Um artigo na revista Economist de 25 de Maio trouxe a público mais um falhanço nas negociações entre a União Europeia (UE) e a África no quadro do estabelecimento dos chamados Acordos de Parceria Económica (APE). Desde de 2012 que a UE tenta assinar pactos regionais para substituir o acordo de Cotonou com os países da África, Caraíbas e Pacífico. Encontrou sempre resistências mas as objecções têm sido maiores na África Ocidental, vindas em particular da Nigéria, e na África Oriental onde a Tanzânia retirou-se das negociações na semana passada. O facto de, segundo artigo da Economist, os acordos de parceria económica já assinados não terem trazido, como prometido, nem mais desenvolvimento, nem mais cooperação regional faz diminuir as expectativas inicialmente levantadas das vantagens de um regime de comércio mais aberto entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
O problema é que, diferentemente do que estipulavam os acordos anteriores, no novo pacto exige-se reciprocidade e os países em desenvolvimento terão que abrir os seus mercados a bens e serviços da Europa para continuarem a beneficiar do acesso livre ao mercado europeu. Com tal abertura ficam sem muita margem para acarinhar indústrias e serviços nascentes deixando-os expostos à concorrência aberta de produtos dos países estrangeiros. Por outro lado, perdem receitas com a redução de tarifas exigidas pelos acordos e não têm como contrabalançar porque ainda não puseram de pé uma administração tributária capaz de cobrar todos os impostos e grande parte da economia continua a ser informal. Compreende-se a relutância de muitos países em seguir o caminho do comércio cada vez mais livre como preconizado pela OMC até porque na generalidade dos casos não têm os instrumentos nem peso próprio para contornar a rigidez das imposições da OMC, como fazem os países desenvolvidos.
Fundos são disponibilizados no âmbito desses acordos para facilitar e materializar as parcerias económicas, mas não compensam o facto de o mercado interno ficar completamente descoberto, de a promoção do empreendedorismo local tornar-se quase impossível e de dificilmente o país conseguir implementar uma estratégia própria de desenvolvimento. Por todas essas razões acaba por passar ao lado as novas possibilidades de negócio criadas pelo comércio livre. A pretendida substituição da ajuda pelo comércio - Aid for Trade – acaba por não resultar, pelo menos no nível que seria desejável para garantir desenvolvimento sustentado e prosperidade futura. Vários factores contribuem para isso, a começar pelos interesses criados e comportamentos induzidos na sociedade e no Estado pelo modelo de reciclagem de ajuda. Junta-se a essa resistência à mudança o impacto no país da acção muitas vezes estratégica de outros estados e seus actores económicos no aproveitamento de oportunidades de negócio que surgiram com a nova economia aberta.
Em Cabo Verde há anos que se houve que a economia deve deixar de se basear na ajuda externa para passar a ter o sector privado como força motriz. Pelos resultados, constata-se que passar das palavras aos actos tem sido extremamente difícil. O estado actual do sector privado nacional, depois de anos de endividamento para construir infra-estruturas que viabilizassem o investimento privado, linhas de crédito para empoderamento das famílias, programas para promoção do empreendedorismo, projectos do Banco Mundial e das Nações Unidas para melhorar a competitividade do país e o seu ambiente de negócios, diz tudo. São exemplos a fragilidade do sector de construção civil, as deficiências dos transportes marítimos, as dificuldades dos operadores económicos nacionais em fornecer bens e serviços aos hotéis e outras estruturas de turismo e a incipiência da actividade privada nas TICs e a incapacidade de encontrar caminhos para uma agricultura mais produtiva e uma indústria com potencial de crescimento. Até no comércio a retalho ao nível das mercearias nota-se uma retirada de nacionais passando a impressão de que a porta está completamente escancarada.
Diz-se que isso resulta das regras da OMC, mas na realidade e em boa medida é consequência de não se contrapor à estratégia dos outros uma estratégia própria, de não haver um esforço para se ter uma regulação compreensiva dos vários sectores de actividade e também porque é mais fácil, de facto, continuar a governar o país como sempre foi. Ontem assumia-se que se estava a gerir a ajuda externa numa perspectiva de redistribuição de rendimentos e de luta contra a pobreza. Hoje a tentação é de recorrer aos mesmos empréstimos de organismos multilaterais, às mesmas linhas de créditos do tipo Casa para Todos, e às ofertas dos bancos Export-import em nome do sector privado, do desenvolvimento inclusivo e da modernização. Esquece-se que a acompanhar muitas dessas ofertas “generosas” há políticas de internacionalização de empresas, de subsidiação de exportações e de penetração de mercado.
