiosamente
o que vem à mente do PM para cortar são as despesas afectas a instituições que
garantem a conformidade da governação com a Lei, a defesa dos cidadãos perante
eventuais abusos da administração, a realização de eleições livres e justas e a
pluralidade de opiniões e ideias na comunicação social. Para o cabo-verdiano
comum, para o utente e para o investidor, gestor ou empresário as dificuldades
vêm de outros pontos da máquina do Estado: da burocracia excessiva, da
insensibilidade da administração, da ausência de cultura de serviço público,
de falta de segurança física e jurídica, de taxas descabidas e de preços de
monopólio em factores básicos como energia e água. Como se pode constatar do
inquérito do INE, os cabo-verdianos sentem-se bastante confortáveis com a
democracia. Já não se conformam tanto é com a incompetência demonstrada pelas
autoridades no tratamento de matérias que os afectam no dia-a-dia.
Não é
novidade em Cabo Verde aparecer quem queira erguer um espantalho para
assombrar a democracia. Durante o salazarismo dizia-se que a existência de
partidos políticos e a liberdade de expressão só trariam confusão, perda de
tempo e incapacidade de decisão em matérias públicas. Nos 15 anos de partido
único fazia-se acreditar que ter mais do que um partido era abrir o caminho
para um conflito permanente e pernicioso que não deixaria o país avançar. A
realidade de mais de duas décadas de pluralismo e democracia provou
precisamente o contrário. Nunca o país cresceu e prosperou tanto como nos anos
de liberdade, não obstante as óbvias falhas ainda existentes no funcionamento
do sistema político.
Há quem
veja no chamado “despotismo iluminado” a via rápida para se ultrapassar
obstáculos sociais, culturais e políticos que muitas vezes se colocam no
aproveitamento de oportunidades. Se em Singapura tal regime com as suas
particularidades, como bem realçou o seu líder Lee Kuan Yew, de luta contra a corrupção
e prostituição e de promoção da meritocracia resultou em fazer da ilha um
país desenvolvido, na generalidade das experiências noutros países e em todos os
continentes foi de um fracasso completo. Como Cabo Verde, muitos países após
décadas de um regime déspota depararam com anos de estagnação, com elefantes
brancos por pagar e com a perda sistemática de oportunidades de investimento,
de comércio e de exportações. E não é porque a Ruanda ou a Etiópia se
habilitaram com um governo mais autoritário para enfrentar os gravíssimos
problemas qua ameaçaram desintegrá-los num determinado momento que os torna
relevante para a experiência cabo-verdiana. A histórica económica dos últimos
anos revela que sustentabilidade e crescimento económico dependem do grau em
que o ambiente de negócios, mais o ambiente económico e político criados se
mostrarem propícios à soltura das amarras da imaginação e da criatividade, ao fomento
da iniciativa individual e à valorização do risco.
O momento
que se vive hoje em Cabo Verde não é de insuficiências graves do modelo
democrático. É sim, de esgotamento de um modelo económico que privilegiou a
captação da ajuda externa e sua distribuição interna pelo Estado em detrimento
de uma estrutura económica suportada pelo sector privado mais voltada para
exportações e para a criação do emprego emancipador. A macrocefalia do Estado,
referido pelo PM e que se revela nas dificuldades em decidir e executar,
resulta em boa medida do sistema de poder e de influência que esse modelo
redistributivo gerou. A partidarização de vários escalões da administração
pública, de institutos e das direcções de empresas públicas que pressupõe tende
a criar de nichos de poder capazes de curto circuitar decisões superiormente
tomadas, como muitos já tiveram a oportunidade de comprovar.
A
ineficácia actual do Estado estará mais ligada a isso do que à relação de
confronto entre o governo e a oposição que é própria das democracias. Cabe pois
ao governo ultrapassá-la, fazendo da administração pública sob a sua direcção
ou supervisão uma máquina efectiva ao serviço dos cidadãos e do
desenvolvimento. Estribar-se na crispação política para não fazer o trabalho
pelo qual é o principal responsável, não é opção aceitável. Muito menos quando
se compreende pelas dúvidas de fundo quanto ao Tribunal Constitucional e aos
outros órgãos referidos de onde vem grande parte da resistência para se chegar
a acordo e diminuir a tensão política. Não é curial acusar os outros de fazer
oposição pela oposição quando a duplicidade de razões condiciona o nosso
posicionamento.
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