quarta-feira, maio 11, 2016

Grogue, cana e mercado

Notícias vindas a público dão conta que a IGAE vai agir contra produtores já identificados de grogue de açúcar em São Antão. Depois de um período de alguma retracção na produção do grogue adulterado era de esperar que a prática voltasse. E é provável que volte em força. A entrada em vigor da Lei do grogue teve o efeito de diminuir consideravelmente a quantidade de aguardante adulterada que circulava no mercado. Quase que imediatamente o preço do grogue de cana mais do que duplicou. Muitos que há anos mantinham um stock que muito relutantemente vendiam aos preços baixos que então se praticavam têm agora a possibilidade de os comercializar por um preço mais justo e mais de acordo com o facto de ser grogue de cana de reconhecida qualidade. Todos estão satisfeitos, mas a questão que se coloca é até quando o ambiente favorável vai-se manter. É facto assente que não há cana suficiente no país para produzir todo o grogue que é consumido no país. Quer isso dizer que parte da procura nacional tem que ser coberta por uma oferta de grogue que não é de cana. Por algum tempo, na sequência da aplicação da lei, a produção desse grogue pode ter sido inibida e a procura passou a ser coberta pelo stock anteriormente guardado de grogue de cana. O problema é o que vai acontecer quando esse stock se esgotar e o défice estrutural entre a quantidade de cana existente e a procura global de grogue se revelar. Vai-se voltar ao grogue adulterado? O que vai acontecer aos preços? Sabe-se que há mais agricultores a cultivar mais cana sacarina. Será suficiente? O governo deve encontrar uma resposta que dê solução adequada e sustentável a um produto que, pela sua natureza, historicamente constituiu um verdadeiro cash crop para os proprietários agrícolas de Cabo Verde. Na dificuldade evidente de se ter suficiente cana para produzir todo o grogue que o país consome seria bom em todos os aspectos que o Estado se movesse para estruturar um mercado para o grogue de cana de Cabo Verde com preço e qualidade que garantisse a contínua produção em boas condições para o consumidor e o produtor também beneficiasse o país em termos fiscais e em receitas de exportação. É evidente que paralelamente devia-se encontrar uma solução para a produção regulada de aguardente que não seria de cana nacional mas sim de matéria-prima importada e controlada. De outra forma, volta-se à situação anterior de degradação e de não confiança num produto com evidentes consequências na economia do país, na saúde das pessoas e na sobrevivência de muitas famílias no mundo rural das ilhas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 754 de 11 de Maio de 2016.

sexta-feira, maio 06, 2016

Caboverduras?

No BO do dia 26 de Abril foi publicado uma Resolução da Assembleia Nacional aprovada no dia 20 de Abril que determinava a suspensão de alguns deputados a partir da data da sua nomeação como membros do governo. A resolução impropriamente antecipou no tempo o decreto presidencial de nomeação dos membros do governo datado do dia 22 quando se sabe que até ao momento da nomeação o presidente ou os propostos para nomeação podiam mudar de posição. Curioso é que os deputados Rui Semedo e Eva Ortet, que continuaram como ministros durante mais dois dias depois da sua tomada de posse, não foram suspensos como exigem as regras de incompatibilidade. O problema parece que foi a interpretação da alínea b do artigo 153 da CR. Aí diz-se que na sessão constitutiva os deputados nomeados membros do governo são substituídos após empossamento. Pela resolução citada conclui-se que estranhamente resolveram ignorar os deputados que efectivamente eram membros do governo e declarar suspensos os que hipoteticamente iriam ser nomeados. É de se perguntar outra vez: qual é a pressa? Talvez também por descuido é que, salvo melhor interpretação, se permitiu que Basílio Ramos, que não foi eleito deputado, presidisse a sessão constitutiva da nova Assembleia Nacional. O artigo 69º do Regimento diz que na primeira reunião após as eleições “Assumirá a direcção dos trabalhos o Presidente cessante e na sua falta e sucessivamente, o primeiro Vice-Presidente ou o segundo Vice-Presidente, se reeleitos Deputados”. Aparentemente quem deveria ter dirigido os trabalhos da sessão constitutiva devia ser o deputado Júlio Correia que foi primeiro vice-presidente na legislatura anterior e foi reeleito. Caboverduras?  
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 753 de 04 de Maio de 2016.

