domingo, agosto 08, 2010
Pontas de lança do Governo?
sábado, agosto 07, 2010
Unidades Móveis
quinta-feira, agosto 05, 2010
Problema de água chegou ao Sal e S. Vicente
quarta-feira, agosto 04, 2010
Nomeação do Secretário Geral do Governo
terça-feira, agosto 03, 2010
Década Perdida
Milhões e milhões de contos de poupanças dos caboverdianos, de donativos de outros países e de empréstimos feitos no estrangeiro foram gastos nos últimos dez anos. Para o governo do PAICV os resultados vêem-se nas obras inauguradas, nas estatísticas favoráveis, quando comparadas com certos países africanos, e nas declarações simpáticas de países estrangeiros.
Mas os caboverdianos sabem que nem tudo o que brilha é ouro. Que nem todos os gastos trazem benefícios que os justificam. E muito menos preparam o futuro. Sabem que, para além de todas as aparências, vive-se em Cabo Verde com crescimento económico anémico, com desemprego generalizado, com ilhas estagnadas e desesperançadas, com bolsas persistentes de pobreza e com crescente desigualdade.
As pessoas também sabem que no futuro próximo vão confrontar-se com níveis de dívida pública e défices orçamentais perigosamente altos. E será em ambiente de crise internacional e a partir de uma economia pouco diversificada e pouco virada para exportação de bens e serviços.
O documento Análise de Constrangimentos dá conta da armadilha em que este governo meteu o País. Deixa claro que a propagandeada agenda de transformação está encalhada em constrangimentos designadamente no domínio do financiamento, da educação e formação e dos transportes e comunicações que já deviam ter sido corrigidos e ultrapassados.
Por essa, e outras razões, a década de governação do PAICV é, a todos os títulos, uma década perdida.
É uma década perdida quanto à atracção do investimento externo. Nos primeiros anos o Governo perdeu-se a desmantelar o PROMEX e a enviar sinais complicados aos investidores. Está a terminar o mandato sem uma estratégia de promoção do país em tempos de crise. A meio da década ficou eufórico com as possibilidades de entrada de capitais. Em 2007, chegou a anunciar investimentos de 4 mil milhões de euro em S.Vicente, a um ritmo de 600 milhões por ano. Mas logo depois queimou a galinha dos ovos de ouro. Não cuidou da Segurança e não tomou as medidas urgentes que se impunham. E minou a confiança de todos com insegurança jurídica no registo dos terrenos. A crise começou na ilha do Sal e alastrou-se pelas outras ilhas.
É uma década perdida no domínio da educação e da formação profissional. Não obstante os liceus construídos, os milhares de alunos nas escolas, as universidades criadas e o esforço na formação profissional. O excessivo desemprego entre os jovens é prova cabal disso. A falta de qualidade no ensino da matemática e das ciências e a não aposta em competências linguísticas estratégicas não faz do capital humano em Cabo Verde um factor de atracção de capitais. O desajuste entre a formação profissional e as necessidades do mercado não favorece a produtividade das empresas e prejudica a inovação em produtos e processos.
A década de governação do PAICV é uma década perdida no domínio dos transportes e das comunicações. Apesar das infraestruturas feitas o mercado nacional está ainda por ser unificado, com prejuízo, em particular, para as ilhas agrícolas. Ilhas como, a Brava, S Nicolau e Maio, estagnaram com o isolamento. E os TACV continuam a fazer os emigrantes, os nacionais e os ocasionais turistas e visitantes pagar as suas ineficiências, com custos para economia nacional e acréscimos na dívida pública. Apesar dos avanços nas comunicações electrónicas, Cabo Verde não soube desenvolver empresas exportadoras de serviços baseados nas TIC capazes de empregar milhares de jovens. Faltou visão. Seis anos depois do MpD ter proposto neste plenário da A N uma estratégia para a banda larga, o Governo, finalmente, ontem, criou uma comissão para isso.
É uma década perdida no domínio de energia. Cortes sucessivos de energia causaram transtornos às pessoas e prejuízos avultados à economia nacional em perdas de produtividade e em custos acrescidos na aquisição de geradores. A culpa disso tudo está na forma irresponsável e politiqueira com que o Governo tratou a questão da Electra. O país perdeu o parceiro estratégico e vem tropeçando no sector com medidas avulsas sem um plano definido. Hoje injecta dinheiro do INPS para resolver problemas de tesouraria, amanhã contrai empréstimos vultuosos com clausulas complicadas e depois de amanhã vê-se membros do Governo a distribuir lâmpadas em nome da eficiência energética. A questão séria da factura energética, da dependência de combustíveis fosseis e das ineficiências na produção e distribuição de energia ficam por ser abordadas de forma compreensiva.
É ainda uma década perdida no domínio da agricultura. Apesar da construção de barragens ainda não se encontrou uma via para debelar a pobreza no mundo rural. A agricultura não foi direccionada para produtos de grande valor acrescentado e o mercado agrícola não se expandiu por falta de transportes inter-ilhas fiáveis. O Governo deixou que o grogue continuasse a ser adulterado, arruinando os proprietários de cana, prejudicando exportações e devastando a saúde de muitos jovens.
Nas Pescas viu-se com o caso da Frescomar como a década foi perdida. Mesmo com a possibilidade de vender dezenas de toneladas de peixe por dia à fabrica não passou pela cabeça dos governantes investir agressivamente na frota para aumentar a captura nacional e aproveitar os acordos de pesca com países da costa africana.
Na Saúde, nesta década perdida, não se fez o suficiente para evitar que o país perdesse a vantagem comparativa de ser um destino turístico sem doenças endémicas. Permitiu-se que o paludismo, paulatinamente, assentasse arraiais em algumas ilhas e que Cabo Verde virasse notícia internacional com a epidemia da dengue. Por outro lado, não se imprimiu um impulso estratégico ao sector que capacitasse o país para responder às doenças de uma população com maior esperança de vida e, ao mesmo tempo, se posicionasse para responder as demandas do turismo residencial, virado para população envelhecida da Europa.
Na Justiça, o agendamento da discussão dos Estatutos dos Magistrados, para Outubro de 2010, mostra como a década foi perdida. A insistência do PAICV em manter juízes de nomeação política no Supremo Tribunal de Justiça, à revelia da Constituição da República, efectivamente bloqueou a instalação do Tribunal Constitucional e impediu que se desse passos seguros para uma verdadeira independência do poder judicial.
Um olhar pela comunicação social de Cabo Verde deixa claro que aí também foi uma década perdida. A autocensura reina. Ao longo dos anos o Governo moveu-se para cercear manifestações de pluralismo. Preparava o palco para a enxurrada de propaganda que está sufocar o país, com os recursos do Estado, na campanha eleitoral que há muito iniciou. Vê-se isso todos os dias na televisão pública.
Há dias Hillary Clinton avisava em Cracóvia, na Polónia contra a tentação de certos líderes das novas democracias de pôr a sociedade civil numa espécie de torno de aço, sufocando o espírito humano e esvaziando o pluralismo. E sem sociedade civil, disse ela, não há democracia.
Na ocasião, Hillary Clinton denunciou a tentativa de certos governos em fazer as pessoas subservientes ao Estado em vez de ser o Estado a servir o povo. Precisamente o que vem acontecendo nesta década. O Governo esforçou-se por convencer os caboverdianos que se pode viver da ajuda internacional com dignidade, sem preocupação real com a criação de uma estrutura produtiva própria. E que, por isso, os governos devem ser avaliados pelo que conseguem captar da generosidade dos outros. Mesmo que, ficando por esse modelo de gestão de fluxos externos, uns acabem por ficar com mais, aumentando as desigualdades sociais e condenando o país a um desemprego permanente de mais de 20%.
