O início do novo ano político ficou marcado pelo caso dos manuais escolares que dominou o debate público tanto nos órgãos de comunicação social como nas redes sociais e em outros espaços informais. Os erros flagrantes, as dificuldades do ministério da Educação em se explicar e o protorganismo do primeiro-ministro ao longo do episódio garantiram que a atenção do país nele se fixasse até o momento em que as autoridades cederam e retiraram os manuais com promessa de uma nova edição revista. O incidente, na sequência de outros que têm deixado as pessoas algumas vezes perplexas e outras vezes apreensivas, acabou por criar uma certa inquietação. A alternância de governo em 2016 tinha alimentado a esperança que se ia fazer diferente, pôr fim ao ilusionismo e focalizar-se na criação de riqueza e prosperidade geral. Um caminho que exigiria mais eficiência na utilização dos recursos e maior eficácia em obter resultados. A inquietação vem da percepção de que se estará a perder tempo, recursos e oportunidades quando o país, por todas as razões já sobejamente conhecidas, pouco espaço tem para manobra.
Martin Wolf, o economista chefe do jornal Financial Times, num artigo recente, deixou claro que economias que não crescem são as em que a liderança se caracteriza em insistir num pensamento mágico, falha em criar incentivos que motivam as pessoas a criar riqueza, menospreza a importância das instituições em garantir esses incentivos e não reconhece a importância central do investimento privado nacional e estrangeiro na dinamização da economia. Ora, em Cabo Verde nos últimos anos viveu-se muito à custa do discurso mágico, os incentivos visaram mais aumentar a dependência do Estado, a segurança jurídica e institucional ficou muito aquém do desejável e ninguém procurou traçar uma estratégia de atracção de investimento externo, deixando-se levar pelo que era oferecido pelos operadores como aconteceu em sectores como o turismo, indústrias e transportes. Os resultados não podiam ser os melhores e depois de mais de cinco anos de crescimento médio à volta de 1% é que aparecem sinais de que poderá subir patamares superiores como o já verificado no crescimento do PIB em 2016 de 3,8% e a previsão do FMI para 2017 em 4%.
Uma nota de aviso está porém presente nas projecções nos anos seguintes até 2022. Só se projecta que o crescimento passe para 4,1% do PIB em 2018 e aí se mantenha até 2022. Compreende-se que para as instituições de Bretton Woods não haja grandes expectativas de crescimento se se tiver em conta que o ambiente de negócios e a competitividade actual do país assim como foi avaliado pelo Forum Económico Mundial o situa no grupo dos piores entre os 138 países do relatório. Romper com este estado de coisas não é fácil, mas é o que se espera do actual governo para que o país atinja os níveis de crescimento económico necessários para realmente debelar o desemprego, combater a pobreza e manter viva a esperança da mobilidade social e prosperidade futura. Aliás, a promessa do crescimento de 7% para se poder criar os 45 mil postos de trabalho foi feita com essa convicção. Por isso que a reacção nem sempre satisfatória do governo em termos comunicacionais e mesmo de oportunidade perante percalços diversos tem trazido alguma inquietação. Há nas pessoas uma percepção profunda de que o país está numa encruzilhada e que para poder ultrapassá-la é fundamental uma liderança com visão e determinação e com capacidade para congregar vontades na consecução dos objectivos propostos.
Mais do que nunca as pessoas querem ver eficácia na acção governativa mesmo quando não concordem totalmente com as políticas ou tenham uma perspectiva política partidária diferente. Por isso é que as críticas ou pontos de vista diferentes não devem ser considerados “barulho” por quem governa e que ninguém deve reclamar que seu partido é Cabo Verde como se os outros também não o fossem nesta república democrática e plural. É num ambiente de pluralismo em que os direitos da oposição são respeitados e que diferentes instituições do Estado cumprem na plenitude com as respectivas competências que se tem maior probabilidade de acertar com o caminho certo. Parafraseando Martin Wolf, evita-se o pensamento mágico, os incentivos não são contaminados por interesses particulares e dão garantia de estabilidade e de previsibilidade e ainda constrói-se a confiança necessária para que nacionais e estrangeiros queiram investir e por essa via contribuir para a criação da riqueza.
A crise que atravessa as democracias modernas tem servido de munição para certos sectores de opinião que sempre tiraram grande satisfação em apontar falhas ao que chamam democracia formal. Os alvos preferidos são os partidos, o parlamentarismo, o sistema eleitoral proporcional e faz-se apologia dos mecanismos da democracia directa e de formas presidencialistas de governo. O apelo ao populismo e ao “sistema do homem forte” e do “chefe” não limitado por instituições e normas está sempre aí presente. Até se reclama que seria mais eficaz por não obrigar aos procedimentos constitucionais tidos como perda de tempo e limitativos de acções de governação. A realidade histórica porém demonstra que tais derivas desembocam invariavelmente em tirania, maior desigualdade social e mais pobreza.
Os partidos podem ter muitos defeitos, mas são eles que cristalizam as alternativas dentro do sistema, quem no presente ou no futuro os eleitores podem exigir responsabilidade e quem pode fornecer referência ideológica, recursos organizacionais e suporte político activo a governantes e forças de oposição no jogo democrático essencial para levar o país para o melhor caminho. O caso já paradigmático de Donald Trump nos Estados Unidos demonstra como a eficácia da governação é negativamente afectada quando se governa sem o respaldo do partido e se procura refugiar ou em pretensas soluções tecnocráticas ou em esquemas de quero, posso e mando. Dá para pensar o que não vai bem em Cabo Verde e que leva a uma inquietação generalizada e à preocupação com alguma falta de eficácia do governo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 828 de 11 de Outubro de 2017.