O que parece, não é



A tragédia que caiu sobre os soldados e sobre as suas famílias com fortíssimo impacto nas forças armadas e no país mais uma vez vem relembrar a todos do muito que parece, não é. Vários avisos de muita coisa que não está bem na sociedade e nas instituições têm sidos dados de forma dramática nos últimos tempos e até com perda de vida como foi o caso dos 11 mortos do navio Vicente. Outros avisos não menos custosos em vidas e em liberdade e em segurança, mas sem talvez o mesmo impacto dramático, vão sendo feitos via casos de crime e violência nos vários pontos do território nacional. Na generalidade dos casos ou não são ouvidos ou procura-se desdramatizar mostrando uma face positiva, citando estatísticas e acusando os atentos de pessimismo e de ser arautos da desgraça. A atitude no momento seguinte é de voltar-se àrotina anterior e de quedar-se na expectativa que nada de mal irá acontecer.
É facto que muita coisa vai para debaixo do proverbial tapete quando a postura oficial é de permanente propaganda num esforço de ofuscar, seduzir, iludir. Fazendo isso persistentemente durante mais de uma década o mais normal é que a relação com o país real se perca, que as instituições se adaptem às necessidades da imagética oficial e a incompetência se instale. Em simultâneo caem os níveis de confiança porque todos se vêem a representar papéis num esforço colectivo de ilusionismo com selo de aprovação oficial. Num ambiente destes, introduzir reformas de fundo torna-se quase impossível. Primeiro há que ir além das aparências e encontrar as raízes dos problemas. Depois de vencer as resistências dos interesses velados aí instalados. E tudo isso sem contar muito com aliados: os futuros beneficiários das reformas ainda não se reconhecem como tal e nem se organizaram para apoiar a continuidade das reformas, ao contrário dos que esperam ver o seu poder, influência e rendimentos postos em causa no processo de mudança.
 Das mais graves revelações vindas ao público foi a que as forças armadas desconheceram durante mais de 24 horas que não tinham qualquer contacto com o seu destacamento no Monte Tchota. Onde ficaram os três C, comando, controlo e comunicações, que deve ser apanágio das forças armadas para poderem realizar as missões que lhes estão destinadas. As instalações de comunicações do Monte Tchota são de importância estratégica para o país. Por isso é que se tem um destacamento militar permanente a guardar esse centro nevrálgico do sistema de segurança. Deixá-lo indefeso por razões de conflitos internos é grave, mas não tomar conhecimento disso imediatamente, e pior ainda durantes horas seguidas, é indesculpável.
Nesse sentido justificou-se plenamente o pedido de demissão do Chefe de Estado Maior. Alguém na cadeia de comando tinha que assumir a responsabilidade pela falha grave no cumprimento da missão e pela mensagem negativa que eventuais inimigos terão ficado da prontidão e capacidade operacional das Forças Armadas. As FAs têm outras missões na segurança interna e externa e a sua eficácia depende do efeito dissuasor que poderá ter sobre eventuais prevaricadores. A própria segurança dos soldados colocados a guardar várias entidades e pontos chaves do país está intimamente ligada à percepção da efectividade das FA em responder com rapidez e força proporcional para proteger os seus soldados e realizar os objectivos definidos.
Todo este incidente trágico abre a possibilidade de fazer um amplo debate sobre a natureza das Forças Armadas, a sua organização e as missões que deverá realizar. Importante discutir a segurança interna do país e que melhor sistema de forças a poderá servir considerando a natureza arquipelágica do país e as ameaças reais do narcotráfico e também do terrorismo, pirataria e tráfico de pessoas e armas na região. Concomitantemente é de rever o serviço militar obrigatório que de universal só tem o nome ficando por conscritos maioritariamente das zonas rurais e dos subúrbios das cidades que findo o serviço passam à disponibilidade com habilidades e competência potencialmente perigosas em técnicas de combate e manuseio de armas sem qualquer enquadramento.
Coincidentemente iniciou-se um novo ciclo governativo e o novo governo deverá aproveitar esta oportunidade para reorganizar as Forças Armadas e todo o sistema de segurança numa perspectiva de uma maior eficácia e de garantir que o que parece, realmente é. Com o terramoto verificado nas Forças Armadas espera-se que Presidente da República enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas reúna o Conselho Superior da Defesa Nacional para assegurar o envolvimento de todos os órgãos de soberania, Presidente, parlamento e governo, na procura das melhores soluções para colocar a instituição numa outra plataforma que lhe permita granjear o respeito, estima e consideração de todos os cabo-verdianos.  
          
              Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 4 de Maio de2016 

quinta-feira, maio 05, 2016

Poderes do presidente II

O Dr. Mário Jorge Menezes na III parte do seu artigo no jornal A Nação sobre os poderes do PR e a investidura do novo Governo apresentou os poderes do presidente numa perspectiva que salvo o devido respeito, até agora não se tinha claramente reconhecido e não se tinha afirmado nem aplicado em Cabo Verde. Destacam-se de entre eles a faculdade do PR avaliar as opções de fundo das políticas a implementar e de estabelecer compromissos em matérias em especial sobre as políticas de defesa e externa a incluir no futuro programa do Governo.
O Dr. Menezes recorre ao constitucionalistas Jorge Miranda para concluir que “nada obsta” que o PR acelere os procedimentos para a formação do governo e também ao Constitucionalista Gomes Canotilho para lembrar que uma consequência natural da liberdade do poder de nomeação é a possibilidade do PR condicionar a formação concreta da equipa ministerial e as opções políticas do futuro governo. Extrai-se dos muitos exemplos de actuação dos presidentes em vários sistemas políticos, desde os parlamentarismos puros, mitigados ou mais ou menos semipresidencialistas até se chegar ao semipresidencialismo francês, que a relação do PR com o governo varia, em termos de intervencionismo, consoante a conjuntura política, a existência, ou não, de uma maioria parlamentar e a garantia, ou não, de estabilidade governativa.
Foi notável, por exemplo, o intervencionismo do presidente italiano Giorgio Napolitano nas várias tentativas de formação de governo logo a seguir à queda de Berlusconi e a crise que se seguiu. Chegou ao ponto de nomear o governo de Monti, chamado de “governo do presidente”, não obstante ser um presidente eleito pelo parlamento e não directamente pelo povo e como tal empossado num cargo tido como mais cerimonial. Em Portugal, com o seu semi-presidencialismo, a possibilidade de governos minoritários e transições complicadas porque envolvem negociações entre partidos, abrem pontualmente espaços para um maior intervencionismo do PR. Foi o que aconteceu na sequência da demissão do Sócrates em 2011 e  das dificuldades de Passos Coelho em formar governo em 2015, casos por sinal citados pelo Dr. Menezes no seu artigo, e que já acontecera em outros momentos, memoravelmente no caso do presidente Sampaio e do governo de Santana Lopes. Mesmo na V República Francesa, com presidentes partidários ciosos da sua ascendência sobre o governo, a relação do presidente Mitterrand ou posteriormente do presidente Chirac ao longo dos seus respectivos mandatos com um primeiro-ministro socialista ou um  primeiro-ministro da direita eram marcadamente diferentes.
Em Cabo Verde é óbvio também que PR na sua função de garantir o regular funcionamento das instituições não segue necessariamente uma linha única de actuação. Mas como sempre houve maiorias parlamentares estáveis praticamente nunca se mostrou necessário o presidente  intervir para forjar soluções de governação e muito menos promover “governos do  presidente”. A actuação do PR seguiu sempre pelo estipulado na alínea i) do n.1 do art.º 135 da Constituição: Nomear o Primeiro-ministro ouvidas as forças políticas representadas na Assembleia Nacional e tendo em conta os resultados das eleições
As legislativas de 20 de Março deram maioria clara ao MpD. O governo do PAICV só seria demitido com o início da nova legislatura que viria a ser a 20 de Abril, abrindo caminho para a nomeação de um novo governo. Não havendo necessidade de negociações com outros partidos para criar uma maioria parlamentar não se vê como a actuação do presidente acelerou o processo de formação do governo. A novidade foi o país ter ficado a saber quem seriam os membros do governo duas semanas antes de serem nomeados e não é certo que tenha sido coisa boa.
A polémica que se instalou nesta matéria resulta mais de um protagonismo algo deslocado do PR num momento que pelos resultados claros das eleições podia não o justificar. Também deriva da possibilidade que aparentemente se abriu de condicionar as opções políticas do governo quando se sabe que elas foram amplamente sufragadas pelo povo, que o governo não é responsável politicamente perante o PR e que o governo é quem define e executa a política interna e externa do país (artº 203, n.1, a) da CR).

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 753 de 04 de Maio de 2016.

sexta-feira, abril 29, 2016

Por um governo “interventivo”

No passado dia 22 de Abril o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, deu posse ao que designou de VI Governo Constitucional da II República, um governo liderado pelo MpD, o partido vencedor das eleições de 20 de Março. Depois de um interregno de quinze anos de governos liderados pelo PAICV, o MpD tem a oportunidade de pôr em prática a sua visão de desenvolvimento do país. Propõe retomar a aposta na liberdade económica, no incentivo à iniciativa privada e na identificação e aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo mundo globalizado. Manifesta-se frontalmente contra políticas e práticas de governação que aumentam a dependência, alimentam o conformismo e desencorajam o mérito.
A massiva votação no MpD provavelmente traduziu o sentimento geral de que o país precisava de uma forte lufada de ar fresco. Paulatinamente vinha caindo na consciência das pessoas que o anterior governo não conseguia dinamizar a economia e responder às expectativas em particular dos jovens no tocante ao emprego. Em vários sectores como, por exemplo, o sector marítimo e aéreo as falhas estavam a ficar mais do que evidentes. Na energia e água a escassez e a interrupção de fornecimento já não se verificavam com a frequência de outrora, mas em contrapartida a população e a economia eram penalizadas com tarifas das mais altas do mundo. A forma pouco competente como foram geridas situações de crise designadamente a relocalização da população da Chã das Caldeiras e o afundamento do navio Vicente minaram a confiança das pessoas em como a prazo o governo seria capaz de resolver problemas quais sejam a segurança das pessoas, a gestão da TACV e a preocupação generalizada com as crescentes assimetrias nas ilhas.
 As pessoas ao votarem uma alternativa estavam a clamar por uma outra atitude na governação que não se fixasse tanto na questão de imagem e propaganda. Pelo contrário, propugnavam um governo que pusesse o futuro do país em alicerces sólidos a partir dos quais cada cabo-verdiano poderia apoiar-se para realizar os seus sonhos e ao mesmo tempo contribuir para a prosperidade geral. Os últimos cinco anos de crescimento anémico a par com a acumulação extraordinária da dívida externa confirmaram, sem deixar quaisquer dúvidas, que o modelo de desenvolvimento seguido até agora, se por algum tempo alimenta a ilusão de contínuos avanços económicos e sociais, a prazo mostra que não garante sustentabilidade mesmo aos objectivos e metas  já atingidos. Por isso, são patéticas as tentativas de convencer a sociedade a esperar ainda mais um pouco por resultados de há muito prometidos em termos de rendimento, bem-estar e realização de expectativas. Particularmente quando se percebe que o que se pretende é posicionar-se desde já para exigir resultados logo na arrancada do novo governo. 
Num livro recente “Concrete Economics” Stephen S. Cohen e J. Bradford DeLong mostram a importância de fazer convergir intervenção do Estado com empreendedorismo de privados. Os governos com as suas políticas projectadas para a criação de oportunidades devem poder valer-se da iniciativa de empresas, grupos e indivíduos no quadro de um ambiente regulado, de concorrência e também de segurança jurídica para garantir  contínua criação de riqueza,  produtividade nacional e competitividade externa do país. Deixam bem claro no historial que fazem dos grandes momentos da economia americana que a acção do estado foi decisiva para se passar para um novo patamar na mobilização dos recursos materiais, humanos e financeiros, implantar indústrias e serviços do futuro e chegar a mercados mais alargados. Quando se vai à história económica de muitos países que se industrializaram tardiamente e conseguiram atingir níveis de desenvolvimento invejáveis em pouco tempo vê-se o papel central do Estado em tornar tudo isso possível. A experiência dos relativamente pequenos países do Sudeste asiático é elucidativa a esse respeito. No mesmo sentido compreende-se muito do sucesso económico conseguido pelas Ilhas Maurícias e pelas Seychelles.
Para Cabo Verde, um país pequeno e insular, pode ser crucial para o seu desenvolvimento acelerado ter um Estado “intervencionista” na perspectiva que vem sendo apresentada por Carlos Lopes, o secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para a África, de um estado necessário para coordenar o desenvolvimento económico, estabelecer a regulação certa e facilitar o acesso ao capital. A experiência já conhecida dos últimos anos demonstra o que acontece quando um governo fixa-se na imagem exterior que lhe permite continuar a mobilizar ajuda externa e não se preocupa suficientemente com resultados. Não espanta que na sequência vários sectores da vida nacional comecem a dar sinais de ineficiência e ineficácia. É o que se tem visto com preocupante rapidez nos últimos tempos.
É fundamental pôr um “stop” a essa ausência de orientação e de políticas sectoriais que deixam as pessoas inseguras, minam a confiança e inibem iniciativas. Há que recuperar a competência executiva que tranquiliza, dá previsibilidade e garante compensação pelo esforço e energia despendidos.
                                   Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Abril de 2016

