Expresso das ilhas, edição 655 de 18 de Junho de 2014
Editorial
O Primeiro-Ministro, dr. José
Maria Neves, anunciou em artigo de jornal na semana passada que nos próximos
tempos “vai haver uma recomposição
populacional e da sociedade cabo-verdiana” em consequência da “forte imigração para Cabo Verde”. Prevê
ainda que eventualmente em 2030 “metade da população residente será população
imigrante”. Não explica o como e o porquê dessa evolução e se será de
geração espontânea ou se resultará de políticas activas de atracção de
imigrantes.
Muito menos se fica a saber
qual a origem e a motivação previsíveis dos imigrantes a procurar as ilhas. Se
será mão-de-obra a responder a um crescimento rápido em sectores como
construção civil e indústrias de exportação. Se irá tratar-se de técnicos em
várias áreas a dar corpo a clusters especializados como as TIC e Praça
Financeira. Ou se serão reformados à procura de tranquilidade nos trópicos ou
de investidores a sentar arraiais nas ilhas.
Em geral, os países cuidam
para não se transformarem em destinos passivos de imigração espontânea.
Desenvolvem políticas específicas de imigração que se ajustam às suas
necessidades. Podem precisar de mão-de-obra barata em momentos de rápido
crescimento como aconteceu na Europa nos anos sessenta. Nas actuais economias
maduras impulsionadas pela inovação, como é o caso dos Estados Unidos, o
objectivo é atrair imigrantes extremamente qualificados para sítios como
Silicon Valley. Noutros países com população relativamente pequena como Canadá
e Austrália ou onde a população está decrescer e a envelhecer, a exemplo do
Japão, incentiva-se a imigração mas sempre de forma controlada e com requisitos
muito claros em termos de perfil e formação dos candidatos. Estranha pois a
aparente passividade das autoridades cabo-verdianas em relação a fluxos
migratórios em direcção às ilhas e a ausência de políticas em dar-lhes forma e
propósito e em os adequar às características de um país arquipélago.
Justificam as dificuldades em
traçar políticas e estratégias em matéria de imigração com o acordo que garante
mobilidade de pessoas e bens no espaço da CEDEAO. De facto, contrariamente ao
que se passou com outros projectos de integração económica, designadamente da
União Europeia, em que a questão da mobilidade de pessoas colocou-se depois de
se ter construído o mercado comum e a comunidade europeia, na CEDEAO veio em
primeiro lugar, criando problemas vários. Países grandes, populosos e
continentais, nomeadamente Senegal, Gana e Costa de Marfim tiveram que fazer
ajustes fortes para minimamente lidar com a situação criada. Devia ser óbvio
que num país arquipélago e de população exígua como Cabo Verde os potenciais
problemas que poderiam surgir da mobilidade livre num espaço global de 300
milhões de pessoas seriam sempre maiores.
O facto de Cabo Verde não se
ter acautelado com políticas de imigração claras dever-se -á provavelmente ao
hábito conhecido de, nestas matérias, o país argumentar contra si próprio. Como
tem emigrantes noutros países, sente-se obrigado a receber. Esquece a diferença
abismal entre o seu número de habitantes e os dos países hóspedes da sua
diáspora. Absorver milhares numa população de muitos milhões não é a mesma
coisa que os receber no seio de uma população pequena e dispersa pelas ilhas. A
dispersão agrava ainda mais o efeito da presença de estrangeiros ficando a
população autóctone extremamente vulnerável em vários aspectos, designadamente
na sua capacidade de conservar as suas especificidades culturais.
Países insulares como as
Maurícias, as Seychelles sempre dedicaram especial atenção às suas políticas de
imigração. Deram prazos maiores de estadia e de casamento e estabeleceram
requisitos especiais seja para cartão de residência, seja para aquisição de cidadania.
Fizeram o mesmo para as exigências em montante de investimento que poderia ser
acompanhado do benefício de cidadania ou
de compra de residência que se traduzisse no mesmo. Esses dois países africanos
insulares até conseguiram melhorar o pacote a potenciais imigrantes com a
oferta da possibilidade de circulação na União Europeia. Em 2009 assinaram um
acordo com a EU que permite que os seus nacionais viajem para os respectivos
espaços sem visto e tenham estadias no máximo de três meses. Tudo é feito numa
perspectiva de atrair investimento para esses países, de melhorar a qualidade
da mão-de-obra nacional com integração de quadros altamente preparados e até de
fazer dinamizar a economia local com a fixação de reformados abastados de
outros países.
O desafio que se coloca neste
momento a Cabo Verde é saber que política de imigração deve ter na actual
conjuntura caracterizada pelo crescimento anémico, pelo elevado desemprego,
pela dívida pública pesada e pela quebra na ajuda externa. E também questionar
que papel terão eventuais imigrantes numa estratégia de desenvolvimento para os
próximos anos. Facto é que que não se pode continuar com posturas omissas ou de
semi-passividade quanto a pressões migratórias vindas de fora. Insistir nessa
direcção significa que os ganhos serão poucos mas os custos poderão ser muitos
pesados, em particular sobre os vários serviços sociais. Há que agir de forma
consequente e não se quedar simplesmente por previsões, no mínimo preocupantes,
de ter metade da população imigrante nestas ilhas no horizonte de 2030.
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