O problema é que, diferentemente do que estipulavam os acordos anteriores, no novo pacto exige-se reciprocidade e os países em desenvolvimento terão que abrir os seus mercados a bens e serviços da Europa para continuarem a beneficiar do acesso livre ao mercado europeu. Com tal abertura ficam sem muita margem para acarinhar indústrias e serviços nascentes deixando-os expostos à concorrência aberta de produtos dos países estrangeiros. Por outro lado, perdem receitas com a redução de tarifas exigidas pelos acordos e não têm como contrabalançar porque ainda não puseram de pé uma administração tributária capaz de cobrar todos os impostos e grande parte da economia continua a ser informal. Compreende-se a relutância de muitos países em seguir o caminho do comércio cada vez mais livre como preconizado pela OMC até porque na generalidade dos casos não têm os instrumentos nem peso próprio para contornar a rigidez das imposições da OMC, como fazem os países desenvolvidos.
Fundos são disponibilizados no âmbito desses acordos para facilitar e materializar as parcerias económicas, mas não compensam o facto de o mercado interno ficar completamente descoberto, de a promoção do empreendedorismo local tornar-se quase impossível e de dificilmente o país conseguir implementar uma estratégia própria de desenvolvimento. Por todas essas razões acaba por passar ao lado as novas possibilidades de negócio criadas pelo comércio livre. A pretendida substituição da ajuda pelo comércio - Aid for Trade – acaba por não resultar, pelo menos no nível que seria desejável para garantir desenvolvimento sustentado e prosperidade futura. Vários factores contribuem para isso, a começar pelos interesses criados e comportamentos induzidos na sociedade e no Estado pelo modelo de reciclagem de ajuda. Junta-se a essa resistência à mudança o impacto no país da acção muitas vezes estratégica de outros estados e seus actores económicos no aproveitamento de oportunidades de negócio que surgiram com a nova economia aberta.
Em Cabo Verde há anos que se houve que a economia deve deixar de se basear na ajuda externa para passar a ter o sector privado como força motriz. Pelos resultados, constata-se que passar das palavras aos actos tem sido extremamente difícil. O estado actual do sector privado nacional, depois de anos de endividamento para construir infra-estruturas que viabilizassem o investimento privado, linhas de crédito para empoderamento das famílias, programas para promoção do empreendedorismo, projectos do Banco Mundial e das Nações Unidas para melhorar a competitividade do país e o seu ambiente de negócios, diz tudo. São exemplos a fragilidade do sector de construção civil, as deficiências dos transportes marítimos, as dificuldades dos operadores económicos nacionais em fornecer bens e serviços aos hotéis e outras estruturas de turismo e a incipiência da actividade privada nas TICs e a incapacidade de encontrar caminhos para uma agricultura mais produtiva e uma indústria com potencial de crescimento. Até no comércio a retalho ao nível das mercearias nota-se uma retirada de nacionais passando a impressão de que a porta está completamente escancarada.
Diz-se que isso resulta das regras da OMC, mas na realidade e em boa medida é consequência de não se contrapor à estratégia dos outros uma estratégia própria, de não haver um esforço para se ter uma regulação compreensiva dos vários sectores de actividade e também porque é mais fácil, de facto, continuar a governar o país como sempre foi. Ontem assumia-se que se estava a gerir a ajuda externa numa perspectiva de redistribuição de rendimentos e de luta contra a pobreza. Hoje a tentação é de recorrer aos mesmos empréstimos de organismos multilaterais, às mesmas linhas de créditos do tipo Casa para Todos, e às ofertas dos bancos Export-import em nome do sector privado, do desenvolvimento inclusivo e da modernização. Esquece-se que a acompanhar muitas dessas ofertas “generosas” há políticas de internacionalização de empresas, de subsidiação de exportações e de penetração de mercado.
Cabo Verde precisa fundamentalmente de investimento estrangeiro que traz capital, tecnologia, know-how e mercados e não daquele que primariamente tem o seu foco no mercado interno. O país precisa produzir riqueza, criar emprego e exportar. O Estado no quadro de uma política “industrial” compreensiva deve poder articular o desenvolvimento do sector privado nacional com a atracção do investimento externo e a oferta de um turismo com qualidade e diversificado. Para isso, há que ter uma estratégia própria para se contrapor à estratégia de quem vem, porque a economia é aberta e o mundo globalizado. De outra forma sucumbe-se para dar lugar ao outro.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 809 de 31 de Maio de 2017.
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