quarta-feira, maio 11, 2016

Grogue, cana e mercado

Notícias vindas a público dão conta que a IGAE vai agir contra produtores já identificados de grogue de açúcar em São Antão. Depois de um período de alguma retracção na produção do grogue adulterado era de esperar que a prática voltasse. E é provável que volte em força. A entrada em vigor da Lei do grogue teve o efeito de diminuir consideravelmente a quantidade de aguardante adulterada que circulava no mercado. Quase que imediatamente o preço do grogue de cana mais do que duplicou. Muitos que há anos mantinham um stock que muito relutantemente vendiam aos preços baixos que então se praticavam têm agora a possibilidade de os comercializar por um preço mais justo e mais de acordo com o facto de ser grogue de cana de reconhecida qualidade. Todos estão satisfeitos, mas a questão que se coloca é até quando o ambiente favorável vai-se manter. É facto assente que não há cana suficiente no país para produzir todo o grogue que é consumido no país. Quer isso dizer que parte da procura nacional tem que ser coberta por uma oferta de grogue que não é de cana. Por algum tempo, na sequência da aplicação da lei, a produção desse grogue pode ter sido inibida e a procura passou a ser coberta pelo stock anteriormente guardado de grogue de cana. O problema é o que vai acontecer quando esse stock se esgotar e o défice estrutural entre a quantidade de cana existente e a procura global de grogue se revelar. Vai-se voltar ao grogue adulterado? O que vai acontecer aos preços? Sabe-se que há mais agricultores a cultivar mais cana sacarina. Será suficiente? O governo deve encontrar uma resposta que dê solução adequada e sustentável a um produto que, pela sua natureza, historicamente constituiu um verdadeiro cash crop para os proprietários agrícolas de Cabo Verde. Na dificuldade evidente de se ter suficiente cana para produzir todo o grogue que o país consome seria bom em todos os aspectos que o Estado se movesse para estruturar um mercado para o grogue de cana de Cabo Verde com preço e qualidade que garantisse a contínua produção em boas condições para o consumidor e o produtor também beneficiasse o país em termos fiscais e em receitas de exportação. É evidente que paralelamente devia-se encontrar uma solução para a produção regulada de aguardente que não seria de cana nacional mas sim de matéria-prima importada e controlada. De outra forma, volta-se à situação anterior de degradação e de não confiança num produto com evidentes consequências na economia do país, na saúde das pessoas e na sobrevivência de muitas famílias no mundo rural das ilhas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 754 de 11 de Maio de 2016.

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