Respondendo a várias solicitações e na sequência da
publicação de extractos da carta dirigida ao presidente do MpD no jornal
asemana - uma fuga de informação que só
pode ter vindo de algum deputado ou dirigente do MpD, os únicos a quem foi dado
conhecimento do documento - disponibilizo
aqui a carta enviada a 17 de Outubro. Quero acrescentar que nada do que foi ali
exposto é desconhecido do presidente e dos outros órgãos do partido. Ao longo
dos anos tenho em todas as ocasiões que se propiciaram, designadamente de reuniões do grupo parlamentar e encontros conjuntos do grupo parlamentar do MpD e do presidente ou da
comissão política do partido fiz questão de levantar as questões aí trazidas.
A Carta,
A Carta,
Exmo. Sr. Presidente
do MpD
Praia, 15 de Outubro de 2015
Esta Carta é para manifestar ao Sr. Presidente do MpD a minha
estranheza perante o facto objectivo de até agora não considerar necessário
qualquer diálogo com o Deputado nacional pelo círculo de S. Vicente, Humberto
Cardoso, quando as eleições se aproximam, estratégias políticas são debatidas e
consultas abrangentes incluindo dirigentes, militantes e simpatizantes se fazem
com vista a definição de planos de acção. A gota de água foi a visita do
presidente do MpD a S. Vicente, em conjunto com o grupo parlamentar do MPD.
Repetiu-se o padrão de ignorar os deputados, em particular os eleitos
pelo círculo, na feitura do programa que, aliás em vários aspectos, só
contribui para alimentar os piores estereótipos contra os deputados.
Inexplicável, porém, foi a atitude do presidente do MpD que também não sentiu
qualquer necessidade de conversar sobre a situação actual de S. Vicente e como
poderá ou deverá a ilha posicionar-se nos próximos embates eleitorais, em grupo
ou individualmente. Pelo menos isso não aconteceu com o deputado Humberto
Cardoso . Talvez convenientemente se esteja a dar crédito à crença saloia de
que quem vive num local é que sabe e compreende o que aí se passa, como se
fosse possível captar a complexidade da realidade pela simples observação do
óbvio.
O inexplicável talvez se torne inteligível se tivermos em consideração
que há muito se notam sinais inequívocos de uma estratégia para marginalizar
certas personalidades dentro do MpD. Os sinais, nos últimos anos, de alguma
tensão no seio do MpD, que aparecem na imprensa escrita e online, têm
invariavelmente tomado a forma de ataques desferidos contra os chamados “veiguistas”
ou contra o próprio Carlos Veiga. Ilustrativo disso foi a manchete do jornal
anação de 17 de Setembro em que fontes da comissão política, no dizer do
próprio jornal, deixam saber quem são os cabeças de lista escolhidos e, ao
mesmo tempo, passam a informação que Carlos Veiga e José Luís Livramento estão
a disputar o cargo de presidente da assembleia nacional. Anteriormente, Veiga
tinha aparecido em supostas disputas com o Hélio Sanches nas listas de Santa
Catarina e posteriormente nas listas de deputados por S. Vicente. O objectivo
claro é de diminuir a imagem pública de quem é o líder histórico do MpD,
envolvendo-o em lutas intermináveis por lugares “menores” quando se sabe que
ele foi Primeiro-Ministro e foi candidato a Presidente da República.
Não são novidade para si, Sr. Presidente, essas tácticas vindas de
certos sectores dentro do MpD. É só lembrar o que aconteceu consigo em 2004 em
que deliberadamente o partido foi descarrilado e na sequência perdeu duas
eleições legislativas. Volvidos dez anos a solução que o partido encontrou para
a liderança foi aquela que já tinha sido identificada em 2004. É de perguntar
se alguém se responsabiliza pelo desnorte desses anos de “travessia do
deserto”. Muitos dos então protagonistas
tinham sido os mesmos que ajudaram a descarrilar o país em 2001 nas
legislativas e nas presidenciais, colocando-o numa trajectória directa para situação
actual de estagnação económica, desemprego, pobreza, desigualdade social e
endividamento extremo.
