Nas vésperas do 42º aniversário da independência nacional sente-se pela primeira vez que as pessoas em todos os recantos do país se mostram mais dispostas em exteriorizar inquietação relativamente ao que se passa à sua volta e alguma intranquilidade quanto ao futuro. Percebe-se o fenómeno no dia-a-dia e em particular nas redes sociais, como manifestações de frustração, ressentimento e fúria muitas vezes dirigidas contra governantes e contra os partidos. Também sinal disso é o entusiasmo com que recentemente foi abraçada a luta contra os estatutos dos titulares de órgãos de soberania ou com que presentemente se discute a regionalização como se fosse o paliativo para todos os males do país. Outrossim, a derrota pesada do partido no governo desde 2001 poderá ter sido outro sinal forte da urgência em mudar o rumo do país que avança mais lento que o desejado e ainda, para mais, a diferentes velocidades. E mesmo com a mudança na governação parece que paciência não é muita como mostra a mobilização para a manifestação prevista para o 5 de Julho em S.Vicente contra o centralismo e as suas consequências para o resto do país.
Para toda esta insatisfação devem estar a contribuir os sucessivos anos a partir de 2009 em que o crescimento da economia ficou por valores baixíssimos, em média 1,2 % ao ano, apesar dos grandes investimentos públicos que prometiam resultado diferente. Também tem sido desanimador o persistente desemprego e o novo fenómeno de milhares de jovens com licenciatura mas desempregados devido à inadequação da sua formação às necessidades do mercado e à incapacidade em pôr de pé os famosos clusters que iriam dinamizar sectores da indústria dos transportes, telecomunicações e dos serviços. Em acréscimo, a visível degradação do ambiente social com o aumento das incivilidades e da criminalidade tem sido um outro factor que não tem ajudado a manter a confiança numa melhoria a curto prazo. Parece que a “gota de água” que fez transbordar o copo foi a percepção cada vez mais acentuada do aumento das desigualdades sociais e das desigualdades entre as ilhas, com concentração das oportunidades na Capital.
O que está a passar em Cabo Verde não é muito diferente do que acontece por este mundo fora. Nestes últimos anos tem-se assistido em várias democracias a manifestações diversas que têm demonstrado o profundo descontentamento das populações com a estagnação do rendimento acompanhado do aumento da desigualdade e da insegurança em relação ao futuro. O Brexit e a eleição de Donald Trump são as consequências mais visíveis da reacção de sectores da população a isso. Em vários outros países, o ressentimento e a frustração das pessoas têm levado ao colapso de partidos tradicionais, a reacções anti-elites, à exaltação do nacionalismo anti-globalização e ao recrudescer da xenofobia. Em Cabo Verde também já se fazem sentir nas instituições, nos partidos e na atitude dos líderes os efeitos do populismo que bebe do ressentimento, da frustração e da vitimização. E assim como noutras democracias esses fenómenos não trazem nada de valor e não têm nada de positivo mas, como podem mobilizar paixões poderosíssimas, quem as provoca com mestria tem fortes probabilidades de chegar ao poder e de o conservar.
É um facto que 42 anos após a independência a vulnerabilidade do país é ainda por demais evidente. Apesar disso, todos os anos por altura do 5 de Julho ouve-se o estafado discurso que relembra o quanto estavam errados todos aqueles que pensaram que Cabo Verde não era viável. Retórica dos políticos à parte, não é com a certeza da viabilidade do país que se fica depois de ler o último comunicado do GAO, um texto mais musculado do que 0 habitual, que subordina a ajuda orçamental à reestruturação da TACV e à apresentação de um plano de redução da dívida pública. A realidade das ilhas e arquipélagos é que, devido à sua pequenez, fragmentação e distância de mercado, são de difícil viabilidade se separados de grandes espaços económicos. A maioria faz como a Ilha da Madeira, os Açores, as Canárias e várias outras ilhas e arquipélagos das Caraíbas: prefere a autonomia mas mantendo a ligação económica e política que garante acesso aos mercados, livre circulação e benefícios de fundos estruturais. As excepções com sucesso, como Singapura e as Maurícias, distinguiram-se desde cedo com lideranças que optaram logo à partida por vencer as fragilidades com a criação de riqueza e por não cair na tentação de explorar a precariedade da vida das populações para se manterem no poder.
Lee Kuan Yew famosamente chorou quando Singapura foi forçada a se tornar independente com a sua expulsão da Federação da Malásia. As Maurícias não vacilaram com a sua independência apesar do diagnóstico de James Meade, prémio Nobel da Economia, segundo o qual o país não seria viável. Mas nenhum deles fechou o país ao investimento externo e optou pela reciclagem da ajuda externa como forma de ter a população controlada. Pelo contrário, crescimento rápido, mais emprego e sucesso na criação de riqueza passaram a ser as bases para a legitimação do poder. Infelizmente, ainda em Cabo Verde o poder não é visto como forma de optimizar a máquina do Estado para melhor servir a população e as empresas que vão produzir riqueza. O poder faz-se sentir na redistribuição de recursos e é essa lógica de disputa por parcos recursos que predispõe todos a não cooperarem entre si e a usar todas as artimanhas, entre as quais, a arma da vitimização, para aumentar o rendimento pessoal.