Resumindo, nesta década de governação o PAICV faltou no seu dever ao povo de Cabo Verde. Esforçou-se por diminuir a Liberdade, fustigou de todos os lados o Estado de Direito e não contribuiu para a prosperidade desejada. Falhou completamente nas metas de crescimento e emprego que se impôs e desperdiçou oportunidades que podiam ter permitido aos caboverdianos, em todas as ilhas, perspectivar hoje o futuro com uma outra certeza.
domingo, julho 18, 2010
S. Vicente: o desemprego e o ilusionismo do Governo
S.Vicente tem a maior taxa de desemprego de Cabo Verde. A incapacidade deste governo em enfrentar os problemas de emprego e crescimento económico tem consequências dramáticas em todo o país, mas particularmente em S.Vicente. Desmoraliza as pessoas, corrói o tecido social e cria bolsas de pobreza. Lança indivíduos e famílias para além de um limiar onde riscos são maiores de se perder dignidade, de se deixar levar pelo abuso do álcool e de drogas e de se enveredar pelos caminhos do crime. O que se passa em S.Vicente não é destino. É obra do Homem. Obra deste governo do Paicv. As potenciais vias de se desenvolver a ilha, e com ela a região, são conhecidas. Mas faltou vontade. Faltou visão. E mesquinhez prevaleceu. Logo nos primeiros meses de 2001 desmantelou-se o Centro de Promoção de Investimentos em S.Vicente, o Promex. A retirada do Promex acabou por mandar um sinal forte que o novo governo não estava interessado no investimento ligado a exportações. Que o Governo nada queria saber de indústrias que estavam a criar milhares de postos de trabalho directo e indirecto. E que o Governo pouca importância dava ao programa de AGOA. O programa que abria o mercado americano para produtos industriais que muitas jovens em S.Vicente já estavam treinadas para produzir. Desemprego aumentou na sequência do fechamento de muitas fábricas. O parque industrial então construído para dar impulso a um sector industrial exportador ficou às moscas até hoje. E o que o Governo ofereceu em troca? Nada. Quando, a partir de 2006, oportunidades surgiram com projectos turísticos para ilha, o Governo, depois de ter beneficiado da propaganda à volta deles, bloqueou-os por completo. Nenhum deles viu a luz do dia. Um factor central para o sucesso desses projectos era adequação do aeroporto para receber voos internacionais. A obra arrastou-se. Só veio a realizar-se, anos depois do previsto, em plena crise e com insuficiências que o impedem de realizar por completo o seu papel na dinamização da economia da ilha. As promessas de criação do entreposto portuário não se realizaram. S.Vicente ficou sem dinâmica que as suas gentes precisavam. Daí o desemprego, o desânimo, o êxodo da muitos jovens valiosos e os problemas sociais graves de todos conhecidos. O Governo em dez anos já vai na sua sexta equipa económica. E é evidente para todos que continua sem norte. Como reage o Governo perante este quadro que é desolador para os caboverdeanos que estão no desemprego e querem alimentar esperança de emprego para já. Um quadro que é particularmente desolador para os jovens estudantes, hoje retirados das listas de desempregados pela nova metodologia do INE e que não querem voltar á lista depois de terminarem os estudos secundários e superiores. O Governo reage com habilidades de ilusionista, de mágico. Opta por levantar os espíritos dos caboverdeanos com medidas como a que, semanas atrás, criou, de uma assentada, 17 cidades em Cabo Verde. Não interessa ao Governo que, normalmente, cidades surgem é com o crescimento e desenvolvimento económico de núcleos populacionais bem sucedidos enquanto portos, nódulos aeroportuários, centros industriais, centros de prestação de serviço etc. Importa sim simular que se está a fazer obra. Actos de ilusionismo proliferam pelo País e alimentam a propaganda estatal. O Governo usa de todos os recursos do Estado e ultrapassa todos os limites. Incluindo os que pela Constituição e pela ética deveria respeitar no que toca, designadamente, á relação do Estado e das autoridades do Estado com as crianças e os jovens. Supostas “Aulas Magnas” são ministradas por dignitários do PAICV, vestidos da autoridade do Estado, a crianças do EBI e jovens dos liceus. Lança o País numa campanha eleitoral fora de tempo. E não deixa que se debruce seriamente sobre os problemas difíceis do Pais e os extraordinários desafios que o mundo de hoje coloca a todas economias. O virar do Governo completamente para propaganda tem consequências. Tende a calar tudo e todos. Para que não se diga que o rei vai nu. Por isso, em vezes sucessivas, esforça-se por criminalizar a oposição. Polariza a sociedade e as comunidades emigradas com um discurso de divisão que é intrínseco á sua cultura política. Chega até ao ponto de deixar fragilizado o próprio Banco Central de Cabo Verde. O Boletim Oficial de 12 de Maio último dá conta de como o Governo deixou o governador e os administradores do banco central sem renovação de mandato durante vários anos. Para evitar vozes plurais reforça a auto censura que sabe existir nos órgãos de comunicação sociais. De forma deliberada procura, num jogo de dar doces e castigo, colocá-los todos no bom caminho, ou seja sem fazer mossas á onda de propaganda que pretende inundar o país até às eleições. Cabo Verde não está blindado contra crise. Mas parece que o Governo na sua ânsia de se manter no poder blindou-se contra tudo e contra todos. E não é uma “crisesinha” internacional que o vai fazer parar para reflectir, reformular, inovar como todos os outros governos do mundo estão a fazer. Socorre-se do ilusionismo e da politiquice identitária, para acirrar paixões polarizantes e alimenta divisões na sociedade caboverdeana, entre as ilhas e nas comunidades emigradas na sua luta contra o pluralismo e a diversidade. È fundamental para o futuro que Cabo Verde seja governado com verdade, com honestidade e no respeito pelas grandes conquistas do povo caboverdeanos quanto aos direitos fundamentais dos cidadãos e à institucionalização do Estado de direito democrático.
Intervenção na Assembleia Nacional de 30/06/2010
segunda-feira, maio 31, 2010
Findar "o mais do mesmo"
Cabo Verde luta com desemprego acima de 20% na população em geral e de mais 40% entre os jovens. As perspectivas de emprego variam de ilha para ilha. Nalgumas ilhas, desemprego é consequência da estagnação ou falta dinâmica económica. Noutras resulta, em parte, de migrações para os centros urbanos, particularmente para a Capital, à cata de emprego induzido pelas despesas concentradas do Estado e de particulares.
O drama de milhares de pessoas que se vêem desempregadas ou subempregadas parece não tocar profundamente a consciência da Nação. È a sensação que se tem quando é notório nos discursos dos governantes a quase ausência da problemática de criação de emprego. O discurso insiste no mesmo de sempre: a criação de meios. E fica por aí, sem que ênfase ou qualquer consideração especial se dê à questão básica: como vão esses meios debelar o desemprego? Em que grau e medida? O custo dos meios utilizados justifica-se face aos benefícios esperados na criação de postos de trabalho, na e dinâmica empresarial conexa e nas exportações de bens e serviços?
A insensibilidade perante o desemprego coloca o País num lugar à parte do que se vê acontecer no mundo real. Por exemplo, no fim da semana passada, 3 de Abril, as manchetes dos jornais em todos os continentes convergiram para as últimas estatísticas do mercado de trabalho na América que apontavam para a criação de 162 mil novos empregos. Porquê? Porque crescimento económico, acompanhado de criação de postos de trabalho, é globalmente visto como sinal de se está a trilhar o caminho certo.
A mesma coisa aplica-se quando se ouve insistentemente na comunicação social estatal os anúncios das barragens a serem construídas. Mais uma vez o discurso concentra-se nos meios. Água parece ser tudo. A questão de que tipo de culturas, cash crops, pode-se produzir de forma rentável é secundarizada e a problemática do mercado não é devidamente equacionada. As ilhas dos Açores e de S Tomé e Príncipe testemunham que água não é, talvez, o constrangimento maior. Central é o acesso a mercados externos, tendo em conta a pequenez, a descontinuidade e os custos adicionais de transporte que caracterizam o mercado interno insular. Por outro lado, a competitividade dos produtos exportados, como mostra a história de todas as ilhas e de todos os arquipélagos, não é certa nem permanente. Na generalidade dos casos é puramente conjuntural.