sexta-feira, abril 22, 2016

Novo impulso para a democracia representativa

Hoje, dia 20 de Abril, inicia-se uma nova legislatura. O MpD regressa ao poder depois de o ter perdido quinze anos atrás. O PAICV depois ter sido oposição e posteriormente  governo agora volta à oposição. Pela primeira vez temos os dois grandes partidos com experiência alternada de governo e de oposição democrática. Uma nova era na actividade parlamentar poderá abrir-se se a experiência de ter estado nos dois lados do muro for devidamente aproveitada.
A realidade vivida da inevitabilidade, a prazo, da alternância no exercício do poder ajudará certamente a conter manifestações de arrogância e de intransigência. Espera-se que também incentive a criação de um ambiente mais propício a negociações, a compromissos e ao desenvolvimento de uma atitude de defesa da instituição parlamento. Quem já foi governo e oposição tem todo o interesse que se institucionalize o mais possível os direitos das minorias para se evitar impasses e conflitos que degradem a imagem da instituição e retiram-lhe a eficácia desejada dentro do sistema político. Práticas que configuram uma espécie de tirania da maioria, se num determinado momento se mostram proveitosas para quem governa, pouco mais tarde acabam por revelar-se negativas, inibidoras de iniciativas e sustentadoras de  uma imagem pública perniciosa à instituição, à democracia e ao pluralismo.
A democracia representativa tem estado estado sob pressão em vários países independentemente de serem velhas ou novas democracias. Sondagens realizadas revelam como vêm baixando os níveis de confiança nas instituições democráticas em particular no parlamento. Vários factores contribuem para isso. Os cidadãos, com o poder recentemente adquirido de se informarem sobre o que passa à sua volta e no mundo a todo o momento através da internet e de se comunicarem através das redes sociais, olham para o parlamento como uma espécie de relíquia do passado num mundo do qual se esperam respostas rápidas e eficazes para os problemas que todos os dias surgem. Para eles fica cada vez mais evidente a dificuldade do parlamento em lidar com situações complexas como, por exemplo, os problemas do euro e as políticas de austeridade aplicadas na Europa, ou então a crise de refugiados e a islamização da Europa ou ainda, por exemplo, no caso do Brasil de uma quebra no crescimento acompanhado de desemprego, inflação e acusações graves de corrupção na classe política.
As soluções que vêm sendo apresentadas de mais partidos políticos, de flexibilização de mandatos ou mesmo de mais experimentação em formas de democracia directa trazem outros inconvenientes. Acabam por introduzir mais dificuldades que depois vão contribuir para o desprestígio ainda mais da instituição parlamentar, para instabilidade governativa e em certos casos para ascensão de partidos extremistas mergulhados em nacionalismo e políticas de identidade. O activismo nas redes socias já demonstrou ser mais eficaz em mobilizar para derrubar ditaduras como se viu na Primavera Árabe do que a construir comunidades capazes de suportar instituições estáveis. O aparecimento de novos partidos como aconteceu em Espanha até agora não trouxe estabilidade governativa. As consequências da flexibilização de mandatos de deputados que os liberta das amarras partidárias até ao ponto de mudarem de partido vêem-se, por exemplo, no caos da câmara de deputados no Brasil e na corrupção generalizada dos seus membros, aliciados que são a vender o seu voto a interesses particulares.
 A história tem demonstrado a importância fulcral da democracia representativa na defesa das liberdades, do pluralismo e do Estado de Direito. É fundamental que no início de uma nova legislatura se renove a vontade de a fazer plenamente funcional de forma a que se prestigie aos olhos dos cidadãos e sirva de contenção à cultura anti-política, anti-partido e anti-pluralismo que anda por aí sempre à procura de uma oportunidade para se manifestar. Já tivemos a segunda alternância e todas as forças políticas do arco da governação já foram governo e já se viram na oposição. As condições estão criadas para um novo comprometimento com o aprofundamento e a consolidação da democracia representativa. Naturalmente sem descurar as formas de democracia participativa e referendária previstas na Constituição e nas leis.
         Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 20 de Abril de 2016

Janira, líder a prazo?

