quarta-feira, março 13, 2013

“Boa governação” mira-se no espelho



Da ministra de Finanças o país já se habituou a ouvir declarações categóricas do género “a DGCI estará em condições de iniciar os pagamentos (do IUR) na se­gunda quinzena de Novembro (2012)”, que depois não têm tradução em actos reais e concretos. No passado recente fez o discurso da blindagem, na sequên­cia da crise internacional, com o mesmo fervor e certeza que posteriormente iria colocar no discurso de aumento brutal do IVA na água, energia, transportes e comunicações e na criação de novas taxas para fazer face à mesma crise. Em entrevista ao jornal “Asemana”, há quatro meses atrás, a ministra garantiu que a “estrutura (da DGCI) necessária, incluindo a aplicação, os procedimentos e o savoir-faire, está pronta”. Hoje, no relatório do FMI, sabe-se que a DGCI vive um caos administrativo. A questão que se põe é em quê acreditar.
Já havia sinais que a imagem de rigor projectada pelo ministério das Finan­ças e Planeamento não condizia com a prática. Para a imagem de competência muito contribuiu o aumento extraordinário das receitas do Estado de 2004 a 2008 e as proclamações oficiais que punham ênfase na qualidade das despesas. A realidade, porém, como comprova o relatório do FMI, é que o aumento deve mais à adopção do IVA e à dinâmica económica do “tempo das vacas gordas” do que a uma maior eficácia da administração fiscal. Aliás, foi durante esse perío­do que o grupo de quadros que fora preparado para o IVA se dispersou e as re­formas preconizadas em 2004, para consolidar a DGCI, não se concretizaram. Por outro lado, a suposta qualidade das despesas revelou ser mais gorduras do Estado e despesas rígidas dificilmente sustentáveis em tempo de vacas ma­gras e ainda por cima feitas com rigor discutível. Prova disso foram os fundos transferidos para associações e outras entidades nas vésperas das eleições pre­sidenciais. Na época constituíram objecto de denúncias públicas, em particular de círculos próximos do partido no governo, mas apoiantes do candidato não sancionado pela cúpula do partido.
Com a crise as consequências de não se ter uma máquina tributária à altura fizeram-se sentir em força. Segundo o FMI, as receitas caíram devido não só à quebra da actividade económica, mas também porque a DGCI não dispunha de meios humanos e da expertise necessária para fazer os contribuintes em geral e principalmente os mais fortes cumprir plenamente a lei. No processo, a relação com os contribuintes piorou por falta de capacidade de resposta, particular­mente no que respeita às restituições do IUR e às devoluções do IVA. Os cida­dãos e as empresas sentiram-se prejudicados no seu rendimento