A sensação de dèjá vu reforça-se com actos como o lançamento da primeira pedra do Centro Tecnológico no passado dia 25 Março. O Governo apressou-se logo a anunciar que estava “a lançar as bases de um sector que será motor da nova economia de Cabo Verde”. A visão do Primeiro-Ministro é que o Centro Tecnológico “albergue actividades de investigação avançada e aplicada, desenvolvidas preferencialmente pelas universidades, bem como projectos de concepção e desenvolvimento de soluções informáticas aplicadas nos domínios estratégicos”. Não ficou claro, porém, é como os investimentos previstos de 17 milhões de dólares irão traduzir-se em crescimento económico e criação de empregos no sector, ao ponto de vir a ser qualificado como motor da economia nacional.
Provavelmente, porque falta essa preocupação central com o crescimento e o emprego, é que todo o esforço de construção da governação electrónica, avaliado em quase um milhão de contos, não teve os efeitos desejáveis no emprego e no desenvolvimento empresarial na área das TICs (tecnologias de informação e comunicação). Perdeu-se a oportunidade que o e-government, com a sua procura sofisticada de serviços, poderia constituir num mercado pequeno como Cabo Verde para arrancar o sector. Ficou mais difícil arrancar algo que bem poderia vir mostrar capaz de fornecer serviços a privados e exportar, via serviços de outsourcing, e, também, de ser motor de crescimento e de criação de empregos jovens em todas as ilhas.
Mas, pelo que se vê, agora é que se pensa em lançar bases. Bases que, de imediato, só podem ser as de betão. Porque as outras, como ter gente qualificada para investigação avançada e para criar soluções vendáveis no mercado global, levam o seu tempo e exigem um ambiente cultural e intelectual que, positivamente, não é o que prevalece no País.
Noutras paragens a mentalidade é completamente diferente. Recentemente a revista Economist referiu-se às grandes expectativas geradas no Quénia pela amarração próxima de três cabos de fibra óptica. O governo mostra-se optimista e projecta a criação de mais 120 mil empregos só
Aqui
O Call Center da Praia que chegou a gerar mais de 200 empregos permaneceu uma experiência isolada. Para isso deverá ter contribuído o facto de contornar parte significativa dos custos elevados das telecomunicações do País com uma ligação directa ao cabo de fibra óptica Atlantis
O Primeiro-ministro inaugurou o call center em 2004 e ficou-se basicamente por aí. Imagine-se o número de postos de trabalho que poderiam ter sido criados com o alargamento da actividade. E os efeitos induzidos na formação profissional e na definição das prioridades do sistema educativo, designadamente no que respeita às competências linguísticas que são estrategicamente importantes para o País.
A problemática dos custos de comunicações central para um país pequeno, insular e remoto devia ter sido confrontado com mais visão, mais pragmatismo e menos posturas politiqueiras, do género das que causaram estragos nos sectores de energia e água. O resultado é que os BPO, que bem podiam ter representado uma opção real para o País, passaram de lado. Indiferente a isso sonha-se com a comercialização de soluções informáticas, produtos colocados muito mais acima na cadeia de valor internacional, sem muita preocupação pelo que é exigível, em termos de sofisticação, para fazer brotar tais criações.
A disponibilidade do Banco EXIM, export-import, da China de financiar em 17 milhões de dólares o sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC) já abriu um caminho que pode levar ao aparecimento de um novo operador de telecomunicações. A empresa chinesa Huawei vai dotar o Estado de um sistema de comunicações wireless com a tecnologia WiMax, que irá cobrir todo o território nacional. O sistema em princípio é para servir a rede do Estado. Resta saber se irá além disso, para também entrar no mercado de oferta de serviços em banda larga, valendo-se da “muleta” dos computadores do Mundo Novo. O concurso lançado pela ANAC, a agência de regulação, em Dezembro último para operadores de 4G, WiMax e LTE, não deverá ser completamente alheio a todo esse desenvolvimento.
Uma vez mais, o Governo, indo atrás dos meios, muitos deles resultados de promoção das exportações de outros países, não cuida o suficiente da necessidade urgente de Cabo Verde conseguir exportar os seus produtos e serviços e criar novos empregos. Urge de facto baixar os custos de comunicação
Os avanços de Cabo Verde do 107º lugar para 102º no índice 2010 da ITU, União Internacional das Telecomunicações, verificam-se essencialmente no acesso e na diminuição de preços. Quanto ao uso mantém-se baixo, contribuindo para isso a falta de concorrência na banda larga, com um único provedor a prestar serviço de ADSL a partir da linha do telefone fixo. Certamente que o aparecimento de outros operadores de banda larga, utilizando redes wireless, WiMax ou LTE, deverá baixar os custos e aumentar o acesso.
O uso só dará um salto gigante se os custos de interligação com outros pontos do globo caírem significativamente. Nisso, o Governo, estrategicamente, deverá aplicar-se para que toda uma actividade empresarial de importância para a economia nacional ganhe ímpeto. Mesmo actividades como a imobiliária turística e residencial poderão beneficiar da possibilidade de potenciais compradores se decidirem pela compra, cientes que facilidades e baixo de custo de comunicações com a Europa e o resto do Mundo lhes permite, de forma permanente ou temporária, trabalhar a partir de Cabo Verde.
Por tudo isto é fundamental que se crie e se mantenha uma pressão sobre os governantes no sentido de sempre terem presente a questão central da governação que é de mobilizar as energias da Nação para o crescimento económico e a criação de empregos. Evitam-se assim tentações de se transformar o governo do País numa gigantesca operação de relações públicas e propaganda, cheia de gestos simbólicos e cerimónias vazias, enquanto milhares se mantêm desempregados e a pobreza e o desespero se acentuam. Publicado no Jornal Asemana de 9 de Abril de 2010
segunda-feira, maio 24, 2010
Crise 2.0 : Será desta?
Finalmente foram publicadas números sobre o emprego em Cabo Verde. Mudou-se a metodologia do estudo, mas 3,5% continua a ser o aumento em desemprego registado ao nível nacional. S.Vicente ficou em primeiro lugar com 26,7% de desemprego.
Os dados do emprego vieram confirmar o que tem sido o maior falhanço do Governo actual. A incapacidade em acertar com numa política económica que propiciasse crescimento sustentável e emprego em número suficiente para debelar o desemprego e satisfazer as expectativas de quem anda à procura de trabalho ou entra pela primeira vez no mercado de trabalho. Já trocou cinco vezes de titular de Economia, mas não muda políticas nem a atitude em relação á economia e ao sector privado nacional. Actualmente é o próprio Primeiro-Ministro a assumir a pasta, coadjuvado por um Secretário de Estado Adjunto, e tudo continua essencialmente na mesma.
O Governo tem invocado a Crise internacional como razão pelo não cumprimento das promessas de crescimento e de emprego. Mas muito claros eram os sinais de quebra de ritmo antes da crise. Via-se que as oportunidades criadas pelo boom no crédito e a expansão do comércio internacional, esfumavam-se por entre os dedos dos caboverdianos. Intenções de investimento perdiam-se com demonstrações de ganância, com obsessão de controlo e com a luta politiqueira entre o Governo e as câmaras municipais.
S.Vicente foi especialmente atingida pela falta de visão, pela falta de vontade e pela cultura política de prepotência do Governo central. Nos primeiros anos de governação assistiu perplexo à retirada do Promex, o centro de promoção de investimentos. Subsequentemente foram destruídos milhares de postos de trabalho na indústria. A promessa que o programa americano do AGOA podia significar para a expansão industrial e mais emprego esvaneceu-se perante a indiferença do Governo. Ficou claro que os governantes só se deixam excitar com programas como o MCA, que é essencialmente de doações.