Confirma-se que a presidente do PAICV Janira Hopffer Almada vai assumir o cargo de líder parlamentar. Compreende-se que JHA queira com a sua liderança da bancada da oposição ganhar estatura política aos olhos do seu partido e do país que lhe permite perspectivar a possibilidade de vir a estar à frente do seu partido nas próximas eleições legislativas. O problema é se, tendo em conta os resultados e a forma como o combate eleitoral foi conduzido, há razões par acreditar que se verificará o crescimento desejado. Afinal nem toda a gente está talhada para ser líder e para ganhar. Na sequência da reunião da direcção nacional do PAICV Janira em declarações à imprensa culpou a abstenção e culpou algumas coisas menos bem conseguidas da agenda de transformação e também o desgaste dos quinze anos. De facto, todos os elementos referidos poderão ter sido factores da derrota, mas esqueceu-se de elucidar sobre o papel que ela própria teve nesse desfecho. É evidente, por exemplo, o impacto negativo das divisões internas na eficácia do partido durante o embate eleitoral. Também é visível que a líder não convenceu nas suas tentativas de potenciar a sua condição de mulher e jovem. Pior ainda, não ganhou estatura política e intelectual suficiente para deixar de ser vista como alguém que decora matérias, mas não é imaginativa nem criativa nos debates. As falhas aqui identificadas dificilmente serão superáveis no futuro. Realmente vê-se, por exemplo, que depois de mais de sete anos como ministra de várias pastas não conseguiu ser vista num outro patamar, nem pelos seus colegas do governo. Só um ou dois de entre eles a apoiaram nas suas pretensões de líder do partido. Ganhou mas, mesmo exercendo o cargo durante um ano, não conseguiu crescer no cargo de forma a criar uma unidade de vontade e de identificação na sua pessoa que permitisse ao partido ultrapassar as suas clivagens internas e ser mais eficaz no combate eleitoral. Por outro lado, as armas de natureza clientelar utilizadas nas lutas internas e denunciadas em várias ocasiões por Felisberto Vieira e outros deixaram mágoas que não foram totalmente ultrapassadas durante o ano de seu mandato como presidente do partido. A competência já revelada na gestão de influências na máquina partidária não se revelou particularmente útil em construir pontes entre sensibilidades e personalidades, em ultrapassar conflitos e em fortalecer confiança. E quem já demonstrou não ter essas qualidades dificilmente as conseguirá no futuro. O tempo dirá da sua justiça.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 752 de 20 de Abril de 2016.

quinta-feira, abril 21, 2016

Poderes do Presidente

O Dr. Menezes diz no seu texto que o PM indigitado deve submeter à apreciação do PR as orientações gerais da política a prosseguir. Num outro ponto do texto tinha-se referido à avaliação pelo PR do elenco governamental proposto pelo PM e das opções políticas de fundo a prosseguir. Essa afirmação, salvo o devido respeito, parece-nos problemática considerando que, de acordo com o artigo 198º da Constituição, o PM e o Governo apenas são responsáveis politicamente perante a Assembleia Nacional. O nosso caso é diferente do sistema português em que há dupla responsabilidade perante o PR e perante a Assembleia da República (art. 190º CRP). Nos dois sistemas o PR não governa, mas no caso português o PR parece ter algum espaço para alguma orientação do Governo como aconteceu no caso do Governo de Santana Lopes, mesmo com constitucionalistas como Vital Moreira a discordarem vivamente. No nosso caso, em que para se governar tem que se garantir uma maioria absoluta a todo o tempo no Parlamento e que o Presidente só pode demitir o Governo se for aprovada uma moção de censura, deixa-se entender que, de facto, a influência do PR sobre a condução da política interna e externa é mais reduzida do que o texto citado aparentemente sugere. A estabilidade política que tem prevalecido nos 25 anos de democracia em Cabo Verde aconselha que se procure seguir o desenho constitucional da relação entre os órgãos de soberania assim como está na Constituição. Os diferentes poderes no sistema equilibram-se e contrabalançam-se. Nos raros momentos em que, de uma forma ou outra, se tentou ultrapassá-los as coisas não andaram bem. Convivem numa tensão que se quer virtuosa para o sistema. Parafraseando o presidente Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso de tomada de posse, é fundamental que cada um assuma em plenitude os seus poderes e deveres. Sem querer ser mais do que a Constituição permite. Sem aceitar menos do que a Constituição impõe.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 751 de 06 de Abril de 2016.