Cabo Verde precisa fundamentalmente de investimento estrangeiro que traz capital, tecnologia, know-how e mercados e não daquele que primariamente tem o seu foco no mercado interno. O país precisa produzir riqueza, criar emprego e exportar. O Estado no quadro de uma política “industrial” compreensiva deve poder articular o desenvolvimento do sector privado nacional com a atracção do investimento externo e a oferta de um turismo com qualidade e diversificado. Para isso, há que ter uma estratégia própria para se contrapor à estratégia de quem vem, porque a economia é aberta e o mundo globalizado. De outra forma sucumbe-se para dar lugar ao outro.
O problema é que, diferentemente do que estipulavam os acordos anteriores, no novo pacto exige-se reciprocidade e os países em desenvolvimento terão que abrir os seus mercados a bens e serviços da Europa para continuarem a beneficiar do acesso livre ao mercado europeu. Com tal abertura ficam sem muita margem para acarinhar indústrias e serviços nascentes deixando-os expostos à concorrência aberta de produtos dos países estrangeiros. Por outro lado, perdem receitas com a redução de tarifas exigidas pelos acordos e não têm como contrabalançar porque ainda não puseram de pé uma administração tributária capaz de cobrar todos os impostos e grande parte da economia continua a ser informal. Compreende-se a relutância de muitos países em seguir o caminho do comércio cada vez mais livre como preconizado pela OMC até porque na generalidade dos casos não têm os instrumentos nem peso próprio para contornar a rigidez das imposições da OMC, como fazem os países desenvolvidos.
Fundos são disponibilizados no âmbito desses acordos para facilitar e materializar as parcerias económicas, mas não compensam o facto de o mercado interno ficar completamente descoberto, de a promoção do empreendedorismo local tornar-se quase impossível e de dificilmente o país conseguir implementar uma estratégia própria de desenvolvimento. Por todas essas razões acaba por passar ao lado as novas possibilidades de negócio criadas pelo comércio livre. A pretendida substituição da ajuda pelo comércio - Aid for Trade – acaba por não resultar, pelo menos no nível que seria desejável para garantir desenvolvimento sustentado e prosperidade futura. Vários factores contribuem para isso, a começar pelos interesses criados e comportamentos induzidos na sociedade e no Estado pelo modelo de reciclagem de ajuda. Junta-se a essa resistência à mudança o impacto no país da acção muitas vezes estratégica de outros estados e seus actores económicos no aproveitamento de oportunidades de negócio que surgiram com a nova economia aberta.
Em Cabo Verde há anos que se houve que a economia deve deixar de se basear na ajuda externa para passar a ter o sector privado como força motriz. Pelos resultados, constata-se que passar das palavras aos actos tem sido extremamente difícil. O estado actual do sector privado nacional, depois de anos de endividamento para construir infra-estruturas que viabilizassem o investimento privado, linhas de crédito para empoderamento das famílias, programas para promoção do empreendedorismo, projectos do Banco Mundial e das Nações Unidas para melhorar a competitividade do país e o seu ambiente de negócios, diz tudo. São exemplos a fragilidade do sector de construção civil, as deficiências dos transportes marítimos, as dificuldades dos operadores económicos nacionais em fornecer bens e serviços aos hotéis e outras estruturas de turismo e a incipiência da actividade privada nas TICs e a incapacidade de encontrar caminhos para uma agricultura mais produtiva e uma indústria com potencial de crescimento. Até no comércio a retalho ao nível das mercearias nota-se uma retirada de nacionais passando a impressão de que a porta está completamente escancarada.
Diz-se que isso resulta das regras da OMC, mas na realidade e em boa medida é consequência de não se contrapor à estratégia dos outros uma estratégia própria, de não haver um esforço para se ter uma regulação compreensiva dos vários sectores de actividade e também porque é mais fácil, de facto, continuar a governar o país como sempre foi. Ontem assumia-se que se estava a gerir a ajuda externa numa perspectiva de redistribuição de rendimentos e de luta contra a pobreza. Hoje a tentação é de recorrer aos mesmos empréstimos de organismos multilaterais, às mesmas linhas de créditos do tipo Casa para Todos, e às ofertas dos bancos Export-import em nome do sector privado, do desenvolvimento inclusivo e da modernização. Esquece-se que a acompanhar muitas dessas ofertas “generosas” há políticas de internacionalização de empresas, de subsidiação de exportações e de penetração de mercado.
Cabo Verde precisa fundamentalmente de investimento estrangeiro que traz capital, tecnologia, know-how e mercados e não daquele que primariamente tem o seu foco no mercado interno. O país precisa produzir riqueza, criar emprego e exportar. O Estado no quadro de uma política “industrial” compreensiva deve poder articular o desenvolvimento do sector privado nacional com a atracção do investimento externo e a oferta de um turismo com qualidade e diversificado. Para isso, há que ter uma estratégia própria para se contrapor à estratégia de quem vem, porque a economia é aberta e o mundo globalizado. De outra forma sucumbe-se para dar lugar ao outro.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 809 de 31 de Maio de 2017.
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