As facilidades de exportação do AGOA foram aproveitadas, por exemplo, pelo Lesotho, um pequeno país encravado entre vários outros no sul da Africa e a muitas horas de voo dos Estados Unidos. Segundo a publicação do Banco Mundial “Yes, Africa Can” Lesotho criou mais de 35 mil postos de trabalho entre 2000 e 2008 na indústria de vestuário e calçado. E, a jusante e a montante da actividade de exportações, conseguiu erguer um cluster de indústrias e serviços conexos que, para além de criar mais emprego, lhe garantiu sustentabilidade e competitividade acrescidas.
O Governo não parece interiorizar a ideia que Cabo Verde, com um mercado interno minúsculo, tem que desenvolver um sector exportador de bens e serviços para garantir a sustentabilidade da economia. Já foi colocado no grupo dos países de rendimento médio e sabe que doações e empréstimos concessionais, paulatinamente, irão desaparecer. E as remessas dos emigrantes, que ainda constituem uma boa almofada para as populações, principalmente em tempo de dificuldades, inevitavelmente terão peso menor no cômputo global da economia nacional.
A publicação dos dados sobre o mercado de trabalho é acompanhada, mais uma vez, da desculpa de que o desemprego é estrutural, para justificar a incapacidade de criar postos de trabalho a taxas aceitáveis. Mais do que nunca essa desculpa não deve ser aceite. A actual crise europeia alerta contra o uso do rótulo “estrutural” como pretexto para não se agir decisiva e tempestivamente. Procrastinação paga-se caro.
Países como Grécia e Portugal encontram-se na actual situação, a braços com uma nova crise, porque ignoraram por muito tempo os problemas estruturais. Não reagiram consequentemente à queda progressiva da competitividade externa dos seus bens e serviços e às dificuldades em criar novos sectores de actividades onde as vantagens comparativas poderiam ser potenciadas. Beneficiaram das vantagens da moeda única, designadamente ao nível do crédito, mas acumularam dívidas que hoje, sem um sector exportador dinâmico, se mostram incapazes de pagar.
Os tempos de bonança dos fundos de integração na União Europeia não foram aproveitados para modernizar e diversificar a economia, qualificar a mão-de-obra e ultrapassar ineficiências cruciais para a competitividade futura. Pelo contrário. Serviram de pano de fundo sobre o qual alguns puderam enriquecer em actividades protegidas da concorrência. Salários e preços aumentaram, sem correspondente crescimento da produtividade nacional. E desequilíbrios macroeconómicos se acentuaram, sob o peso da dívida pública e privada.
A crise financeira de 2008 pôs a nu as falhas estruturais de muitos países. Endividaram-se com o intuito de resgatar o sector financeiro, em risco de insolvência, e para estimular a economia com investimentos públicos e outras despesas do Estado. Mas a recuperação tem sido lenta e os défices gargântuos, criados no processo, ameaçam com uma nova crise: a crise da dívida soberana. E é para diminuir o risco dessa crise que medidas severas têm sido tomadas na Grécia, em Portugal e Espanha. Decidiram, entre outras medidas, por cortes e congelamento de salários, alterações na idade de reforma, paralisação de investimentos públicos de prioridade duvidosa e diminuição da cooperação. A Espanha propõe-se fazer um corte de 600 milhões de euros na ajuda ao desenvolvimento.
Não tinham outra escolha. Sem a possibilidade de desvalorizar a moeda para ganhar competitividade em relação aos seus principais parceiros comerciais, também eles da zona euro, a única via que os ficou foi realinhar, por baixo, salários e preços. O problema é que isso pode levar a uma recessão difícil de ser contornada. A falta de confiança na eficácia de todas essas medidas é notória no persistente deslize do euro em relação ao dólar, não obstante as garantias do Banco Central Europeu.
Em Cabo Verde, a reacção às crises sucessivas têm tido um quê de surrealismo. È como se pertencesse a outro planeta. Primeiro, o Governo proclamou que tinha blindado o País contra a crise. Depois, quando se tornou evidente a paragem de todos os projectos nas várias ilhas, mas particularmente em S.Vicente, devido essencialmente à sua atitude “controleira e obstaculizante, içou a bandeira da Crise para se justificar pelas promessas não cumpridas de emprego e crescimento. A seguir, o Governo pretendeu que, com os investimentos em infra-estruturas e aumento geral das despesas públicas, estava a seguir os mesmos caminhos de estímulo à economia nacional, adoptados noutros países.
O resultado disso tudo vê-se no défice orçamental de mais de 9%, no défice da balança de pagamentos de 19% e no nível da dívida pública a aproximar-se dos 100% do PIB. Os indicadores macroeconómicos ultrapassam em muito os limites definidos na Lei de Enquadramento Orçamental com vista à sustentabilidade do Acordo Cambial com o euro. São dificuldades similares de défice orçamental, de défices nas contas externas e de dívida pública que ameaçam precipitar vários países europeus numa situação crítica, pré insolvência.
Como esses países também Cabo Verde, devido ao Acordo Cambial, não tem a opção de desvalorizar a moeda, sob pena de gerar uma crise de confiança de resultados imprevisíveis. Quer isso dizer que a única saída para repor os equilíbrios macroeconómicos poderá passar por medidas fiscais austeras, com consequências severas para as populações. A diminuição nas remessas de emigrantes em 10%, segundo o relatório do Banco Central, é um sinal que deixa adivinhar tempos ainda mais duros à frente. Particularmente porque o grosso dos emigrantes na Europa está precisamente nos países mais atingidos pelas medidas de ajustamento estrutural.
O Governo, já em plena campanha eleitoral, não dá mostras de encarar a situação com a atenção devida. Enquanto na Grécia o 13º e o 14º mês de salários são cortados, em Cabo Verde, o Primeiro-Ministro promete o 13º mês. E no afã de gerir as expectativas, com vista a ganhar mais um mandato, não se coíbe de manter as políticas e a atitude de anos atrás, que pouco contribuíram para criar emprego e aumentar o rendimento das pessoas.
A Afrosondagem publicada há dias mostra a insatisfação geral do eleitorado caboverdiano, em 61%, com o Governo, quanto à criação de emprego, justiça, segurança e a luta contra pobreza. De facto, facilmente se constata que a questão do emprego não é prioridade nos discursos dos governantes. Falam de financiamentos, da credibilidade do país e dos meios disponibilizados mas põem em segundo plano emprego e mercado para os produtos. Emprego, quando referido, é como algo a resultar automaticamente da formação profissional. A realidade porém é outra. Segundo o engenheiro António Canuto, citado pela Inforpress de 16/5/2010, “Aquelas formações que nós preparamos em 10 meses ou um ano, nenhum país já precisa. Temos milhares de jovens formados em culinária, electricidade, canalização, que se diz qualificada, mas desempregada”.
Quanto ao impacto dos investimentos em infra-estruturas, suportados na dívida externa, há que ter, citando o economista do Banco Central Péricles Silva, a devida ponderação na hierarquização e prioridade das nossas necessidade/investimentoss mas sobretudo na sua qualidade, não se criando elefantes brancos tendo em conta os efeitos futuros”(Asemana, 14/5/10). Uma ponderação difícil, particularmente quanto se procura conciliar as razões do governo português, em criar as linhas de crédito, que são as de subsidiar as exportações e apostar na internacionalização das suas empresas, e as razões caboverdianas, que, em tese, deviam ser de criar emprego, densificar o tecido empresarial nacional e provocar o maior efeito de arrastamento no resto da economia. E não está a resultar. O crescimento continua fraco, o desemprego aumenta, as empresas nacionais lutam por sobreviver e a dívida agiganta-se. Interpretando a intenção dos 41% no Afrosondagem que dão nota positiva ao programa de infra-estruturas, parece que só o Governo está a ganhar.
A Crise Financeira de 2008/9 não serviu para Cabo Verde sair do seu torpor habitual e questionar porque aproveitou tão pouco do tempo das vacas gordas. A Crise da Dívida Soberana de 2010 é mais um aviso do que pode acontecer quando um País não tome a sério os seus desequilíbrios externos. Mostra como podem falir, caso da Argentina em 2000 ou ver-se à beira da falência como acontece agora com a Grécia.
