O Instituto Nacional de Estatísticas (INE) divulgou na semana passada dados preliminares do Censo 2021 incidindo sobre a população e a habitação. De entre as informações passadas ficou-se a saber com alguma surpresa que a população de 2010 para 2021 diminui de 491.683 habitantes para 483.628.
A população urbana cresceu de 61,8% em 2010 para 73,9% em 2021 e a população rural, no mesmo intervalo de tempo, caiu de 38,2% para 26,1%. Outro dado importante é que das ilhas terão saído em termos líquidos 29.076 pessoas e deslocadas para o Sal, Boa Vista e Cidade da Praia num total de 21.619. A diferença, 7457 pessoas, eventualmente terá saído do país por razões de emigração, estudos no estrangeiro e outras. Concomitante com essas deslocações internas nota-se o crescimento do número de barracas como habitação em 85,7 % de 2010 para 2021 nas ilhas de S. Vicente, Sal, Boa Vista e Cidade da Praia. Perante estes dados é de se perguntar: Quo Vadis (por onde vão) as políticas públicas do país?
Muito do discurso político feito em Cabo Verde procura realçar a necessidade da criação de condições para fixar a população nas suas ilhas de origem. Diz-se, por exemplo, que se está a investir na mobilização da água (furos, barragens, dessalinização) para dar vida ao mundo rural; que se está a construir estradas, portos e aeroportos para desencravar localidades; que se está a criar escolas, liceus e até polos universitários para garantir igualdade de oportunidades; e que se está a edificar hospitais, sistemas energéticos e de telecomunicações para criar condições adequadas para o desenvolvimento social e económico em todo o país. Compreende-se que com este tipo de discurso procura-se granjear suporte político junto de algum tipo de eleitorado tanto a nível central como local. O problema é que quando pôs na prática, e para isso mobilizados e aplicados milhões de contos, são tão grandes as ineficiências criadas que nem se consegue atingir o objectivo de fixação das populações nem também o de fazer o país crescer o suficiente para ultrapassar as vulnerabilidades que os anos de seca revelaram e que foram aprofundadas com a pandemia.
Os dados do INE deixam transparecer que as pessoas reconhecem onde a economia mostra dinamismo, capacidade de expansão e promessa de emprego. As migrações para a ilha do Sal e da Boa Vista ao longo da década são a prova disso. As pessoas vão onde há investimento externo massivo, a construção de grandes hotéis e resorts, e onde há uma procura externa em forma de um fluxo turístico crescente que garante sustentabilidade aos negócios e aos empregos. Quem não parece reconhecer plenamente essas potencialidades são os poderes públicos que, em vez de capitalizar sobre os investimentos feitos para desenvolver actividades conexas privilegiando a emergência de um empresariado local capaz de prestar serviços e fornecer bens aos empreendimentos turísticos, optam por uma postura quase de passividade, mas que na prática lembra a do rentista. Venda de terrenos e cobrança de impostos e taxas diversas devido ao turismo acontecem, mas não se vêem políticas públicas atempadas para responder às necessidades das pessoas que com a sua mão-de-obra tornam os investimentos uma realidade economicamente dinâmica.
O crescimento vertiginoso das barracas nessas ilhas como demonstra o Censo 2021 é prova clara dessa passividade quando aplicada ao sector da habitação. Curioso é que nos primeiros cinco anos da década 2010-2021 o país estivesse a implementar o projecto Casa para Todos com base num crédito português de carácter comercial no valor de 200 milhões de dólares. Enquanto se levantavam barracas na ilha do Sal e da Boa Vista construíam-se prédios em várias ilhas que depois se viria a verificar que na prática nem o governo de então nem o de agora conseguiu vender ou arrendar. Foi dos momentos em que ficou mais claro a falta de coerência nas políticas públicas com resultados terríveis tanto para o país como para as pessoas. A pesada dívida externa de mais de dois dígitos que o país vem arrastando há anos e que se agravou extraordinariamente com a pandemia tem a sua origem nessas opções que deixam o país com elefantes brancos ao mesmo tempo que oportunidades são perdidas e não se potencializa o que realmente cria riqueza, gera emprego e aumenta as exportações.
Devia ser evidente para todos que uma economia pequena como a cabo-verdiana só pode prosperar se souber fazer uma ligação vantajosa com a economia mundial atraindo investimentos e exportando bens e serviços. Historicamente todos os momentos de fugaz prosperidade que o país teve estavam de uma forma ou outra ligados à procura externa de bens e serviços. Depois da independência perdeu-se essa conexão. O fluxo da ajuda externa garantia algum rendimento e crescimento da economia mesmo com um regime político hostil ao investimento externo e à actividade privada e promotor de uma economia virada para dentro. O Estado que foi criado com esse modelo, porém, nunca se deixou completamente reformar, apesar dos diferentes governos democráticos que se têm sucedido nos últimos trinta anos.
As incoerências nas políticas públicas continuam com os custos de eficiência, produtividade e competitividade conhecidos de todos. De vez em quanto vêm à superfície para se verem os seus efeitos como é o caso que o Censo 2021 revela com a saída massiva das pessoas do mundo rural para as cidades. Um outro caso é o que se passa em S. Vicente com o aumento do número de barracas que conjuntamente com a perda de população evidenciam o empobrecimento de uma ilha cuja economia só pode realmente ser dinamizada com ligação ao exterior. Não compreender isso impede que haja vontade de mudar a atitude quanto à relação do país com o mundo e de questionar políticas publicas cujos resultados são limitados, se não mesmo prejudiciais.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1028 de 11 de Agosto de 2021.