disponível e na sua liquidez e capacidade de investir, enquanto o Estado pelas suas próprias palavras (OE 2013) confessava estar a financiar-se gratuitamente com o IUR não restituído. A reacção nefasta do governo perante o que é de facto resul­tado de má gestão da sua administração não ficou por aí. Procurou superar as deficiências da administração fiscal alargando as fontes de receitas com novos impostos e actualizações de taxas. É evidente que a competitividade das em­presas e do país não poderia deixar de sofrer com os custos e ineficiências daí resultantes.
O relatório põe a nu várias opções do governo prenhes de consequência. Um aspecto vital citado é o dos recursos humanos. A administração fiscal exige quadros altamente qualificados e motivados. Qualificados para estarem à altu­ra da complexidade do sistema e poderem responder às necessidades dos con­tribuintes e também dissuadir os tentados a contratar consultores na perspecti­va de contornar obrigações fiscais. Motivados não só no ambiente de trabalho como também na remuneração porque considerando os valores em jogo é de se prevenir situações que podem conduzir a favorecimento e mesmo corrup­ção. Ora o que diz o FMI é que a qualificação e motivação na DGCI estão muito aquém do desejável. Não há carreira porque não se fazem concursos públicos. Pessoas com mesma formação e perfil são pagos de forma diferenciada sem que haja razões objectivas para isso. Quadros dirigentes com deficiente capacidade de gestão e planeamento tendem a funcionar como .bombeiros.procurando responder a solicitações de outros sectores do ministério e de contribuintes.
Um outro aspecto grave que o documento aponta é o do sistema informático e a relação com o NOSi. Têm sérias dúvidas quanto à adequação da aplicação utilizada e estranham que aos utilizadores não é dado formação apropriada nem mesmo um manual para se orientarem. Resultado disso é o atraso de anos na construção de cadastros dos contribuintes e as dificuldades em obter do sis­tema recursos que por um lado facilitem a vida dos cidadãos e empresas na relação com o fisco e por outro permitam à DGCI detectar incumprimentos, fraudes e tentativas de evasão fiscal.
Perante tudo isto, várias questões se colocam: será que o que se passa no mi­nistério das Finanças é espelho do que acontece noutros ministérios? A admi­nistração pública encontra-se no mesmo estado da DGCI quando à qualificação e motivação dos seus quadros e capacidade de planeamento da sua activida­des? O NOSi, no qual tanto se tem investido, presta serviço a outros sectores do Estado da mesma forma como faz à DGCI descrita no relatório do FMI? Por onde anda a boa governação? O governa que esclareça o país.

  Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de  13 de Março de 2013

quarta-feira, março 06, 2013

Transformação ou miragem



 Na Europa, os países do Sul, os chamados PIGS (Portugal, Itália, Gré­cia e Espanha) foram os mais atingidos pela crise financeira. As razões são múltiplas, mas a opinião corrente é que as lideranças nacionais durante dé­cadas não fizeram as transformações que a entrada na zona euro impunha. De facto, uma união monetária com a Alemanha e outros países do norte da Europa exigia alguma convergência em termos de produtividade e de competitividade externa sob pena de se dividirem em países credores e pa­íses devedores. Infelizmente é o que veio a acontecer. Hoje para assegurar crescimento futuro são obrigados a adoptar políticas duras de austeridade e a fazer reformas dolorosas, que a curto prazo trazem desemprego, empo­brecimento geral e perda de qualidade de vida.
Nada disso era previsível anos atrás quando pareciam estar a moderni­zar-se num ritmo estonteante. Na época, os líderes projectavam a imagem de estar a cavalgar ondas de transformação. Inauguravam grandes infra­estruturas, apadrinhavam projectos de modernização e lançavam inicia­tivas tecnológicas de ponta. Exímios no marketing político e em relações públicas, apresentavam-se como a promessa da prosperidade crescente e imparável. Quando se caiu na realidade, ficou claro que muito do esplendor anterior, financiado com fundos comunitários a custo perdido e com dívida pública e privada a juros só possíveis no quadro de uma verdadeira união monetária e fiscal, não passava de “fogo-de-vista” e não contribuía para atrair investimento estrangeiro, abrir novos mercados e alargar a base ex­portadora. Hoje é claro para todos, principalmente para aqueles que mais pagam os excessos, as ilusões e as promessas não cumpridas, que os anos passados de suposta glória e transformação foram de desperdício, de opor­tunidades perdidas e mesmo de aproveitamentos menos lícitos.
A lição parece que não chegou a Cabo Verde. Ouvindo os governantes, fica-se com a impressão de déjà vu. A similaridade com o optimismo e o fulgor governo de Sócrates em Portugal antes da chegada da Troika é por demais evidente. Também aqui a mobilização de milhões de metros cúbi­cos de água, a aposta nas energias renováveis, a promoção das TICs e os clusters tirados quase literalmente da cartola prometem redenção e pros­peridade futura e levar Cabo Verde em 2030 a 12 mil dólares per capita: o ponto onde actualmente se encontram as Maurícias. Há porém uma dife­rença com Portugal. As infraestruturas em Cabo Verde não foram financia­dos com transferências de fundos europeus a custo perdido. Foi com dívida externa e o serviço da dívida já começou a pesar seriamente (ver paginas 28 e 29).
Apesar de o Primeiro-ministro José Maria Neves se ver como líder trans­formacional, a exemplo dos que citou na sua .aula magna.da terça-feira na Escola de Negócios e Governação, a realidade é que mesmo após 12 anos de governo contínuo, o essencial para a sustentabilidade do país não se concretizou. Na sequência dos investimentos públicos não vieram investi­mentos privados, o que indicia prioridades duvidosas, timings errados ou inadequações diversas. Sem o sector privado e sem investimento estrangei­ro e sem competitividade externa como assinalam os relatórios do Forum Económico Mundial e do Doing Business dificilmente se poderá garantir níveis de crescimento necessários durante anos e décadas para acabar com o desemprego, eliminar a pobreza e garantir prosperidade para todos. A estrutura de economia sem uma base diversificada e muito centrada no tu­rismo e ainda em modo de reciclagem da ajuda externa revela o grau da não concretização das transformações prometidas.
Criar novos paradigmas, lançar novas plataformas e ter iniciativas ou mesmo tirar o país da sua rotina habitual não são tarefas para qualquer líder. É mais tentador deixar-se seduzir pela aparência de sucesso e pela popularidade gerada pelo marketing político. Ou então, ficar pela conquis­ta de boa vontade junto da comunidade internacional para poder aceder a fundos que depois se utiliza para reproduzir o paternalismo do Estado e alimentar o assistencialismo e o conformismo das populações. Quando se quer realmente mudar, há riscos a percorrer e experiências a serem produ­zidas.
A marca dos verdadeiros líderes vêem-se mesmo nos momentos de saí­da. O exemplo último foi o do Papa Bento XVI que foi ao ponto de resignar para dar à Igreja a possibilidade de, com um novo Papa, de ultrapassar os escândalos sexuais, resolver problemas organizacionais e adaptar-se para o século XXI. Demonstra uma fibra que já tinha revelado na luta contra o rela­tivismo moral e pela afirmação de que a razão e fé não são incompatíveis.
As nações em momentos de encruzilhada na sua história precisam que a realidade não lhes sejam omitida com recurso ao marketing político ou que sejam desviadas do confronto da realidade por populismos similares ao de Hugo Chávez. Como nos diz a Europa do Sul, miragens pagam-se caro. 

