O horror da noite de 13 de Novembro em Paris veio mais uma vez relembrar o poder crescente de indivíduos, agindo ou não em grupos, de semear destruição e de provocar perda de vidas inocentes nas sociedades de hoje cada vez mais urbanizadas. Protagonistas nos actos de terrorismo são em geral jovens perturbados ou alienados que, por razões várias, se deixam levar por uma ideologia de morte que deles pode fazer, a qualquer momento, um bombista suicida ou um assassino sem piedade. Confrontadas com uma violência inaudita, as sociedades com uma tradição liberal e democrática sentem-se pressionadas para encontrar o equilíbrio certo entre o exercício da liberdade e a necessidade de segurança.
O de terrorismo procura, pela força do medo que inspira, demostrar que afinal a civilização e o apego aos valores da liberdade não passam de um verniz ténue. Pode-se fazê-lo estalar a qualquer momento, revelando a barbárie igual para todos. Neste braço de ferro, justifica-se que por todo o mundo vozes se façam ouvir em uníssono e mãos se interliguem numa cadeia universal proclamando solidariedade com os que sofrem e reafirmando que nenhum acto de terrorismo será capaz de deitar abaixo os ganhos civilizacionais da liberdade, dos direitos humanos e da democracia.
O acelerado passo da globalização nas últimas décadas tem transformado a vida de muitos milhões de pessoas em todo o planeta. Tensões diversas têm surgido em consequência das mudanças na sociedade, designadamente em matéria de género, advento da modernidade e das migrações que põem povos, culturas e religiões em contacto próximo. Situações de guerra, pobreza, desigualdade social e discriminação tendem a exacerbar essas tensões, abrindo caminho para reacções de natureza violenta que encontra justificativos em interpretações fundamentalistas das religiões.
Cada vez mais se constata que uma espécie de fundamentalismo islâmico manifestando no jihadismo tem tomado o papel do inimigo principal dos valores liberais defendidos nas democracias modernas. Assume o papel que outrora ideologias da extrema-esquerda levaram ao terrorismo na Europa e na primeira metade do século conduziram ao fascismo, ao nazismo e ao comunismo no seu ódio à liberdade e à democracia. Também como elas no passado, o fundamentalismo islâmico constitui um atractivo grande para jovens desesperançados deixados de lado, seja nas políticas de assimilação cultural adoptadas pela França ou na aposta feita pelo Reino Unido no multiculturalismo. São esses e outros de outros países com problemas similares que andam a engrossar as fileiras do chamado Estado Islâmico e que já se provou participam em actos horrendos de terrorismo nos seus países de origem ou de acolhimento como aconteceu na sexta-feira, 13 de Novembro, em Paris.
Procurando explicações para o falhanço, em maior ou menor grau das políticas de integração social de comunidades diferentes em termos étnico- políticos praticadas na Europa e noutros países, consta-se que muitas geram nos jovens uma atitude que tende a extrapolar exigências e reivindicações em detrimento de responsabilidade. Políticas de assistencialismo e outras que favorecem a dependência quando associadas a acções ideológicas intoxicantes que se concentram em temas de humilhação histórica, escravatura e opressão colonial, racial, religiosa ou civilizacional favorecem o desenvolvimento de um forte sentimento de vitimização. O caminho da vitimização acaba, a prazo, por levar ao desespero, à perda da auto-estima e ao desenvolvimento de um sentimento de impotência e tem um potencial enorme de se transformar no viveiro perfeito para o surgimento de esse tipo de guerreiro frio e sem piedade.
Porque as condições são reproduzíveis em todo o mundo, nenhum país está imune, e a possibilidade de surgimento de potenciais jihadistas no seu seio é algo sempre a dar a devida consideração. Em Cabo Verde grassa uma cultura em certos círculos que extrapola temas de vitimização. Também mesmo na comunidade islâmica há quem ache complicado que alguns jovens cabo-verdianos convertidos ao islamismo se mostrem atraídos pelas versões mais radicais do Islão. A via para sair da situação deve ser uma de inclusão efectiva e de fazer as pessoas sentirem-se responsáveis pelas suas vidas e não enredá-las em sistemas de dependência que hoje as faz grata e amanhã as deixa no desespero.
Neste momento de solidariedade para com as vítimas do massacre de Paris é de maior importância não ceder à tentação de sacrificar a liberdade em nome da segurança. Com uma deriva securitária ganhariam todos os inimigos da liberdade, mas nem a própria segurança ficaria beneficiada.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 17 de Novembro de 2015
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 17 de Novembro de 2015
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