Já nas portas de um novo ciclo eleitoral a estratégia de marginalização
não pára. Pelo contrário, visiona dar o seu golpe final no que claramente é uma
política de revanche, que procura eliminar a diversidade e pluralidade dentro
do partido e roubá-lo do dinamismo interno que, em ultima instância, é
fundamental para a manutenção hoje e amanhã do seu papel no sistema político cabo-verdiano,
seja no governo, seja na oposição. As tácticas como bem conhece o Sr.
Presidente passam por lançar estruturas e militantes contra deputados. E isso é
feito com base em desinformação, intrigas e alimentação da ignorância quanto à
natureza do nosso sistema eleitoral e do funcionamento do grupo parlamentar. E
aqui é evidente que a liderança tem falhado.
Os militantes têm o direito de conhecer os seus dirigentes e o papel
que desempenham na máquina que se quer funcionalmente diferenciada e competente
para poder estar a altura de responder à realidade complexa e sempre em
transformação que é a vida política do país. A liderança do partido não pode
por omissão em momentos crucias de esclarecimento dos militantes induzi-los a
avaliar a contribuição de deputados e dirigentes por critérios de celebridade e
notoriedade que só podem exclusivos para avaliação de candidatos em concursos
de “miss” e afins. A responsabilidade da liderança é maior nas nossas condições
específicas de Cabo Verde em que a Constituição e o sistema eleitoral exigem
que deputados sejam eleitos em listas plurinominais de iniciativa exclusiva dos
partidos políticos.
Não havendo esclarecimentos reina a intriga, a mentira e os golpes
baixos com consequências que não se deixam de manifestar na eficiência e
eficácia da acção partidária e na imagem do partido que é projectada para fora.
A sociedade não deixa de notar a ascensão e o protagonismo de notórios
intriguistas e de jogadores vindos de todos os tabuleiros. O efeito no partido
é duplo: no eleitorado, fragiliza a confiança das pessoas no partido quando vêm
a ascensão de pessoas dúbias; no interior estimula militantes que têm ambições legítimas
de maior protagonismo a juntarem-se ao jogo das intrigas e dos tráficos de
influência, afectando negativamente o contributo honesto e criativo que podiam
eventualmente dar à organização.
Outra táctica utilizada é o
cultivo do paroquialismo. Alimenta-se a hostilidade de dirigentes locais contra
dirigentes nacionais residentes na Praia. Com isso mina-se a base política dos
mesmos, põe-se em causa a diversidade de origem e de vivências nos órgãos partidários
e empobrece-se o partido num país arquipélago, quando se sabe que o MpD sempre
defendeu que as ilhas são iguais e devem estar devidamente representadas nos
órgãos nacionais. Curioso é como se conjuga com a norma estatutária que
estabelece que os membros da comissão política devem residir na capital. Esta
táctica dá corpo a uma aliança aparentemente estranha de “centralistas” e “localistas”
que ao posicionarem-se preferencialmente contra os originários das ilhas capazes
de influenciar no centro do poder na capital matam vários coelhos de uma
cajadada.
Para os centralistas a contenção na concorrência de ideias, a
eliminação de competidores e a possibilidade de passagem de agendas escondidas
interessa mais do que manter a diversidade e a dinâmica de pensamento do
partido. Para os localistas a fragilização das personalidades nacionais
oriundas da sua ilha reafirma-os como actuais e futuros caciques locais. O
cómico é que todos se apresentam como regionalistas quando na realidade o
substrato base das políticas anunciadas é redistributiva, e nisso não se
diferenciam muito das políticas do PAICV, e o que realmente se procura excitar
e tirar proveito político é o ressentimento de uns contra outros. O absorver
generalizado do discurso do Onésimo Silveira por muitos e recentemente
absorvido por certos sectores do MpD é paradigmático a esse respeito. E é claro
que não deixa de afectar a credibilidade da imagem do MpD como partido da
autonomia local, da descentralização democrática e da aposta no desenvolvimento
a partir de uma bem sucedida inserção dinâmica na economia mundial.