quarta-feira, abril 20, 2016

Centralidade do Parlamento

Os quinze anos de governo do PAICV debilitaram bastante o Parlamento cabo-verdiano. Para o público foram passadas imagens de intransigência, de incapacidade de fiscalização do governo e de fragilidade dos deputados. Com as reformas pretendia-se fazer avançar o Parlamento para um novo estádio no qual os trabalhos nas comissões especializadas ganhariam outro peso, a fiscalização do governo tornar-se-ia mais efectiva e a produção legislativa seria maior. Tardaram e acabaram por ser obscurecidas na controvérsia à volta do regime remuneratório dos titulares do poder político. O fim das reformas levou a Assembleia Nacional ao seu ponto mais baixo, seja em termos de imagem pública, seja em termos de auto-estima dos seus titulares. A crise serviu para trazer ao de cima muita da cultura anti-partido e contra o pluralismo que vem dos tempos do salazarismo e dos 15 anos de partido único. Felizmente que as eleições de 20 de Março pela forma como decorreram, pela abstenção relativamente baixa e pelos resultados, demonstraram que o eleitorado continua a acreditar no sistema de partidos: demonstrou que é capaz de forçar a mudança de governo ao mesmo tempo que deixa força política expressiva no sistema capaz de garantir alternância futura.  Agora o Parlamento com legitimidade renovada deve saber mover-se com rapidez para assumir em pleno o seu papel dentro do sistema político designadamente em garantir a discussão plural das grandes questões do país, na fiscalização do governo e na adequação do ambiente legal e institucional necessário para acelerar o crescimento e desenvolvimento do país. Para o forte engajamento nesse sentido é de maior importância o papel do presidente e da mesa da Assembleia Nacional. Em particular do presidente da Assembleia Nacional é fundamental que sua condução dos trabalhos parlamentares seja percebida por todos como isenta e imparcial. Embora originário do partido maioritário, o presidente deve esforçar-se por não permitir que o governo juntamente com a sua maioria dificulte o debate parlamentar, trate com sobranceria os deputados da oposição e crie obstáculos à prestação de contas. A imagem negativa do Parlamento como instrumento dócil do governo diminui o seu papel de centro do sistema político, fere a dignidade dos seus titulares e desprestigia-o perante a opinião pública. A perda em democracia e em pluralismo que daí resulta tem consequências gravosas não só nas garantias de liberdade como também afecta as possibilidades do país de encontrar os caminhos certos, fazer os ajustes de percurso e mobilizar as energias e capacidade para crescer e prosperar. Um novo começo precisa-se.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 752 de 20 de Abril de 2016.

terça-feira, abril 19, 2016

Saber contar

Amanhã dia 20 de Abril inicia-se uma nova legislatura com a sessão constitutiva da nova assembleia saída das eleições de 20 de Março. Que designação terá a nova legislatura? O mais certo é que será designada de IX legislatura como a que terminou foi chamada de VIII Legislatura. Toma-se como ponto de partida de contagem das legislaturas o ano de 1975 em completo desacordo com a realidade histórica dos sistemas políticos que vigoraram e da existência ou não de uma Constituição. Em todas os países faz-se a distinção entre regimes democráticos e não democráticos e entre regimes constitucionais diferentes. Por isso é que se fala, por exemplo, da I República, do Estado Novo e da III República em Portugal ou que se diz que a França já vai na V República e que em Cabo Verde vive-se actualmente na II República. Como as repúblicas diferem na forma das eleições e na natureza das instituições eleitas e também no tipo de sistema político inicia-se a contagem das legislaturas com a entrada em vigor da Constituição que regula tudo isso. Em Cabo Verde optou-se por baralhar tudo. Não se faz a distinção entre a I e a II República e até o período pré-constitucional de 1975 a 1980 é chamado de I Legislatura. As razões para mais um exemplo do que se podia chamar de dissonância cognitiva são as de sempre: a insistência numa linha de continuidade entre o regime de partido único e a democracia e a equiparação de instituições obviamente diferentes como a Assembleia Nacional Popular unipartidária  e a Assembleia Nacional pluripartidária, governos constitucionais  e regime de partido –Estado. A partir do 13 de Janeiro e da Constituição de 1992 começou, de facto, a I Legislatura da II República o que devia fazer da legislatura que começa hoje a VI Legislatura. O MpD enquanto esteve no poder não deu a devida importância à questão. O PAICV, mais atento à simbologia do poder, quando ganhou as eleições deixou cair a designação de governo constitucional que o MpD tinha introduzido em 1991 e adoptou a de governo de legislatura. Imagine-se a razão para isso. Espera-se que agora o MpD recupere o que é prática corrente nas democracias constitucionais. Mas as disfunções em situar eventos, instituições e regimes não terminam aí. Há algo mais caricato do que ter um país em que as suas Forças Armadas comemoram 49 aniversário quando o Estado independente apenas tem 40 anos de existência?
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 752 de 20 de Abril de 2016.