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Março de 2013

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Défice de pluralismo



O pluralismo é sem qualquer dúvida um dos grandes ganhos da civilização que qualquer sociedade pode almejar. Suporta-se no direito à liberdade, nutre virtudes como a tolerância e vivifica o processo político com a profusão de ideias, soluções e alternativas de governação. O exercício enérgico do plura­lismo na sociedade cria a pressão necessária para que o Estado não extrapole a sua missão de servir a comunidade e evite transformar-se em predador de recursos comuns e numa ameaça aos direitos e liberdades dos cidadãos.
O debate do dia 25 de Fevereiro na Assembleia Nacional sobre o sector agrí­cola e os desafios do desenvolvimento futuro do país revelou-se um “não deba­te”, como já se tornou habitual. Em vez da avaliação dos problemas actuais do sector como acesso à água, ao crédito, a apoios tecnocientíficos, a transportes intra e inter-ilhas e a mercados e circuitos comerciais valorizadores dos pro­dutos agro-pecuários ficou-se em grande parte pela comparação estéril de governos e acções governativas separadas por décadas.
Independentemente de como cada um dos sujeitos parlamentares contri­buiu para isso, sucumbindo-se a tácticas de desvio do debate, uma coisa é certa: a Nação não viu esclarecida a situação actual, ficaram por compreen­der os desafios do momento e não foram avaliadas alternativas de solução. Naturalmente que é do governo que, pelas suas responsabilidades, se devia esperar maior engajamento para que o debate se fixasse sobre a actualidade e o tempo que lhe resta de mandato. Estranha-se por isso a paixão com que os membros do governo se entregam a discutir décadas e governos passados. Enveredando-se por esse caminho, o Parlamento falha em fiscalizar o governo e em fornecer no contraditório o sentimento da nação quanto aos problemas do presente e as suas expectativas para o futuro.
O bloqueio do processo político plural em sede parlamentar tem conse­quências graves na sociedade e no Estado. Produz intolerância e instiga o medo. Liberdades são coarctadas, iniciativas inibidas e frustrações alimenta­das. As pessoas muito relutantemente querem parecer diferentes e ser toma­das como críticos ao poder instituído. Também sofre a confrontação de ideias e de projectos políticos necessária à criação de alternativas de governação. Literalmente a comunidade é roubada da sua dinâmica e condenada a ficar-se pelos métodos conhecidos na resolução dos seus problemas. Se isso em abstracto é grave, na situação actual de crise internacional e de renovação das formas de comércio, manufactura e de prestação de serviço sob impulso de mudanças tecnológicas rápidas é de uma irresponsabilidade sem paralelo.
Dos partidos políticos em democracia espera-se que, enquanto espaços pri­vilegiados de participação, sejam viveiros de ideais, saibam canalizar energia e ambições de indivíduos no sentido de excelência e fomentar uma cultura de serviço nos seus dirigentes, indispensável à consecução dos papéis alter­nados de governo e oposição que são chamados a cumprir. O país deve poder beneficiar de toda essa actividade com visões múltiplas do que pode ser o fu­turo e com gente com competência política, executiva e engajamento à vida pública.
As mudanças de lideranças são momentos importantes para os partidos inventariarem o que de melhor têm para oferecer ao país. A preocupação dos partidos do arco do poder em se mostrarem coesos antes de partirem para a renovação pode não ser a atitude mais própria e útil. Quer-se ver coesão do partido à volta de uma liderança, mas depois dela e da sua plataforma política ter sido, no confronto intra-partidário, sufragada pela maioria dos militantes. Uma liderança dessas no governo dá mais garantia de sintonia e unidade de acção do que aquela derivada de compromissos pouco transparentes. Fechar-se para o diálogo interno não traz vantagens nem aos partidos nem ao país particularmente se se precisa de novas ideias para melhor enfrentar a actual conjuntura nacional e internacional em mutação rápida.
Prejudica particularmente o processo político actual o ataque sistemático à governação dos anos noventa. Primeiro, porque sendo descabido e estéril só leva à polarização partidária bloqueadora do sistema político. Segundo, porque partindo do ano 2013 e de actores políticos dificilmente fará justiça aos factos, ao contexto e à informação então disponível aos governantes. Ter­ceiro, porque em questionando o legado de um governo eleito por duas vezes com maioria qualificada superior a dois terços e que fez as reformas políticas e económicas em que se suporta o Cabo Verde moderno impede-se a consoli­dação do consenso básico sobre os fundamentos da república e a possibilida­de das forças políticas trabalharem juntas para garantir ao país um futuro de liberdade e desenvolvimento. Há que empurrar o Cabo Verde para além deste impasse.
                                                                                                                              Humberto Cardoso
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Fevereiro

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Falha da Liderança ou “muros de lamentação”