A oportunidade nos dois momentos de se discutir as opções do País é desperdiçada por razões de apego ao Poder, a todo o custo. Com tal propósito, usa-se e abusa-se de recursos do Estado para impedir discussão e propagandear posições que só enaltecem o governo e mantêm a sociedade e o País presos na miragem da ajuda e da cooperação. Deixa-se por renovar, durante meses e anos, mandatos de administradores e do próprio governador do Banco Central (BO II Série de 12/5/2010). O que pode indiciar tentativas de condicionamento de instituições fundamentais para manutenção de confiança no País. Recrudesce-se a campanha contra as câmaras, recorrendo a ministros, deputados e serviços desconcentrados do Estado, para passar às populações que a responsabilidade pela estagnação económica e pelo desemprego não é do Governo da República, mas sim dos autarcas.
Uma segunda crise ameaça a Europa e o mundo. Será desta que os caboverdianos irão equacionar seriamente o futuro?
segunda-feira, maio 10, 2010
“Espectáculo” duvidoso em S. Vicente
A polícia judiciária procedeu a uma busca nalguns gabinetes e serviços da Câmara Municipal de S.Vicente no dia 27 de Abril. A PJ considerou necessária montar um cerco ao edifício da câmara e congelar durante mais de quatro horas o funcionamento dos serviços. Funcionários e utentes apanhados no local a tratar dos seus assuntos foram bloqueados à saída. Munícipes necessitados dos serviços da edilidade foram impedidos de entrar.
A intervenção policial em S.Vicente causou estranheza e perplexidade na ilha e no resto do País. A operação levantou sérios problemas quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade na utilização da força policial.
Muitos questionam se, para os fins pretendidos com a busca, foi adequado desencadeá-la quando simples utentes presumivelmente sem qualquer relação com a matéria em investigação encontravam-se no edifício. E que, por isso, viram os seus direitos restringidos pelas autoridades policiais, confinados que foram ao espaço da Câmara sem capacidade de livre movimentação.
Também se questiona se era indispensável que a investigação fosse feita no horário normal de funcionamento dos serviços da câmara municipal. Se o objectivo das buscas era a captura de indícios ou factos no fluxo de dados ou na interacção dos serviços com os municípes durante o expediente diário. Porque só assim se pode explicar que, funcionando os serviços em horários único, não se fizesse a busca depois do expediente ou antes, notificando no momento e local certo e de forma coordenada os visados pelos mandatos de busca e poupando os outros funcionários, os eventuais utentes e a imagem da instituição.
Ainda se questiona se o aparatus e a disposição das forças policiais na definição de um perímetro de segurança à volta do edifício da Câmara Municipal contando, segundo alguns relatos, com suporte em standby de elementos da polícia militar, se justificava. Se era proporcional com a possibilidade de resistência que razoavelmente podia-se antecipar. Não parece que haja registos de sinais por parte dos visados nas investigações que podiam oferecer resistência de qualquer espécie. Pelo contrário declarações públicas proferidas em várias ocasiões por titulares dos órgãos municipais de S.Vicente convidavam a posturas mais proactivas das autoridades na investigação. Precisamente para que o mais rápido possível se chegasse ao completo esclarecimento de acusações feitas e consequente despolitização do processo.
Segundo órgãos de comunicação social no local, finda a busca, a polícia judiciária acabou por sair do edifício da Câmara Municipal com vários documentos e um computador. Para trás ficaram o stress e inconveniências provocados em funcionários e cidadãos durante as horas de confinamento. E também a forte beliscada na imagem da instituição Câmara Municipal de S. Vicente. Os tumultos populares, aparentemente considerados na montagem da operação e contra aos quais as forças da ordem se prepararam e se equiparam até o pormenor do colete à prova de balas, não aconteceram. Mas uma sensação de desnorte e descrédito parecia invadir todos os que presenciaram a cena e puderam constatar a forma ligeira, desrespeitosa e intimidatória como foi tratada uma instituição venerável de S.Vicente que é a sua câmara municipal. E para quê?
Não se cumpriram todos os mandatos de busca. A presidente da câmara municipal, quem oficialmente responde em juízo pelo órgão, esteve ausente. Mesmo objecto do mandato judicial não foi requerida a sua presença nem se procedeu à busca do seu gabinete. Para um observador de fora isso parece estranho e naturalmente que convida a interrogar que outros factores, que não os de eficácia, pesaram nas decisões tomadas, tanto na escolha do momento como em limitar o escopo da operação. Complica ainda mais as coisas o ataque, coincidente com a operação policial, deferido contra a câmara por elementos da estrutura local do partido que suporta o Governo, a questionar a legitimidade do presidente substituto da câmara municipal. Os mesmos que têm sido protagonistas das denúncias a conta-gotas, numa clara manobra de instrumentalização da Justiça e de incriminação e julgamento de pessoas e instituições, através da comunicação social.
A fonte na PJ citada pelo Jornal Asemana de 30/4/2010 deixou claro a multiplicidade de intenções que rodearam a acção policial: “ A operação foi espectacular, um sucesso. Mais tarde veremos os resultados. O mais importante em tudo isso foi mostrar que a PJ e o Ministério Público estão atentos a qualquer situação de criminalidade e têm total autonomia para investigar os processos que têm em seu poder”. Que se saiba não houve desmentido da PJ em relação a essas declarações. Supõe-se, então, que o móbil da operação foi fundamentalmente espectáculo, para mostrar autonomia. Os resultados vêm em segundo lugar. O problema que não se dá “show” de autonomia perante câmaras municipais, com as quais não há qualquer relação orgânica ou tutelar. Menos ainda com uma câmara da oposição sujeita à pressão do governo e a uma longa e perversa guerrilha dos responsáveis locais do partido que suporta o Governo. Muito pelo contrário.
Ninguém põe em causa que se faça investigação criminal e que se procure ser o mais eficaz. Mas às forças da lei exige-se que não se poupem em esforços para conduzir todo o processo com respeito pelos direitos das pessoas e a agir tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade.
Na democracia o Estado detém o monopólio de violência e deve ser o garante do exercício pleno das liberdades e da segurança dos cidadãos. O Estado realiza-se no papel de garante da Liberdade e da Segurança posicionando as forças da ordem na primeira linha de defesa dos direitos dos cidadãos e da legalidade. Para isso mostra-se fundamental que crie e mantenha mecanismos institucionais múltiplos no interior e no exterior das forças de segurança para controlar abusos e manter as forças imunes à corrupção e impermeáveis a tentações de instrumentalização política.
O desafio que o assumir pleno desses papéis coloca ao Estado, no momento em que emergem novas e mais complexas ameaças, tende a passar de lado
Uma barreira levanta-se entre a população que exprime o sentimento de insegurança e o Estado que lhe dá em troca dados estatístico a provar que está enganada. “É só impressão” dizem as autoridades. Pessoas queixam-se de abusos da polícia, humilhações e mesmo de agressões nas esquadras e o Governo não responde, não comunica com a sociedade. Não diz se a polícia abriu um inquérito interno. Se a Tutela mandou sindicar a situação. Quais foram os resultados. Se houve processo disciplinar e/ou processo criminal. Se foi criado algum órgão para rever os procedimentos policiais com o fito de evitar essas situações. Se nos currículos na escola de formação da polícia está-se a pôr maior ênfase na capacitação para uma relação de confiança com a população.