sexta-feira, abril 15, 2016

Centrar nas pessoas

A uma semana do início de uma nova legislatura e do arranque de um novo governo sente-se no ar o cheiro de mudança. As pessoas talvez apanhadas pela fluidez repentina do que até bem pouco tempo parecia sólido e invariável designadamente no que respeita a indivíduos, entidades, cargos e posições falam de um ambiente mais leve como se um pesado fardo tivesse sido levantado. As expectativas são difusas mas sempre apontando para mais dinâmica na actividade económica, mais emprego e mais qualidade de vida. Em relação à situação actual do país e às dificuldade a serem vencidas para se ultrapassar o marasmo actual já é mais difícil de perceber se as conhecem devidamente.
Não ajuda a levantar o véu sobre os problemas do país quem ainda na embalagem da campanha continua a insistir que é só uma questão de tempo para se ver os resultados da “agenda de transformação”. Esquecem que praticamente se passou toda uma legislatura à espera de sinais de uma nova era de crescimento e de criação de empregos. Apenas se teve um crescimento anémico e incapaz de criar empregos para os muitos a terminar o liceu e a completar a licenciatura. Talvez, mais do que a abstenção como a liderança do PAICV parece querer justificar-se, tenha sido o desencanto e a constatação que o governo não foi merecedor dos extra cinco anos recebidos em 2011 que moveu o eleitorado em todas as ilhas a votar maioritariamente uma nova governação. Feita a eleição convém, porém, procurar saber por que o país falhou em crescer e em responder, no geral, aos anseios dos seus cidadãos.
Em entrevista durante a reunião de balanço das eleições no fim-de-semana passado, a líder do PAICV foi clara em reiterar a posição do seu partido em relação ao país e à sociedade cabo-verdiana: “Nós não nos centramos nas pessoas, centramo-nos no interesse público, na realização do bem comum e na satisfação das necessidades”. Com essa afirmação situa-se em oposição a quem “se centra nas pessoas”, apresenta-se como quem funciona para um todo conhecendo à partida qual o seu interesse e como realizá-lo e prontificando-se a satisfazer as suas necessidades. O problema com este modelo paternalista, para além de potencialmente autoritário como todos bem conhecem da história do país, é que levou o país à estagnação económica. Aconteceu nos fins dos anos oitenta e voltou a acontecer nos últimos anos.
Tal modelo, financiado primeiro pela ajuda externa e depois pela dívida externa, tem demonstrado ao longo dos anos que falha em tornar o país produtivo e não o deixa ganhar competitividade externa. Fiel aos hábitos dirigistas dos seus agentes, desperdiça oportunidades que se oferecem ao país e mantém as pessoas dependentes enquanto procura satisfazer-lhes as necessidades com os recursos arrecadados e depois distribuídos. Coerentes com o modelo, os seus agentes partem do princípio que apenas eles conhecem o interesse  público. E porque assim é, inibe-se a livre expressão de opiniões, coarcta-se a iniciativa individual e não se incentiva o mérito. Não estranha que o somatório de factores como passividade, dependência, receio de exprimir opiniões contrárias e não compensação do mérito não ajude a nação a criar riqueza e pelo contrário a lança no marasmo económico e social.
As formas tradicionais nas democracias ocidentais de esquerda e direita não parecem existir em Cabo Verde. Na Europa o centro-direita e o centro-esquerda diferenciam-se essencialmente na forma como resolvem a tensão entre a liberdade e a igualdade. Os da esquerda põem enfase na igualdade e propõem-se a usar o Estado para diminuir as desigualdades, assegurar a inclusão social e garantir o pleno emprego. Muitas das dificuldade vividas pelo Estado social advém de se ter excedido e no processo ter sacrificado o crescimento, contribuído para o desemprego e provocado mais exclusão. O centro direita com a enfase na liberdade, autonomia das pessoas e no incentivo à iniciativa individual procura atingir os mesmos objectivos de crescimento, de diminuição das igualdades, e de luta contra marginalização e a exclusão sociais. Alternam-se no poder porque o eleitorado sente a necessidade de reequilíbrio sempre que se desloca demasiado num ou noutro sentido, mas todos focalizam-se nas pessoas e ninguém se arvora em defensor do interesse geral contra os que pretensamente apenas estariam a defender interesses das pessoais.
Em Cabo Verde a clivagem entre os dois partidos advém da falta desse elo comum de focalização nas pessoas no seu direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade como vem expresso na declaração de independência dos Estados Unidos da América. Se existisse ganhar-se-ia globalmente com as abordagens políticas distintas dos partidos para se atingir o mesmo fim. Aqui ainda se insiste num modelo paternalista que alimenta a dependência, suga a energia da nação e no final é incapaz de garantir com sustentabilidade o que até ao momento se conseguiu. Mudar é preciso se o objectivo é pôr o país no caminho do crescimento económico e do aproveitamento da energia e criatividade do seu povo para criar riqueza e libertar o país da pobreza e dos males da exclusão social.
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 13 de Abril de 2016

domingo, abril 10, 2016

José Maria Neves não é candidato presidencial

Num post anterior do emcima já tínhamos dito que o resultado das legislativas seria crucial para a decisão de JMN em concorrer nas presidenciais. De qualquer forma a quasi declaração de candidatura no momento em que a fez tinha mais o objectivo de unir o partido antes das legislativas do que realmente de posicionar-se para uma nova carreira política como Presidente da República. As presidenciais de 2011 tinham sido um momento extremamente divisivo no partido e convinha que sinais claros fossem dados de que a situação não se repetiria. Mas com a derrota estrondosa nas legislativas é evidente que já não serve qualquer propósito. Enfrentar Jorge Carlos Fonseca, um incumbente com elevado nível de popularidade, nas actuais circunstâncias seria desperdiçar capital político que noutro momento poderá mostrar-se mais útil. O PAICV certamente encontrará um outro candidato para apoiar. Não deverá repetir-se o que aconteceu em 1996 em que António Mascarenhas Monteiro foi o único candidato. A democracia cabo-verdiana já teve tempo de produzir personalidades capazes de encarnar ideias diferentes do que deve ser a presidência da República, com a energia e a motivação suficientes para procurar galvanizar o eleitorado com o seu projecto. E da última vez tivemos quatro candidatos.  
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 749 de 06 de Abril de 2016.