É Carnaval. Desfiles de grupos carnavalescos enchem de cor, alegria e gaiatice as ruas do Mindelo. Milhares de pessoas, incluindo estrangeiros, chegam das outras ilhas e de outros países para participar no Carnaval com maior tradição em Cabo Verde. Muitos, já com os seus trajes, juntam-se ao Grupo Samba Tropical que este ano comemora os seus 25 anos e cujo des-file nocturno já se tornou num grande atractivo do Carnaval mindelense. A alegria e a boa disposição das pessoas não provêm somente do ambiente de festas. Com a chegada dos “turistas” a economia da ilha dá um salto e os efeitos do aumento do consumo são sentidos em todos os sectores.
O impacto do Carnaval na economia de São Vicente, à semelhança do impacto do festival da Baía das Gatas e das festividades do fim de ano, faz relembrar a importância central para o desenvolvimento de São Vicente que é a ligação com o exterior. Mindelo nasceu com as vantagens ofere-cidas pelo Porto Grande no âmbito da globalização iniciada no século de-zanove. Vantagens de momento, porém, não se mantêm para sempre ou, se mantêm, ganham uma outra forma e importância. Entrementes podem surgir outras que importa identificar, potenciar e agir para as aproveitar. As dificuldades de São Vicente, expressas na elevada taxa de desemprego, resultam da inexistência de uma liderança que faça essa identificação e facilitação.
Ter a maior taxa de desemprego do país é certamente motivo de lamen-tação. Do chefe do governo espera-se que assuma a responsabilidade pelo fracasso, desajuste ou extemporaneidade das políticas aplicadas que tão fracos resultados obtiveram. Não se pode é atribuir subrepticiamente culpa aos desempregados pela sua situação falando em preguiça ou lamentando que não são capazes de se auto empregarem.  Nem se pode também acusar rir que algum “problema cultural” de pessimismo ou negativismo poderá estar a impedir uma população inteira de aproveitar condições suposta-mente óptimas para sacudir o marasmo económico e a falta de trabalho. Aliás, a existir algum problema cultural, seria de todo o país porquanto o que se passa em São Vicente acontece também nas outras ilhas.
O governo escolheu assumir a crise quando os donativos diminuíram e a dívida pública atingiu níveis críticos de sustentabilidade. Não ouviu os muitos avisos que davam conta que a economia nacional era pouca di-versificada e não direccionada para a exportação de bens e serviços. Não deu a devida importância à fraca competitividade do país e ao ambiente de negócios negativamente afectado pela burocracia e a centralização do poder. Conhecida como é a importância de políticas voltadas para a expor-tação na criação de emprego, no aumento de produtividade e na atracção de capitais externos, compreende-se por que uma postura contrária e não facilitadora do governo provoca desemprego elevado, crescimento anémi-co e tensões macroeconómicas graves.
Há quem veja na regionalização o remédio para esses males. Regionalização significando multiplicidade de centros de decisões e uma outra redistribuição dos fluxos externos postos à disposição de Cabo Verde. Mas a problemática de desenvolvimento talvez exija que se conteste o paradigma ainda predominante de reciclagem da ajuda externa e se adopte uma postura virada para fora, atenta às oportunidades e pró-activa na atracção do investimento externo. Os sinais de que é o caminho certo vêem-se na dinâmica que o turismo e o investimento externo trouxeram a várias ilhas não obstante os obstáculos, a insensibilidade e a falta de coordenação das autoridades já identificados no estudo do Banco Mundial divulgado por este jornal.
Sempre que o Carnaval ou outro evento sacudir a vida da ilha, fizer cir-cular dinheiro e animar os muitos sonhadores e aventureiros que ainda acreditam e investem, São Vicente deverá relembrar que o futuro, assim como o seu saudoso passado, terá que se basear numa ligação dinâmica com a economia mundial. E também ver que não é solução virar para dentro, alimentar bairrismos e submeter-se a políticas que trazem centraliza-ção e desincentivam o empresariado nacional. A solução está à vista de todos. Agarrá-la porém exigirá que se vá para além do ilusionismo político. Promessas de 13º mês, direitos na lei mas sem cobertura orçamental e clusters criados de cima para baixo devem ser submetidos a um escrutínio mais apertado. Quem se presta a servir, e recebe o mandato para tal, tem que estar aberto a críticas, prestar contas e responsabilizar-se pelos resul-tados da governação.
                                                                                                                                Humberto Cardoso
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 12 de Fevereiro de 2013