Na actual encruzilhada importa agir decisivamente para evitar os erros anteriores. Há que compreender, por exemplo, que a dinâmica do centralismo em Cabo Verde resulta de entre outros factores do modelo de reciclagem das ajudas. Também que a marginalização de S.Vicente tem muito a ver com opções de política que fecharam o país e não privilegiaram a ligação à economia mundial com atração de investimento externo e foco na exportação de bens e serviços. Assim como S.Vicente no passado, Sal e Boa Vista hoje estão a provar aos olhos de todos que é com capacidade de resposta à procura externa que se constroem as bases da autonomia dos indivíduos, das empresas e da própria ilha. Não é a pela disputa de recursos do Estado. A energia de todos deve ser dirigida no sentido de fazer com que todas as ilhas beneficiem directamente de uma ligação com a economia mundial. Esse é o objectivo actual do governo arquipélago vizinho das Canárias. Também devia ser o nosso.
Para toda esta insatisfação devem estar a contribuir os sucessivos anos a partir de 2009 em que o crescimento da economia ficou por valores baixíssimos, em média 1,2 % ao ano, apesar dos grandes investimentos públicos que prometiam resultado diferente. Também tem sido desanimador o persistente desemprego e o novo fenómeno de milhares de jovens com licenciatura mas desempregados devido à inadequação da sua formação às necessidades do mercado e à incapacidade em pôr de pé os famosos clusters que iriam dinamizar sectores da indústria dos transportes, telecomunicações e dos serviços. Em acréscimo, a visível degradação do ambiente social com o aumento das incivilidades e da criminalidade tem sido um outro factor que não tem ajudado a manter a confiança numa melhoria a curto prazo. Parece que a “gota de água” que fez transbordar o copo foi a percepção cada vez mais acentuada do aumento das desigualdades sociais e das desigualdades entre as ilhas, com concentração das oportunidades na Capital.
O que está a passar em Cabo Verde não é muito diferente do que acontece por este mundo fora. Nestes últimos anos tem-se assistido em várias democracias a manifestações diversas que têm demonstrado o profundo descontentamento das populações com a estagnação do rendimento acompanhado do aumento da desigualdade e da insegurança em relação ao futuro. O Brexit e a eleição de Donald Trump são as consequências mais visíveis da reacção de sectores da população a isso. Em vários outros países, o ressentimento e a frustração das pessoas têm levado ao colapso de partidos tradicionais, a reacções anti-elites, à exaltação do nacionalismo anti-globalização e ao recrudescer da xenofobia. Em Cabo Verde também já se fazem sentir nas instituições, nos partidos e na atitude dos líderes os efeitos do populismo que bebe do ressentimento, da frustração e da vitimização. E assim como noutras democracias esses fenómenos não trazem nada de valor e não têm nada de positivo mas, como podem mobilizar paixões poderosíssimas, quem as provoca com mestria tem fortes probabilidades de chegar ao poder e de o conservar.
É um facto que 42 anos após a independência a vulnerabilidade do país é ainda por demais evidente. Apesar disso, todos os anos por altura do 5 de Julho ouve-se o estafado discurso que relembra o quanto estavam errados todos aqueles que pensaram que Cabo Verde não era viável. Retórica dos políticos à parte, não é com a certeza da viabilidade do país que se fica depois de ler o último comunicado do GAO, um texto mais musculado do que 0 habitual, que subordina a ajuda orçamental à reestruturação da TACV e à apresentação de um plano de redução da dívida pública. A realidade das ilhas e arquipélagos é que, devido à sua pequenez, fragmentação e distância de mercado, são de difícil viabilidade se separados de grandes espaços económicos. A maioria faz como a Ilha da Madeira, os Açores, as Canárias e várias outras ilhas e arquipélagos das Caraíbas: prefere a autonomia mas mantendo a ligação económica e política que garante acesso aos mercados, livre circulação e benefícios de fundos estruturais. As excepções com sucesso, como Singapura e as Maurícias, distinguiram-se desde cedo com lideranças que optaram logo à partida por vencer as fragilidades com a criação de riqueza e por não cair na tentação de explorar a precariedade da vida das populações para se manterem no poder.
Lee Kuan Yew famosamente chorou quando Singapura foi forçada a se tornar independente com a sua expulsão da Federação da Malásia. As Maurícias não vacilaram com a sua independência apesar do diagnóstico de James Meade, prémio Nobel da Economia, segundo o qual o país não seria viável. Mas nenhum deles fechou o país ao investimento externo e optou pela reciclagem da ajuda externa como forma de ter a população controlada. Pelo contrário, crescimento rápido, mais emprego e sucesso na criação de riqueza passaram a ser as bases para a legitimação do poder. Infelizmente, ainda em Cabo Verde o poder não é visto como forma de optimizar a máquina do Estado para melhor servir a população e as empresas que vão produzir riqueza. O poder faz-se sentir na redistribuição de recursos e é essa lógica de disputa por parcos recursos que predispõe todos a não cooperarem entre si e a usar todas as artimanhas, entre as quais, a arma da vitimização, para aumentar o rendimento pessoal.
Na actual encruzilhada importa agir decisivamente para evitar os erros anteriores. Há que compreender, por exemplo, que a dinâmica do centralismo em Cabo Verde resulta de entre outros factores do modelo de reciclagem das ajudas. Também que a marginalização de S.Vicente tem muito a ver com opções de política que fecharam o país e não privilegiaram a ligação à economia mundial com atração de investimento externo e foco na exportação de bens e serviços. Assim como S.Vicente no passado, Sal e Boa Vista hoje estão a provar aos olhos de todos que é com capacidade de resposta à procura externa que se constroem as bases da autonomia dos indivíduos, das empresas e da própria ilha. Não é a pela disputa de recursos do Estado. A energia de todos deve ser dirigida no sentido de fazer com que todas as ilhas beneficiem directamente de uma ligação com a economia mundial. Esse é o objectivo actual do governo arquipélago vizinho das Canárias. Também devia ser o nosso.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 814 de 4 de Julho de 2017