sábado, abril 09, 2016

Faz falta um Ministério da Coordenação Económica

Na estrutura do Governo trazida a público por Ulisses Correia e Silva salta à vista a ausência de um Ministério da Coordenação Económica, englobando as Finanças e a Economia. Curioso é que em vários momentos dos quinze anos do governo de José Maria Neves vinha à baila a necessidade da coordenação ao nível do governo das políticas económicas e das Finanças Públicas. A percepção geral é que não andavam sintonizadas: enquanto se fazia o discurso de suporte e incentivo às empresa e à iniciativa privada, os operadores económicos queixavam-se da insensibilidade vinda das Finanças que na óptica cega de caixa procurava a todo o custo receitas para fazer frente às despesas do Estado. Não é por acaso que nos quase dez anos de Cristina Duarte como Ministra das Finanças passaram pelo governo cinco ministros de Economia. Conhecem-se as dificuldades em lidar com as Finanças Públicas nas quais a rigidez das despesas fixas, em cerca de 80% do total orçamentado, não deixa muita margem de manobra. O caminho para ultrapassar este constrangimento central passa nomeadamente por aumentar a base tributária via crescimento económico com criação de emprego, luta conta a evasão fiscal e também por maior eficiência do Estado na utilização dos recursos disponibilizados. O problema é que as medidas de política económica muitas vezes implicam custos a curto prazo ao Estado, mas só resultam a médio e longo prazo. Quando não há muito espaço orçamental, a desfasagem entre os custos e os benefícios na óptica das Finanças Públicas é complicada de gerir. Daí a necessidade de coordenação estreita e estratégias conjuntas bem articuladas. Na ausência disso, o ministro de Finanças tende, como já se sabe do passado recente, a refugiar-se numa lógica de caixa enquanto ministros de Economia vão soçobrando de dois em dois anos sem que se veja grandes avanços na economia nacional. É de notar ainda que as maiores mudanças na economia nacional, que elevaram extraordinariamente o potencial de crescimento de Cabo Verde e deram ao país os seus níveis mais altos de crescimento, aconteceram entre 1995 e 2000 quando na estrutura do governo havia um Ministério de Coordenação Económica. Podia ser uma experiência a retomar em moldes ainda mais rigorosos e efectivos.  
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 751 de 06 de Abril de 2016.

sexta-feira, abril 08, 2016

Política monetária e política orçamental divergem

Levantar a cortina para se ver os problemas reais do país deve ser uma das primeiras tarefas a realizar no novo ciclo político. Um dos problemas é o financiamento de empresas e de particulares pelos bancos. O governo do PAICV, na sua ânsia de passar a culpa da falta de dinâmica na economia nacional para outros, apresentou como culpado as dificuldades em conseguir crédito bancário. Para dar a ideia de que estava a desemperrar o sistema fez o BCV baixar as taxas e pressionou os bancos a conceder empréstimos. Quando nem a transmissão monetária se verificou porque o sistema bancário tinha excesso de liquidez, nem o crédito às empresas  aumentou significativamente como prometera, acabou por culpar as empresas, ou por não terem contabilidade organizada ou por serem incumpridoras. Não considerou que o comportamento dos operadores económicos podia estar condicionado pela percepção que tinham dos riscos macroeconómicos provocados designadamente com o que o BCA no seu relatório de contas de 2015 constata: “a política monetária e a política orçamental continuam a divergir entre si, quanto aos sinais que transmitem à economia: à luz das mais recentes decisões do BCV, a política monetária é de incentivação do crédito, porém, a política orçamental, na sua componente fiscal, aponta para uma penalização do rendimento disponível das famílias e da liquidez das empresas, ao mesmo tempo que, restringida pelos níveis de dívida pública, desacelerou a política de investimentos públicos”. Para um país com um peg fixo no quadro de um acordo cambial com o euro, ter a política monetária e a política orçamental a divergir não pode dar bons resultados. Mas é o que se está a passar desde os finais de 2011, traduzido na célebre frase da Ministra de Finanças a dizer ao governador do BCV que não se ensina missa ao vigário. Foi então que o BCV, para proteger a paridade do escudo cabo-verdiano em relação ao euro, subiu as taxas e na sequência, como diz o relatório do BCA, houve redução de liquidez no sistema financeiro, contracção e quebra de expectativas de agentes económicos. Quando em 2013 e 2014 o BCV aliviou as restrições, os resultados em termos de crédito concedido não foram os esperados. O Estado beneficiou com a maior procura dos bilhetes de Tesouro e a baixa de taxa de juros, mas os privados nacionais já não tanto. Mesmo o crédito à habitação não cresceu significativamente perante as expectativas criadas pelo Programa Casa para Todos, de habitação social, com evidente impacto na economia. A construção civil privada e a actividade comercial conexa não granjearam o impulso que tanto precisavam. São todos estes e outros desencontros de políticas que têm mantido o país no estado de quase estagnação económica neste último quinquénio. Um facto evidente reconfirmado com os últimos dados do INE a porem o crescimento do PIB em 2015 em 1,5% e o BCV a prever para 2016 crescimento entre 1,5 e 2,5% do PIB. Ouvindo o Dr. José Maria Neves na RCV, o país fica a pensar que a crise internacional é que é a causa de todos os seus problemas quando na realidade a dificuldade maior são as opções que o seu governo fez durante anos seguidos. Importa agora é que se tenha a consciência deles e que se crie a vontade para as mudar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 749 de 06 de Abril de 2016.