quarta-feira, janeiro 30, 2013

Infra-estruturas: ilusionismo e fuga à responsabilidade

Governantes adoram infraestruturas. Portos, aeroportos, estra­das, diques e barragens, escolas e outros edifícios públicos são obras visíveis e facilmente aproveitáveis para granjear apoio popular. Ga­nhos políticos conseguem-se em vários momentos: no anúncio, na assinatura de contrato, no lançamento da primeira pedra, nas visi­tas de seguimento e finalmente na inauguração. Mas nem sempre as promessas de desenvolvimento que as acompanham se realizam. Depois do fulgor das festas da inauguração muitas vezes a vidas das pessoas continua no marasmo de sempre.
Como bem escreve Justin Yifu Lin no seu recente livro “Em busca da prosperidade” o desenvolvimento pressupõe identificação e aprovei­tamento de oportunidades em linha com as vantagens comparativas do país e facilitação do crescimento das empresas de forma a serem competitivas no mercado interno e no mercado global. Segundo o mesmo autor, o investimento nas infraestruturas hard (portos, ae­roportos , estradas, transportes, telecomunicações e energia) e nas infraestruturas soft (instituições, educação, formação) só se mostra rentável se resulta da correcta identificação de oportunidades e se é feito no tempo certo e sequenciado ou encadeado de forma a facili­tar e potenciar a actividade empresarial. Obras realizadas por razões populistas e eleitoralistas ou com base em pressupostos não condi­zentes com os recursos e vantagens do país facilmente se transfor­mam em elefantes brancos e em monumentos ao desperdício e à má gestão de fundos públicos.
Infraestruturas dão votos e ajudam governos a manterem-se no poder. Por isso é grande a tentação de as construir numa perspectiva de ganhos de curto prazo. Os custos vêm depois em dívida acumu­lada, em produtividade baixa e fraca competitividade externa. As dificuldades terríveis por que passa Portugal e outros países advêm desse cálculo mal feito. Casos que não serviram de exemplo às auto­ridades caboverdianas.
Nos últimos anos o governo embarcou na construção de infraes­truturas por todo o país atraído por uma linha de crédito que, de fac­to, condicionou a escolha das obras e que impôs a obrigatoriedade da presença maioritária de empresas portuguesas nos consórcios e a utilização de produtos de exportação portugueses. Desses inves­timentos condicionados e feitos sob pressão das eleições de 2011 não resultaram níveis de emprego e crescimento económico que o país precisa. Bem pelo contrário, o endividamento público já atingiu pontos críticos e a população terá que suportar aumento generaliza­do de impostos e taxas, e ficar mais pobre, para que o governo possa equilibrar as contas públicas.
A essa falha em dinamizar a economia, como prometido, vêm-se juntar notícias de auditorias a obras na Boa Vista e no Fogo que dão conta de práticas complicadas nos processos de adjudicação. Os re­latórios referem-se a práticas que poderão estar na origem de falhas graves como a queda da ponte de Ribeira D’Água, na Boa Vista, a ultrapassagem por muitos milhões do custo inicial de muitas obras e no aparecimento de indícios de apropriação indevida de fundos públicos por pessoas ou entidades. O governo procurou alijar a sua responsabilidade ou repassando-a para quem já não é ministro ou atribuindo as falhas à pressa em fazer e a insuficiências técnicas do país. O risco de desvios nos concursos e adjudicações de obras por causa das condicionantes existentes e do eleitoralismo permanente para proveito de uns e outros nunca foi assumido.
Governos presidem sobre a gestão de fundos públicos cuja origem são os impostos actuais dos contribuintes ou empréstimos que futura­mente são pagos pelos mesmos contribuintes. O Estado, por si, nada produz. Por isso, a utilização pelo governo desses fundos na pros­secução do interesse geral deve ser feita com a devida parcimónia e com assunção plena de responsabilidade pelos actos praticados.
Há uma inversão perversa da realidade quando se faz crer ao cida­dão de que obras feitas pelo Estado ou apoios recebidos do Estado são dádivas ou prendas dos governantes e por isso não se discutem se os critérios foram os melhores e se foi ponderado o custo-benefí­cio. Tudo para reforçar a crença no Estado providência e a depen­dência das pessoas numa perspectiva de manutenção do poder. Há que pôr cobro a estas situações. O combate pela responsabilização dos poderes públicos é central para que se tenha um governo do povo, pelo povo e para o povo.
                                                                                                                                                    Humberto Cardoso
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Janeiro de 2013       