O governo, ao não agir para pôr a Polícia a salvo de tentações de abuso de poder com meios institucionais adequados, falha na protecção da instituição policial, falha no incentivo a uma melhoria permanente dos métodos da instituição e falha em criar o ambiente indispensável de confiança entre a população e a polícia. Tudo isso tem custos. A polícia exige mais meios para compensar a falta de colaboração da população. A eficiência no uso dos meios diminui porque, devido à falta de feedback e de pressão institucional, não se revêem os procedimentos na acção policial para os adaptar às novas situações. A sociedade fica mais violenta porque as pessoas não confiam na polícia e agem por conta própria e a polícia é obrigada mais vezes a recorrer a violência para se impor e compensar a sua menor capacidade de dissuasão e de persuasão.
O abalar das instituições do Estado e também da sociedade civil tem um efeito corrosivo na sociedade. Os indivíduos ficam mais soltos, potencialmente mais violentos e menos propensos a aceitar pressões de grupo ou da comunidade para evitar incivilidades e comportamentos anti-sociais. Quando se organiza Fórum para reflectir sobre a violência, um ponto importante devia ser avaliar em que medida certas políticas e acções das autoridades concorrem para abalar o tecido social e dissolver os laços que ligam os indivíduos às suas comunidades.
A humilhação a que foi sujeita a Câmara Municipal de S. Vicente claramente não serviu o interesse da comunidade nacional de elevar o respeito pelas instituições públicas. Serviu outros interesses que não os de uma investigação criminal que se quer sempre eficaz, discreta e conclusiva. Serviu interesses de espectáculo e de demonstrações “macho” para outrem. Foi aproveitado para mais uma machada política no quadro de uma guerrilha que vem de longe. Fragilizou as instituições envolvidas.
Espera-se que a Justiça seja feita para que a dignidade das instituições públicas seja reposta.segunda-feira, maio 03, 2010
Auto-Censura Reforçada
Sucessivos relatórios da Freedom House e de outras organizações similares destacam a auto-censura como um factor impeditivo da liberdade de imprensa em Cabo Verde. Jornalistas e órgãos de comunicação social rotineiramente abstêm-se de perseguir com afinco notícias ou de confrontar as fontes. Na generalidade dos casos limitam-se a repetir informações oficiais. A contextualização das notícias é mínima e raramente se evoca a memória de factos e de pronunciamentos passados para responsabilizar actores políticos e elucidar a opinião pública.
Ainda não se estabeleceu de forma inequívoca a ideia de que, na democracia, a comunicação social serve o público, garantindo o pluralismo e assumindo-se como veículo essencial para o exercício da liberdade de expressão e de informação. E que nessa qualidade dá conteúdo à liberdade de imprensa enquanto liberdade-resistência contra os poderes públicos e afirma-se como garante da livre formação da opinião pública.
A tendência prevalecente é para se deixar enredar nos interesses políticos de partidos ou de certos sectores e personalidades no interior dos partidos. Particularmente preocupante é a postura da comunicação social pública, com destaque para a televisão. É onde se concentra o esforço de manipulação da opinião. O resultado vê-se no nível persistentemente baixo da comunicação social caboverdiana, não obstante os vinte anos de vivência democrática e o nível educacional de entrada na profissão cada vez mais elevado dos jornalistas.
A auto-censura que a malha de interesses gera não permite que os órgãos de comunicação, em especial os públicos, sejam learning organizations para os seus profissionais: Que se revelem e se realizam como espaços de maturação e consolidação de experiências, como depositários da memória colectiva e como portadores de uma ética e de um ethos próprio que prima pela busca da verdade e encontra satisfação na emergência de uma opinião pública informada. Pelo contrário, nota-se que se tornam em espaços onde se verificam, amiúde, desperdício de talentos, quebra de motivação para fazer melhor e oportunismo de alguns.
É esse ambiente de auto-censura que o Governo quer perpetuar e aprofundar com as novas leis de comunicação social. Nesse sentido propõe-se agir em três vertentes:
1-Condicionar a comunicação social transformando-a em parceira de desenvolvimento.
O Governo justifica-se com a necessidade de uma parceria com os media para colmatar uma suposta insuficiência de formação dos cidadãos. Parece que o pluralismo e a livre expressão de ideias e de correntes de opinião na democracia não propiciam boa cidadania. Por isso, acredita que o Estado deve intervir para dar formação e, nesse sentido, disponibiliza-se para subsidiar, premiar e dar benefícios fiscais a jornalistas e órgãos de comunicação social que melhor se mostram como parceiros na promoção de políticas de desenvolvimento e na censura de más práticas. .
O problema é que políticas económicas e critérios de censura, obviamente, só podem ser os conforme às opções políticas, ideológicas e estéticas governamentais. E quando tais opções entram pela porta o pluralismo e a liberdade da imprensa saem pela janela fora. Finge-se desconhecer que se está, mais uma vez, perante exercícios em engenharia social do tipo “construção do homem novo”. Engenharias que, no passado recente, oprimiram pessoas e serviram para atomizar a sociedade, destruir valores e tradições e substituir consciência cívica e sentido de pertença à comunidade por militância e aderência a organizações de massas. Quando hoje se sai á procura de razões para os problemas sociais que afectam transversalmente a sociedade, e particularmente os jovens, devia-se começar pelas mazelas deixadas pelos quinze anos de totalitarismo.
2- Minar o pluralismo com concessão do serviço público de radiodifusão e de televisão a empresas privadas e abertura do capital dos órgãos públicos de comunicação social a privados.
O Governo abre possibilidades na contratação do serviço público de comunicação social no pacote de leis referido que colidem com os princípios constitucionais no que respeita à existência de um sector público e de um serviço público de comunicação social. A posição dos proeminentes constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreia nessa matéria é inequívoca: A existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e televisão constitui garantia institucional de um sector público da comunicação social , o qual não poderá ser aniquilado ou abolido”. Isso porque, segundo eles, “o regime constitucional do serviço público de rádio e televisão significa: (1-) sob o ponto de vista jurídico, é um serviço prestado por uma entidade pública (não privada ou cooperativa); (2) esta entidade pública deve ter um esquema organizatório caracterizado pela autonomia e independência perante o Governo e a Administração; (3) a programação deve considerar ou ter em conta o espectro global das opiniões e interesses políticos, culturais, sociais, religiosos e económicos.
O Governo quer justificar contratos de concessão de serviço público a órgãos de comunicação social privados como forma de os facilitar acesso a financiamento do Estado. Põe de lado quaisquer dúvidas quanto á possibilidade real de órgãos, controlados por interesses bem identificados, prestar serviço público de radiodifusão e televisão, nos termos exigidos pela Constituição, no tocante designadamente, à garantia do pluralismo e à independência dos jornalistas em relação aos poderes político, económico e da Administração.
O que parece mover o governo é a vontade de alargar o seu campo de influência na comunicação social. Por isso acena órgãos privados com a possibilidade de financiamento público. Curiosamente não diz o que iria acontecer com os órgãos do sector público quando livres dos constrangimento derivados da prestação do serviço público da comunicação. Se seriam privatizados ou se seriam transformados em puros instrumentos de propaganda.
3- Condicionar jornalistas e os media com responsabilidades acrescidas.
O Governo, na apresentação das leis de comunicação social deixou evidente a sua extrema preocupação do governo com os novos meios de comunicação com base na Internet. O Governo predispõe-se a legislar de forma musculada na procura de responsáveis e de “culpados por usos discutíveis da Internet. Aproveita-se da ainda novidade da Internet para empolar as suas consequência juntos dos menos avisados e para se justificar na repressão. Quer que se esqueça que abusos de formas novas de comunicação aconteceram sempre e que em todos os casos os receios acabaram por revelar-se exagerados. Foi o caso com telefones, faxes , Internet, e-mail e, agora, a atenção vira-se para os espaços sociais como Myspace, Hi5, Facebook, etc. Mas de facto não razões para paranóia.
Muito menos há razões para se usar o repúdio por certos actos execráveis na Net para se atirar fora o “proverbial bebé juntamente com a água suja do banho”. Ou seja que se use o pretexto do mau uso para intimidar o sector de comunicação e aprofundar a auto-censura. Os meios electrónicos e do ciberespaço dão uma outra dimensão ao direito de informar, de ser informado e de acesso à informação. Para os governos excessivamente sensíveis com o controlo da comunicação, porque vêem a governação como fundamentalmente acções de relações públicas e propaganda, as facilidades da Internet constituem um desafio sério. Cai-se facilmente na tentação de controlo.