Por tudo isso, Sr. Presidente do MpD não posso deixar de tomar a sua
falta de disponibilidade como uma tomada de posição política. Tomada de posição
essa que não faz muito sentido enquanto presidente do MpD que tem a
responsabilidade de mobilizar as energias do partido para ganhar as eleições
que se avizinham ao mesmo tempo que assegura que o partido conserve a sua
diversidade, dinâmica intelectual e pujança política em qualquer cenário no
futuro, seja no governo ou na oposição. Procurando ser objectivo e sem falsa
modéstia, é evidente para qualquer observador da vida política caboverdiana o
papel que tenho ininterruptamente desempenhado nestes 25 anos de construção de
democracia. A não pertença aos órgãos dirigentes não tem sido um óbice para uma
intervenção política permanente como, conselheiro de primeiro ministro,
parlamentar, colunista de vários jornais, bloguista e nos últimos 5 anos como orientador
e editorialista de um semanário que tem como referência os mesmos valores
liberais defendidos pelo MpD. Essa é a
parte pública da intervenção. O presidente do partido tem a obrigação de
conhecer a parte que se verifica dentro de casa em matéria de análise política,
estratégia e de produção de meios de combate político. Uma das
responsabilidades de quem dirige uma organização é de conhecer a contribuição dos
seus militantes e dirigentes estando ou não presente nas reuniões. Nada
portanto pode justificar que se tente colocar-me ao lado do processo político.
Existindo uma estratégia que vem de longe de afastar certas
personalidades do partido e de dar satisfação aos recentemente regressados com
uma história de adversários vingativos do partido, é óbvio que não posso tomar
qualquer tentativa de diminuir o meu papel no partido como algo inócuo ou
resultado de dinâmicas chamadas de renovação. É de facto uma acção política de
hostilidade que obviamente conduz a uma reacção, também política, enérgica só
limitada pelo meu desejo de manter a integridade política que sempre norteou os
meus passos desde sempre no MpD, defendendo o seus princípios, o seu legado e a
democracia e, em caso algum, aliando a inimigos do sistema democrático .
Escrevo estas linhas, Sr. Presidente para relembrar que mesmo na
política há certas linhas que não podem ser ultrapassadas. Como dirigentes do MpD,
hoje e no passado, nós todos temos a responsabilidade de assegurar que na
democracia caboverdiana haverá sempre uma possibilidade de alternância. Que teremos
sempre presente, operacional e credível um partido alternativo capaz de
responder ao chamamento do povo cabo-verdiano. É na defesa da capacidade do
partido em manter a sua diversidade, pluralidade e dinâmica interna que me
alevanto contra o que configura uma estratégia que não serve o partido, não
serve o país e que, mesmo não querendo, conflui para a realizar o sonho
Hegemónico do Paicv que ele partilha com os seus irmãos, ex-partidos únicos,
mascarados de libertadores da pátria, que pontificam em Luanda, Bissau e
Maputo.
O MpD não foi criado para ser apresentado por nenhum partido hegemónico
como objecto/ prova da existência da democracia cabo-verdiana. Construímos a
democracia, o Estado de Direito e trouxemos o país de volta à civilização que
se revê no respeito pela dignidade humana, garante os direitos fundamentais e
dá ao Estado o papel de criar as condições para que cada um procure a sua felicidade
e traga prosperidade para si e a sua família. Temos um papel fundamental a
manter no sistema político cabo-verdiano como governo e como oposição. Não
podemos permitir que lutas internas diminuam ou eliminam a diversidade de percursos
e a pluralidade de pensamentos que existiu desde dos primórdios. Do presidente
do MpD em cada momento do seu percurso espera-se que garanta que não será assim
hoje, nem amanhã.
Espero do Sr. Presidente um posicionamento e uma resposta. Estamos na
política e nela devemos continuar em quaisquer circunstâncias mas sempre fiéis
aos princípios e valores que escolhemos defender na nossa vida e que coincidentemente,
e não é por acaso, são os que historicamente definem o MpD, e devem por ele ser
defendidos.
Cumprimentos.
Humberto Cardoso
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