quarta-feira, janeiro 23, 2013

Cuidar das vantagens comparativas

 Chamou a atenção do mundo a decisão da França em intervir no Mali, primeiro com bombardeamentos aéreos e posteriormente com soldados e carros de combate, para conter o avanço de combatentes islamitas nessa região do deserto do Sahara. Vários países do norte da África como a Líbia, Argélia e países subsaarianos designadamen­te o Mali, e o Níger encontram-se no epicentro da movimentação jihadista. Uma vitória dos islamitas no Mali poderia transformar-se num pesadelo regional. A natureza transnacional e messiânica do movimento não deixaria de afectar outros países da costa ocidental africana com significativa população muçulmana.
A presença já constatada de grupos islâmicos ligados à Al-Qaeda em países como a Mauritânia e a Argélia e com ramificações noutros países vizinhos augura problemas graves no futuro imediato. Nessa perspectiva a disponibilidade da França e também do Reino Unido e dos Estados Unidos em apoiar forças africanas da CEDEAO revela-se da maior importância. No passado recente na Costa do Marfim e intermitentemente em países com a Nigéria e o Níger confrontos violentos verificam-se entre a comunidade muçulmana e a comu­nidade cristã. A introdução do radicalismo islâmico pode inflamar ainda mais os ânimos e lançar a África Ocidental num espiral des­cendente com o aumento do tráfico de drogas, de armas e de pessoas e o desenvolvimento do terrorismo. Se isso ainda for acompanhado da prática de tomada de reféns estrangeiros, como aconteceu na se­mana passada na Argélia, dificilmente o futuro se mostrará risonho. Poucos quererão investir ou visitar países inseguros e ameaçados por fanáticos dispostos a aplicar a sharia, a lei islâmica.
Cabo Verde encontra-se a mais de 400Km da costa africana e a sua população autóctone é essencialmente cristã. O facto porém não o faz imune à desestabilização que vem do continente. O aumento do tráfico, da criminalidade e do terrorismo na região não deixará de afectar as ilhas num sentido ou noutro. A permeabilidade das fron­teiras criada pelos acordos de livre circulação da CEDEAO garante que, a exemplo do que aconteceu antes, fluxos de refugiados pode­rão dirigir-se para ilhas se a situação nos países vizinhos se agravar. E com eles virão problemas que constituem desafios acrescidos às autoridades em diversos domínios designadamente, no cultural, saúde pública, habitacional e segurança. Sem falar que a pequena população de Cabo Verde na globalidade e o número escasso de ha­bitantes em certas ilhas fazem com que movimentos migratórios em direcção ao arquipélago coloquem questões de segurança nacional que provavelmente não teriam cabimento em territórios maiores e com uma população de milhões.
O Turismo já se revelou como actividade económica com maior dinamismo e maior potencial futuro. São países europeus os pro­dutores dos fluxos turísticos em direcção a Cabo Verde. O aumento crescente do número de turistas deixa entrever que Cabo Verde tem alguma vantagem comparativa no sector. Deixando de lado a beleza das ilhas, factores como o clima ameno, a ausência de choque cultu­ral e a proximidade da Europa certamente que concorrem para isso. A estratégia certa numa perspectiva de desenvolvimento turístico deve ser de conservação e aprofundamento das vantagens existen­tes e de investir para melhor competir com destinos com vantagens similares.
É evidente que uma eventual desestabilização da região constitui­ria um perigo grave para o desenvolvimento turístico futuro do país. Se com a pressão imigratória se agravarem problemas de segurança, emergirem choques culturais e o país ficar mais exposto a doenças endémicas e outros problemas próprios do continente, as vantagens de ser ilhas vão diluir-se por completo. Ainda bem que a experiência amarga do dengue despertou as autoridades para a necessidade de medidas enérgicas de protecção das ilhas do contágio exterior e tam­bém de combate aos vectores de transmissão das doenças. A insula­ridade tem custos óbvios mas também tem benefícios que podem traduzir-se em vantagens. O Governo parece estar a perceber que assim é e já se mostra mais receptivo a medidas eficazes de controlo de fluxos imigratórios.
Por tudo isso é fundamental que os acontecimentos no Mali e em toda a região sejam seguidos com maior atenção e que medidas cla­ras e efectivas sejam tomadas para proteger Cabo Verde de eventu­ais evoluções negativas na costa ocidental africana. 

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 23 de Janeiro de 2013