Não podendo impedir o aparecimento de jornais online vai-se, por um lado, pelo condicionalmente do órgão e do jornalista. Densifica-se o direito de resposta e de rectificação por vias que limitam o exercício de direitos, designadamente da liberdade de expressão. Envereda-se mesmo por um direito de esclarecimento, que a Constituição, em nenhum artigo, estabelece. Por outro lado, constrange-se a entrada na profissão de jornalista com a exigência de licenciatura em comunicação social e alarga-se a definição da actividade jornalística para campos sem paralelo noutros estatutos dos jornalistas, designadamente o português.
Sofrem os media sem uma diversidade maior de formação básica e de vivência dos jornalistas. Restringe-se a capacidade de muitos não jornalistas de exercerem o seu direito de informar com crónicas, análises e comentários. Torna-se mpossível a emergência de uma opinião pública informada com a dieta de informação e de opinião a ser produzida por uma comunicação social apanhada nas malhas da dependência do Estado, tolhida com receios excessivos de responsabilização criminal e forçada a ter jornalistas todos formados nas mesmas escolas.
A preocupação do Governo com a comunicação social é por demais evidente. Ouvindo a rádio e vendo televisão todos os dias fica-se com a clara impressão que a actividade do Governo domina completamente as notícias. Os membros do Governo desdobram-se em aparições por todo Cabo Verde repetindo em inaugurações, lançamentos de primeiras pedras, fora, workshops e visitas, declarações feitas noutros dias, semanas e mesmo meses anteriores. E, todas as vezes, o que dizem constitui notícia nos órgãos estatais de comunicação.
È evidente que com tal prática não se está a assegurar a expressão e o confronto de ideias das diversas correntes de opinião dentro dos parâmetros exigíveis pelo pluralismo democrático. Mas o Governo parece perfeitamente confortável com isso. Mais, a intenção é claramente de usar a sua posição para manter uma posição hegemónica na comunicação social. Por isso é que se recorre de fundos públicos no valor de mais de 30 milhões de escudos para, supostamente, fazer divulgação do trabalho governamental.
Apresentar as leis de comunicação social antes da entrada em vigor da Constituição revista faz parte desse esforço de controlo. A revisão de Fevereiro criou uma Autoridade Independente constituída por personalidades eleitas pelo Parlamento por maioria de dois terços para gerir e regular tudo o que respeita à comunicação social e, em particular, o sector público e a prestação do serviço público. A pressa do governo em legislar visa claramente esvaziar e constranger esse órgão constitucional á nascença. E não será provavelmente alheio a isso o atraso incompreensível na publicação do novo texto da Constituição, promulgada a 6 de Abril pelo Presidente da República.
Da forma como o Governo age em relação à comunicação social em Cabo Verde fica claro que há uma vontade de controlo e de manipulação. Que a auto-censura, constatada pela Freedom House é o resultado da pressão constante sobre os órgãos e os profissionais. E que os media estão longe da atitude de watchdogs ou de contra poder esperada nas democracias. Revelador do que realmente se passa é o facto do Governo encenar a defesa dos jornalistas e os atiçar contra a oposição sempre que há críticas sobre o grau de pluralismo e o excesso de protagonismo do Estado na comunicação social. É esse estado de coisas que se impõe mudar com a criação da Autoridade Reguladora. Para que o pluralismo e a liberdade de imprensa floresçam em Cabo Verde. (artigo publicado no jornal Asemana de 30/4/2010)
domingo, março 28, 2010
Deriva pré-Eleitoral
O Governos nas últimas semanas parece ter sido acometido de um frenesim para legislar. Leis e propostas de leis sobre matérias sensíveis, como situação de imigrantes, comunicação social, criação de novas categorias de autarquias, aquisição de nacionalidade e assuntos laborais, foram produzidas, sem a ponderação que deviam merecer. A um ano das eleições a agenda do Governo já assumiu um pendor marcadamente eleitoral. A reunião, no último fim de semana, dia 20-21de Março, do órgão máximo do partido que suporta o Governo, o PAICV, definiu como prioridade as eleições legislativas. Foi reforçada a deriva eleitoral do governo. Deriva cada vez mais notória desde que o Governo deixou de poder fingir que seria, ainda, capaz de cumprir as promessas da legislatura, em matéria de crescimento económico e de emprego. Há muito que se mostrou urgente a definição de uma política de imigração. O acordo de livre circulação com os países da CEDEAO sujeitou Cabo Verde à pressão de uma região com mais de 300 milhões de habitantes e um rendimento por habitantes várias inferior. Diferentemente dos imigrantes noutros países em rápido crescimento, designadamente os países europeus nas décadas de cinquenta e sessenta, a população imigrante em Cabo Verde não foi chamada, muito menos seleccionada, para responder às necessidades do País. Simplesmente fluiu sem resistência em direcção às ilhas, elas próprias a debaterem-se com médias de desemprego de mais de 20% da população. O Governo não sabe qual é a situação nem o número exacto dos imigrantes. Em declarações de 5 de Março deste ano, a Porta Voz do Conselho de Ministros punha esse número entre 10000 a 15000. No Plano de Segurança Interna do Governo (pgs. 50 e 51) diz-se que (…) “Em 2006, estavam em Cabo Verde 15000 a 20000 imigrantes dos quais só 1800 eram residentes legais”. Mas há quem fale em números superiores a esses. O facto é que ninguém parece saber. E, muito menos, avaliar as consequências, quando se reconhece, citando o documento referido, que “A esmagadora maioria destes imigrantes em Cabo Verde são homens entre os 17 e os 40 anos de idade, sem qualificação profissional e professam a religião islâmica”. Pensando na integração desses imigrantes, o Governo deve-se atentar ao facto, segundo o Plano de Segurança Interna (pg. 51) de que, (…) muitos já reúnem o seu núcleo familiar em Cabo Verde e os seus filhos não integrarão o sistema público de ensino. Há indícios de madraças [madrassas]em alguns bairros da capital deles (…). Ou seja, há indícios de escolas corânicas, escolas conhecidas em vários países como sendo objectos de financiamento pelo fundamentalismo islâmico wahhabista da Arábia Saudita. Sem estudos prévios e sem política de imigração definida, o Governo avança com processos expeditos de regularização de guineenses. Fica-se sem saber qual o impacto demográfico global no país, o impacto por ilha e, em particular, o impacto nas ilhas de população diminuta. E, especialmente, quais as consequências eleitorais. Os números 3 e 2 respectivamente dos artigos 418º e 419º do Código Eleitoral faz dos cidadãos lusófonos, legalmente estabelecidos, eleitores de titulares dos órgãos electivos dos municípios e elegíveis para esses mesmos órgãos, nas mesmas condições que os cidadãos nacionais. Muitas vezes em Cabo Verde não se põe em devida perspectiva a realidade demográfica de um país com 500.000 pessoas espalhadas por dez ilhas, algumas delas esparsamente habitadas. Raciocina-se como se de um país grande e continental se tratasse. Recorre-se a supostos “complexos de culpa”, derivados do facto dos caboverdianos terem sido imigrantes em vários países, para justificar inacção. Esquece-se que, exceptuando S.Tomé, os caboverdianos sempre foram uma pequeníssima minoria nos países de acolhimento de milhões de habitantes. A presença percentual mínima dos caboverdianos nunca foi problema na dimensão que milhares de imigrantes podem constituir em ilhas como Boavista, Sal Maio e Brava. São realidades incomparáveis. A exemplo das Maldivas, Seychelles, Maurícias e outros países/ilhas, há que ter políticas de imigração cuidadas. Rigor maior devia merecer o processo de aquisição da nacionalidade. Significativamente é nessa matéria que o Governo, com uma proposta de lei ao parlamento, pretende criar facilidades. Facilidade a quem tenha nascido no estrangeiro e pode adquirir a nacionalidade, porque presumivelmente descendente de caboverdianos, mas que ainda não provou, ou não se deu ao trabalho de seguir os procedimentos exigidos, incluindo inscrição nos serviços centrais de identificação civil. Facilidade, ainda, a estrangeiros casados e mesmo em união de facto reconhecível. Neste ponto o Governo parece ignorar o que o seu Plano de Segurança Interna constata: (…)“Notícias da imprensa escrita, em 2008, davam conta da conversão, em média, de um caboverdiano/dia à religião muçulmana, especialmente mulheres, que a troco de dinheiro casavam com imigrantes, permitindo‐lhes, pela via da naturalização, adquirir a nacionalidade cabo‐verdiana”.
