O Presidente da República promulgou o Orçamento do Estado assim como os vários outros diplomas que resultaram das reuniões plenárias da Assembleia Nacional de Novembro e Dezembro do ano findo. Seria o esperado por todos não fosse a controvérsia que se instalou quando todos os sujeitos parlamentares e o país se aperceberam que o Parlamento estava a trabalhar com uma Ordem do Dia que não tinha sido aprovada e com o Presidente da Assembleia Nacional em situação irregular. Com o Presidente da República ausente no exterior, o PAN exercia o cargo de presidente da república interino e como tal encontrava-se suspenso das suas funções como deputado e portanto impedido de participar na plenária da Assembleia Nacional e ainda mais de dirigir os trabalhos da mesma. A questão que se coloca é se são legítimos os actos do Parlamento a funcionar desta forma irregular. O regimento da AN é taxativo a estabelecer que “o período da ordem do dia tem por objecto o exercício das competências constitucionais da Assembleia Nacional”. Sem ter a ordem do dia aprovada não se vê como o Parlamento pode exercer as suas competências e aprovar leis. Esta e outras questões resultantes das irregularidades constatadas deviam ser imediatamente confrontadas pelos sujeitos parlamentares. Viu-se depois que acordos do género “fazer uma resolução ad hoc para ultrapassar requisitos formais não cumpridos” como os da marcação da fixação da ordem do dia, considerado pelos constitucionalistas como um “um problema político de maior importância”, não podiam levar a lado nenhum. O resultado foi que a bola foi passada ao Presidente da República. Segundo o constitucionalista Jorge Miranda o “PR sempre pode impugnar a constitucionalidade de diplomas, por preterição de requisitos formais” mas parece que o Presidente Jorge Carlos Fonseca não considerou que havia matéria para isso. Na sua mensagem de Ano Novo à Nação justificou a promulgação da Lei do Orçamento do Estado dizendo que “nenhum problema de constitucionalidade se vislumbra no diploma”. Refere-se ainda na sua justificação a “interesses” e à necessidade de concentrar no “essencial” que seria dotar o Governo de instrumentos indispensáveis para realizar os projectos sufragados pelo povo. Mas, se bem entendemos o sistema político, também os deputados que concordaram ou discordaram com os procedimentos na Assembleia Nacional foram eleitos pelo povo para, no contraditório, enquanto representantes do conjunto dos cidadãos no seu pluralismo e na diversidade de interesses e diferentes programas partidários, realizar o bem comum e dotar o governo dos instrumentos necessários. A vida parlamentar com todas as suas regras e procedimentos é para isso e não simplesmente para a “afirmação e dinâmica da vida interna das organizações e grupos políticos”. A democracia tem os seus mecanismos de equilíbrio e o direito das minorias em disputar as posições da maioria não deve ser interpretado como desvio do “essencial”. Já que foi solicitada a fiscalização sucessiva da constitucionalidade é bom que haja uma posição do Tribunal Constitucional o mais breve possível. Como estabelece a Constituição quanto aos direitos do cidadão contribuinte é de suprema importância que não haja qualquer dúvida sobre a Lei do Orçamento, em particular, sobre a forma como foram criados os impostos e os termos da sua liquidação e cobrança.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 788 de 04 de Janeiro de 2016.