As fragilidades de Cabo Verde vêm de tempos em tempos dramaticamente à superfície e toda a sociedade queda-se em choque perante as suas consequências, tanto aquelas que se materializaram como as que poderiam ter-se verificado. Aconteceu na semana passada com o desastre da viatura na ilha do Fogo e a necessidade urgente de transportar doentes em estado grave para o Hospital da Praia. O facto de um ATR da TACV ter deixado de voar para o Fogo pôs a nu mais uma vez as dificuldades de um país arquipélago em agir de forma efectiva a emergências a qualquer momento do dia ou da noite nas ilhas e no mar circundante. Outros acidentes e outras situações similares e até mais graves já tinham revelado a fragilidade existente, mas a reacção das autoridades tem sido de uma passividade confrangedora. Passada a fase das recriminações públicas em que partidos e pessoas atacam uns aos outros e procuram fazer aproveitamento político da situação, não se notam mudanças significativas nas políticas, nas instituições ou nos comportamentos. Espera-se que desta vez não se repita o mesmo.
Devia ser óbvio que uma das principais prioridades de um país – com dez ilhas, uma enorme linha da costa e um mar vasto por controlar – fosse capacitar-se para fiscalizar o mar e a sua zona costeira e munir-se de recursos aéreos e marítimos, entre os quais helicópteros, para responder às emergências designadamente no que respeita a busca e salvamento no mar, evacuações médicas e respostas a desastres naturais. A responsabilidade do Estado de assim fazer é acrescida ainda com a gestão da FIR oceânica e o apoio que é obrigado prestar na eventualidade de alguma emergência aérea. O crescimento rápido do turismo deveria ser um incentivo para se acelerar nessa capacitação, considerando que é vital para o aumento do fluxo turístico que certas garantias principalmente de natureza médica estejam sempre asseguradas. Estranha pois que decorridos 42 anos desde da independência e mais de uma década de aposta no turismo as respostas que o país por si só dá às emergências de toda espécie sejam ainda tão incipientes. Até parece que naufrágios, acidentes de aviação, desastres automóveis, cheias catastróficas e erupções vulcânicas com as sempre significativas perdas humanas e materiais não tenham sido suficiente incentivo para provocar uma mudança de atitude para além das proclamações de circunstância que no momento de choque e de dor se fazem.
Nota-se que passado o momento difícil, a tendência é voltar quase sem alteração à situação anterior. Exemplo notório é o que se passa no domínio do mar. A autoridade marítima continua dispersa entre o instituto marítimo e portuário, a capitania dos portos, a polícia marítima na polícia nacional e a guarda costeira nas forças armadas. Vários documentos oficiais entre os quais o plano estratégico de segurança interna de Agosto de 2014 e a prática já demonstraram que esta estrutura de forças não tem a eficácia desejável na consecução dos objectivos do país em matéria de policiamento dos mares e costas, de garantia de serviços de busca e salvamento e de outras emergências no país. Não se consegue coordenar devidamente as forças, não se consegue aproveitar adequadamente a cooperação internacional e mantem-se um quadro de desperdício de recursos tanto humanos como materiais por falta de foco e de estratégias consequentes.
O que se passa no mar com a autoridade marítima também verifica-se noutros sectores da vida do país. Sabe-se que algo não vai bem, mas para além das recriminações políticas de costume sempre que alguma coisa de excepcional acontece, as críticas ao status quo mantêm-se no mínimo. Procura-se não ferir susceptibilidades de grupos ou de interesses corporativos à volta do sector e o resultado é a inércia político-institucional que deixa quase tudo como estava. É o que acontece, por exemplo, com a segurança, a justiça e a educação, mas também é o que se constata noutros domínios com os transportes e a saúde. A factura que o país vai pagando com a incapacidade de definitivamente resolver os seus problemas de segurança ou de se conseguir uma justiça eficaz e ter uma educação de excelência não é desprezível. No caso da TACV já se sabe dos 120 milhões de dólares a pagar por omissões em matéria de política de transporte e por decisões erradas na gestão. Na educação é o próprio GAO há dias a apontar “as fraquezas do capital humano” como um dos principais constrangimentos ao crescimento económico apesar dos milhões gastos todos os anos no sector. A persistência do sentimento de segurança que limita a liberdade das pessoas em todo o país particularmente na Cidade da Praia e retira-lhes tranquilidade de espírito é o custo pago por todos por se continuar a pensar que se pode despejar meios sobre os problemas e eles se resolverão por si.
A importância da alternância nas democracias é que abre o caminho para se mudar de políticas, para fazer novos arranjos institucionais, para definir outras prioridades e para congregar novas vontades na tarefa de construir um futuro de prosperidade e com superior qualidade de vida. Cabo Verde precisa libertar-se do colete-de-forças em que, de um lado, se tem entidades internacionais a impor políticas e reestruturação de sectores económicos sob pena de perda de ajuda orçamental e, do outro, se tem interesses corporativos que se servem de qualquer fragilidade ou hesitação na governação para seu próprio benefício sem preocupação com a eficácia global da actividade do Estado e com o impacto no ambiente geral dos negócios. Alinhar as prioridades com os recursos existentes e com uma nova agilidade institucional e governativa é fundamental para se dar o tipo de resposta segura e efectiva que há muito os cabo-verdianos esperam em matérias tão vitais como a segurança, a justiça, a educação, a saúde e os transportes. O Futuro depende do sucesso que se granjear nesse empreendimento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 811 de 14 de Junho de 2017.
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