E tudo para quê? Segundo o preâmbulo da proposta de lei, é para efeitos de recenseamento eleitoral e para uma participação mais abrangente nos actos eleitorais. O Governo prefere que se relaxe no rigor, a exigir na aquisição da nacionalidade caboverdiana, quando podia se concentrar em tornar a Administração Pública mais eficaz na resposta aos que, de forma declarada e activa, querem ser nacionais. Chega ao ponto de propor um aditamento á lei de nacionalidade, artigo 34º-A, em que “atribui nacionalidade a todos inscritos no Consulado ou posto consular, salvo declaração em contrário da pessoa”. Claro que a pergunta óbvia que se põe é como conseguiram fazer inscrição consular sem bilhete de identidade ou passaporte, ou seja sem nacionalidade caboverdiana. A deriva do Governo continua por outros campos. Na tarde da sexta-feira passada, dia 18 de Março, os deputados foram confrontados com um novo texto da proposta de lei de descentralização administrativa. O Governo tinha resolvido criar autarquias supramuncipais, as regiões administrativas, e autarquias inframunicipais, as freguesias. No discurso do PAICV vinha-se testando a ideia de regiões como fuga em frente para esvaziar movimentos para regionalização provocados pela aceleração da centralização do País nos últimos anos. Mas parece que, de repente, fez-se luz. A precipitação surgiu, pelo que se pode deduzir do relato no portal do governo, das idas recentes do Sr. Primeiro Ministro aos bairros da Praia. Nos encontros teria constatado a falta de autoridade inframuncipal. Logo de seguida, na quinta-feira, o Conselho de Ministros aprovou a criação de freguesias e, provavelmente, aproveitou para, em simultâneo, criar regiões administrativas, apanhando todos de surpresa. E a surpresa para ser mais completa teria que ir na lei de descentralização, que já estava agendada para discussão no parlamento, em vez de se fazer uma lei própria como estabelece o artigo 217 da Constituição:As autarquias locais são os municípios, podendo a lei estabelecer outras categorias autárquicas de grau superior ou inferior ao município. Uma outra lei que também surpreendeu foi a lei da comunicação social. O País está a poucos dias de ver publicado no B.O. o novo texto da Constituição da República, texto que resultou da revisão constitucional realizada em Fevereiro último. Uma das mudanças profundas na Constituição foi precisamente no domínio da Comunicação Social, com a criação de uma autoridade independente para a regulação do sector. Nesse órgão, eleito pela Assembleia Nacional, já não têm assento membros nomeados pelo Governo. A lei proposta ignora isso e faz tábua rasa do preceito constitucional que obriga a redesenhar todo o sector tendo no seu núcleo central essa autoridade com competência para garantir as liberdades de expressão, de informação e de imprensa, o pluralismo e a independência dos jornalistas e dos órgãos de comunicação, face aos poderes políticos, a interesses económicos e à Administração. A pressa do Governo poderá estar a revelar alguma apreensão quanto à instituição da autoridade reguladora. Com o Tribunal Constitucional foi a mesma coisa. O resultado é que dez anos passados esse Tribunal ainda não está instalado, mercê de bloqueios vários promovidos pelo Governo. Incluir na lei apresentada normas sobre o Conselho de Comunicação social, órgão criado em 1990 para dirimir conflitos no ambiente plural então emergente, para o promover a órgão regulador, indicia blocos no caminho da instalação da Autoridade Reguladora. Uma outra inovação é considerar a comunicação parceira e daí convidá-la, entre outras coisas, a incentivar e apoiar políticas económicas e a censurar más práticas. O Estado daria subsídios, benefícios fiscais e outros incentivos a quem melhor fizesse isso. Ou seja a instrumentalização pura e dura, precisamente no momento em que o Governo esforça-se por mostrar como boas a sua governação e quer denunciadas opiniões contrárias, caracterizadas como más práticas da comunicação social. Recentemente classificou como criações ou sensacionalismos dos jornalistas as revelações sobre a insegurança e a violência no País. O frenesim legislativo também chega ao mundo do trabalho. Ai, O Governo propõe alterar os tempos previstos para a transformação de contratos a prazo em contratos permanentes. Com isso compromete-se o quadro de previsibilidade de custos de trabalho, que a entrada em vigor da lei laboral em Outubro de 2007 dava aos operadores. Pelo caminho cria-se insegurança jurídica, mina-se a confiança e aumentam os custos do emprego/despedimento. Precisamente um dos índices que colocam Cabo Verde no grupo pior de países em matéria de ambiente de negócios, como ficou claro no Relatório do Doing Business 2010. Os benefícios políticos eleitoralistas esperados pelo Governo não compensam o que os desempregados irão pagar pela insegurança criada, pela maior rigidez do mercado de trabalho e pelo adiamento das decisões de contratação de mão de obra, devido aos custos acrescidos. Períodos eleitorais são bem definidos nas democracias. Os governos têm um mandato claro ao fim do qual o povo fica em posição de avaliar desempenho, considerar alternativas de governação e escolher quem legitimar para o mandato seguinte. Com isso tudo estabelecido, evita-se que o País esteja permanentemente polarizado e em disputas fracturantes. Também se evita que o Governo se sinta tentado a usar os recursos públicos, as instituições do Estado e sua autoridade para se perpetuar no Poder, retirando ao eleitorado a possibilidade real de escolha dos seus governantes. A responsabilidade de governar com lealdade, honestidade e verdade não autoriza a que se enverede pela via da campanha eleitoral ainda em tempo útil do mandato de governação. È uma via que leva necessariamente ao uso abusivo dos recursos e dos poderes públicos, à má governação e ao comprometimento do futuro. Ponderação, contenção e espírito de “fairness” é o que se exige nestes tempos em que as energias e os recursos do país devem ser mobilizados para fazer face a quaisquer contingências, presentes e futuras.
terça-feira, março 16, 2010
O Processo de Transição em Cabo Verde
Textos no jornal “Terra Nova” de1988, 1989 e 1990 que podem ajudar a ter o sentido dos tempos, então vividos, e que dão conta da dinâmica e das expectativas geradas, na sequência da abertura política de 19 de Fevereiro de 1990. São artigos da minha autoria, publicados sob os pseudónimos de Tácito Monteiro e Péricles Miranda.
1. III Congresso do PAICV: entre a realidade e o mito
jornal Terra Nova, Agosto/Setembro 1988
2. Quase quinze anos depois da independência: Ponto da Situação
Jornal Terra Nova, Dezembro de 1989
3. O que é preciso realmente para o relançamento do País?
Jornal Terra Nova, Fevereiro de 1990
4. Questionando os dogmas do chamado “quadro institucional”
Jornal Terra Nova, Março de 1990
5. Mais transparência PAICV – Mudança no interesse da Nação
Jornal Terra Nova, Abril de 1990
6. Não existe Polícia Política?
Jornal Terra Nova, Maio de 1990
7. IV Congresso do PAICV: Afinal Nada Mudou
Jornal Terra Nova, Agosto de 1990
8. Única hipótese a Bem de Cabo Verde e… do PAICV
Jornal Terra Nova, Novembro de 1990