O Dr. Mário Jorge Menezes na III parte do seu artigo no jornal A Nação sobre os poderes do PR e a investidura do novo Governo apresentou os poderes do presidente numa perspectiva que salvo o devido respeito, até agora não se tinha claramente reconhecido e não se tinha afirmado nem aplicado em Cabo Verde. Destacam-se de entre eles a faculdade do PR avaliar as opções de fundo das políticas a implementar e de estabelecer compromissos em matérias em especial sobre as políticas de defesa e externa a incluir no futuro programa do Governo.
O Dr. Menezes recorre ao constitucionalistas Jorge Miranda para concluir que “nada obsta” que o PR acelere os procedimentos para a formação do governo e também ao Constitucionalista Gomes Canotilho para lembrar que uma consequência natural da liberdade do poder de nomeação é a possibilidade do PR condicionar a formação concreta da equipa ministerial e as opções políticas do futuro governo. Extrai-se dos muitos exemplos de actuação dos presidentes em vários sistemas políticos, desde os parlamentarismos puros, mitigados ou mais ou menos semipresidencialistas até se chegar ao semipresidencialismo francês, que a relação do PR com o governo varia, em termos de intervencionismo, consoante a conjuntura política, a existência, ou não, de uma maioria parlamentar e a garantia, ou não, de estabilidade governativa.
Foi notável, por exemplo, o intervencionismo do presidente italiano Giorgio Napolitano nas várias tentativas de formação de governo logo a seguir à queda de Berlusconi e a crise que se seguiu. Chegou ao ponto de nomear o governo de Monti, chamado de “governo do presidente”, não obstante ser um presidente eleito pelo parlamento e não directamente pelo povo e como tal empossado num cargo tido como mais cerimonial. Em Portugal, com o seu semi-presidencialismo, a possibilidade de governos minoritários e transições complicadas porque envolvem negociações entre partidos, abrem pontualmente espaços para um maior intervencionismo do PR. Foi o que aconteceu na sequência da demissão do Sócrates em 2011 e das dificuldades de Passos Coelho em formar governo em 2015, casos por sinal citados pelo Dr. Menezes no seu artigo, e que já acontecera em outros momentos, memoravelmente no caso do presidente Sampaio e do governo de Santana Lopes. Mesmo na V República Francesa, com presidentes partidários ciosos da sua ascendência sobre o governo, a relação do presidente Mitterrand ou posteriormente do presidente Chirac ao longo dos seus respectivos mandatos com um primeiro-ministro socialista ou um primeiro-ministro da direita eram marcadamente diferentes.
Em Cabo Verde é óbvio também que PR na sua função de garantir o regular funcionamento das instituições não segue necessariamente uma linha única de actuação. Mas como sempre houve maiorias parlamentares estáveis praticamente nunca se mostrou necessário o presidente intervir para forjar soluções de governação e muito menos promover “governos do presidente”. A actuação do PR seguiu sempre pelo estipulado na alínea i) do n.1 do art.º 135 da Constituição: Nomear o Primeiro-ministro ouvidas as forças políticas representadas na Assembleia Nacional e tendo em conta os resultados das eleições.
As legislativas de 20 de Março deram maioria clara ao MpD. O governo do PAICV só seria demitido com o início da nova legislatura que viria a ser a 20 de Abril, abrindo caminho para a nomeação de um novo governo. Não havendo necessidade de negociações com outros partidos para criar uma maioria parlamentar não se vê como a actuação do presidente acelerou o processo de formação do governo. A novidade foi o país ter ficado a saber quem seriam os membros do governo duas semanas antes de serem nomeados e não é certo que tenha sido coisa boa.
A polémica que se instalou nesta matéria resulta mais de um protagonismo algo deslocado do PR num momento que pelos resultados claros das eleições podia não o justificar. Também deriva da possibilidade que aparentemente se abriu de condicionar as opções políticas do governo quando se sabe que elas foram amplamente sufragadas pelo povo, que o governo não é responsável politicamente perante o PR e que o governo é quem define e executa a política interna e externa do país (artº 203, n.1, a) da CR).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 753 de 04 de Maio de 2016.
Sem comentários:
Enviar um comentário